O artista que passa o tempo recluso na solidão do atelier, trabalhando,
desenvolvendo sua experiência estética, como um operário da linguagem e
do pensamento, está em extinção. É coisa de museu. Ou melhor, é raridade
nos museus de arte, hoje em dia, que estão deixando de ser instituições
de referência da memória para servir de cenários para legitimação do
espetáculo. Às vezes com míseros recursos que ficamos até sem saber,
quando deparamos com baldes e bacias nessas instituições, se são para
amparar a pingueira do telhado ou se trata de uma instalação,
contemplada por um edital para aquisição de obras contemporâneas. O que
interessa na politica cultural nem sempre é a arte e a cultura, e sim, o
glamour. Em nome da arte contemporânea faz-se qualquer coisa que dê
visibilidade.
As políticas públicas foram relegadas às leis de incentivo à cultura e
aos editais públicos. Nunca se fez tanto editais neste País, como
atualmente, para no fim fazer da arte um suplemento cultural, o bolo da
noiva na festa de casamento. Na fala do filósofo alemão Theodor Adorno:
“As obras de arte que se apresentam sem resíduo à reflexão e ao
pensamento não são obras de arte”. Do ponto de vista da reflexão, do
pensamento e do conhecimento, a cultura não é prioridade. Na política
dos museus, o objeto já não é mais o museu que se multiplicou,
juntamente com os chamados centros culturais, nos últimos anos. Com
vaidade de supermercado, na maioria das vezes eles disponibilizam
produtos perecíveis, novidades com prazo de validade, para estimular o
consumo vetor de aquecimento da economia. A qualificação ficou no papel,
na publicidade do concurso.
Esses editais que bancam a cultura são iniciativas que vem ganhando
força. Mostram ser um processo de seleção com regras claras para
administrar o repasse de recursos, muito bem vendido na mídia, como um
método de democratizar o acesso e a distribuição de recursos para as
práticas culturais. Mas nem tão democrático assim. Podem ser um
instrumento possível e eficiente em certos casos, mas não é a solução, é
possível funcionar também, como escudo para dissimular responsabilidades
pela produção, preservação e segurança do patrimônio cultural.
Considerando-se ainda a contratação de consultorias, funcionários,
despesas de divulgação, inscrição, o trabalho árduo e apressado de
seleção , é um custo considerável, em último caso, gera serviços e
renda.
O artista contemporâneo deixa de ser artista para ser proponente,
empresário cultural, captador de recursos, um especialista na área de
elaboração de projeto, com conhecimentos indispensáveis de processo
público e interpretação de leis. Dedica grande parte de seu tempo nesse
processo burocrático de elaboração e execução de projeto, prestação de
contas, contaminado pela lógica do marketing, incompatível para o
artista que aposta na arte como uma opção de vida e meio de conhecimento
que exige uma dedicação exclusiva. Ou então, ele fica à mercê de uma
produtora cultural, para quem essa política de editais e fomento à
cultura é um excelente negócio.
Uma coisa é preocupante, se essa política de editais se estender até a
sucateada área da saúde. Imaginem uma seleção pública para pacientes do
Sistema Único de Saúde que necessitam de procedimentos médicos, os que
não forem democraticamente contemplados, teriam que apelar para a
providência divina, já engarrafada com a demanda de tantos pedidos. Nem
é bom imaginar. Que esta praga fique restrita nos limites da esfera
cultural, pelo menos é uma torneira que sempre se abre para atender
parte de uma superpopulação de artistas / proponentes pedintes.
O artista, cada vez mais, é um técnico passivo com direito a diploma de
bem comportado em preenchimento de formulário, e seu produto relegado ao
controle dos burocratas do Estado e aos executivos de marketing das
grandes empresas. Se o projeto é bem apresentado com boa justificativa
de gastos e retornos, o produto a ser patrocinado ou financiado,
mediano, não importa. O que importa é a formatação, a objetividade do
orçamento, a clareza das etapas e a visibilidade, o produto final é o
acessório do projeto. Claro, existem as exceções.
Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto) |
Almandrade (Antônio Luiz M. Andrade).
Artista plástico, arquiteto, mestre em desenho urbano e poeta.
Participou de várias mostras coletivas, entre elas: XII, XIII e XVI
Bienal de São Paulo; "Em Busca da Essência" - mostra especial da XIX
Bienal de São Paulo; IV Salão Nacional; Universo do Futebol (MAM/Rio);
Feira Nacional (S.Paulo); II Salão Paulista, I Exposição Internacional
de Escultura Efêmeras (Fortaleza); I Salão Baiano; II Salão Nacional;
Menção honrosa no I Salão Estudantil em 1972. Integrou coletivas de
poemas visuais, multimeios e projetos de instalações no Brasil e
exterior. Um dos criadores do Grupo de Estudos de Linguagem da Bahia que
editou a revista "Semiótica" em 1974. Realizou cerca de vinte exposições
individuais em Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo
entre 1975 e 1997; escreveu em vários jornais e revistas especializados
sobre arte, arquitetura e urbanismo. Prêmios nos concursos de projetos
para obras de artes plásticas do Museu de Arte Moderna da Bahia,
1981/82. Prêmio Fundarte no XXXIX Salão de Artes Plásticas de Pernambuco
em 1986. Editou os livretos de poesias e/ou trabalhos visuais: "O
Sacrifício do Sentido", "Obscuridades do Riso", "Poemas", "Suor Noturno"
e Arquitetura de Algodão". Prêmio Copene de cultura e arte, 1997. Tem
trabalhos em vários acervos particulares e públicos, como: Museu de
Arte Moderna da Bahia e Pinacoteca Municipal de São Paulo. |