NICOLAU SAIÃO
Caríssimos confrades & amigas/os
Aqui há dias, numa conversa das que mantenho ciclicamente com um estimado confrade do “outer circle”, este colocou-me uma questão de facto para ponderar: as nossas emissoras televisivas, ao contrário das espanholas, no decorrer da actual guerra se bem que levem aos noticiários como convidados opinativos diversos militares de carreira, nunca ainda levaram ao convívio com os telespectadores oficiais especialistas no ramo de contra-informação.
E, perguntava-se ele se tal facto decorreria de desconhecimento das suas chefias das rubricas noticiosas, ou se seria antes por incompetência delas, dando de barato que no teatro de operações militares a decorrer na Ucrânia a contra-informação tem tido um papel determinante na comunicação estabelecida para todo o mundo em geral e o Ocidente em particular.
O texto que se segue tem o intuito de analisar e esclarecer os factos daí decorrentes.
É congeminado, e também tratado, levando em conta que, na segunda fase da minha vida militar, era o meu trabalho na Secção específica a que fiquei adstrito.
E fiquemos desde já com este dado: ele é exarado de forma objectiva, branca como sói dizer-se. Não se levarão em conta as simpatias e antipatias que possa ter para com os protagonistas do conflito (Putin versus Zelensky, exército ucraniano versus exército russo). Como escrevi no meu texto patente no TriploV e que sugiro leiam (à guisa de refrescarem a memória) “A Contra-Informação – elementos para uma pedagogia democrática), neste ramo reservado, semi-secreto e parente próximo da contra-espionagem, lida-se com realidades objectivas e concretas, pois é dessa apreciação que, depois, se podem efectuar as “plantações”, manipulações e demais manejos próprios dos agentes e operacionais de “cloak and dagger” ou seja, em bom português, de capa e espada…como se costuma ver nas obras cinematográficas bem concebidas…
E, adicionalmente, um outro dado para com os leitores mais sensíveis: o ramo da contra-informação é o reino do chamado “trabalho sujo”, da actividade sem rodriguinhos: o que nele conta é a eficácia – de exalçar se feita com intuitos vincadamente democráticos, de lamentar se os seus utilizadores estão na dependência de governos ou países totalitários.
E, começando a nossa incursão, temos que neste sector de análise se leva em conta: a tipologia (aspecto físico, maneirismos e características mentais e gerais dos indivíduos ou agremiações analisados; hábitos, relacionamentos, obras e profissão): e daqui se parte, em sequência, para o mapear da actuações contra-informativas.
Vejamos então os dois protagonistas principais (Putin e Zelensky, pois esta análise paralela permitir-nos-á entender porque é tão medíocre a contra-informação comunicativa dos russos invasores e tão eficaz e aliciante a dos ucranianos invadidos.
Putin & exército russo
Características pessoais tipológicas deste: sempre enfarpelado com fatos ricos ou formais, de aparência fria – o que é acentuado pelos seus gelados olhos azuis e a calva incipiente, o chefe russo é de pequena estatura, pouco atraente e com ar distante. Quando se desloca (aparecendo, o que é contraproducente, vindo de longas escadarias e longos corredores, de cores geralmente brancas o que agrava o ambiente frio) tem um andar bamboleante e falsamente sensual (o que o nosso povo em bom vernáculo caracterizaria como um andar de larilas, ou de gajo a armar em galã). Fala de modo impositivo e sincopado, atirando as palavras como pedras ao rosto dos ouvintes e os seus conceitos são esquemáticos e por vezes chegam a ser ofensivos (o célebre discurso em que apelidou os críticos de traidores e que os iria cuspir como se cuspisse uma mosca). Putin não é figura popular e no coração do povo eslavo, como por exemplo bem conhecido um outro ditador o foi: Hitler, que para mal dos democratas daquele tempo no auge do seu chancelato era quase idolatrado pelos cidadãos alemães – vejam-se os documentários da época, com o povão em delírio estendendo o braço na saudação proverbial…). Os assessores de imagem do dirigente russo, ou por mediocridade ou porque o chefe assim os obriga, não sabem valorizá-lo. A olhos ocidentais e/ou adversos, Putin aparece como uma figura de opereta negativa e não como a figura de um estadista respeitável, ao contrário de um outro líder tão ou mais perigoso do que ele, mas dispondo de uma “task force” inegavelmente competente – Xi Jinping, o ditador chinês.
A sua “entourage” operacional no exército
Primeiro erro: terem posto como porta-voz um homem. Segundo erro: a aparência desse porta-voz: o coronel destacado para o efeito tem uma aparência patibular, de durão, um verdadeiro rosto de rufia de caserna (e no entanto, ao menos podiam ter escolhido um que possuísse aquele rosto finamente eslavo, pois os russos têm geralmente homens muito belos (tal como as mulheres o são habitualmente…). E em comunicação pública isso conta muito.
No aspecto da ligação oral ao cidadão, o discurso contra-informativo russo é deficiente. Não levam em conta que, popularmente – e os leitores que corroborem o que digo – as pessoas estão sempre imaginalmente do lado de David contra o Golias. No espectáculo mais popular que há, o cinema, isso é patente: quem não aprecia ver as tundas homéricas que um pequeno Tom Cruise (tem apenas 1,68 m, posto que bem constituído e mesmo musculoso) propicia a três ou quatro valentões que o provocam, nos apreciados filmes de Jack Reacher? Ou das pugnas protagonizadas por um saudoso Alan Ladd (tão baixote como aquele, são da mesma altura), que com a sua destreza deitava a terra um cowboy ou gangster com o dobro do seu cabedal…
Terceiro erro: havendo desproporção acentuada de forças no terreno, chamar a atenção sistematicamente para isso. O ouvinte-alvo ou telespectador-alvo sente uma instintiva sensação de desagrado, pois “que grande coisa é um fortalhaço dar tareia numa criança?”.
Temos, assim, que no capítulo da acção psicológica, os russos estão a perder decisivamente, não só pelo que ficou analisado mas, também – e intrinsecamente! – porque a sua doutrina e a sua prática são espúrias e erradas e, portanto, não têm proveito nas acções que programam, aliás de forma incompetente.
Vejamos, agora, o seu adversário,
Zelensky e o exército ucraniano:
Antigo actor, comediante e comunicador de sucesso popular, o líder ucraniano dispõe dum rosto prazenteiro, de homem comum simpático e afável. Pequenito mas bem constituído, posiciona-se em frente das câmaras de forma varonil mas simples, sem ademanes de valentão das dúzias. Enfarpelado numa camiseta militar usada pelos vulgus pecus combatentes, figura-se logo como um irmão e um igual dos que, sendo soldados ou das milícias internacionais e locais civis, enfrentam diariamente o invasor. É um mestre nos discursos e nas intervenções funcionais, lembremos os que dirigiu aos senadores e congressistas americanos – em que citou emocionadamente figuras queridas e populares dos estadunidenses como Abraham Lincoln e Ronald Reagan, ou casos como Pearl Harbour e as Torres Gémeas; ou, quando no Parlamento britânico, citou adequadamente uma das figuras mais respeitadas pelos ingleses – e, arriscaria dizer – do mundo democrático ocidental, o grande Winston Churchill. “Lutaremos em terra, no ar, no mar, em todos os campos e florestas da nossa Ilha, e venceremos o Mal”, citou ele parafraseando o “Buldogg britânico” como era popularmente chamado, despoletando uma tempestade de aplausos aos assistentes todos de pé!
Zelensky tem por si, ainda, a realidade de ser um democrata e, adicionalmente, um patriota e um agredido por um turiferário imperialista e invocador de falsas explicações, pois nem a Ucrânia nem os países ocidentais pensavam em atacar a Rússia, sendo que esta, ademais, não pode confundir-se com os tentames de um oligarca autocrata e seus seguidores servis, militares ou civis ou dos serviços secretos actuais, de que ele, na sua figuração do passado, foi chefe.
Quanto aos membros do círculo próximo de Valodimyr Zelensky, percebe-se que são unha com carne com o líder. Não aparecem geralmente nos tablados íntimos, mas intui-se que formam uma equipa coesa – bem ao contrário da de Putin, que já demitiu um altíssimo funcionário militar do regime, mandou prender outros dois e humilhou em público outro ainda. Sendo um verdadeiro autocrata, conta menos com a devoção dos seus subordinados do que com os interesse próprios que estes têm ou possam ter.
A sociedade russa, com um povo manietado e vivendo com claras dificuldades materiais – a dinheirama está nas mãos de um grupo específico, nomeadamente do exército – para cuja máquina, aliás, tem sido canalizado o grosso do erário público em detrimento das necessidades populares, é hoje uma sociedade bloqueada. Prevemos que a médio prazo se vá evanescendo, facto que a curto prazo, por mor da guerra que despoletaram e as sanções do ocidente que justamente lhe sucederam, se vai verificando.
Como referiu Lloyd George, numa declaração que ficou célebre, “Os factos são geralmente infirmados ou confirmados pelas comezinhas realidades, pois nada há de tão conclusivo…”. Em contra-informação é precisamente a mesma coisa…!
Recebam o abraço cordial e de estima do v
ns