Nunca se falou tanto em política cultural como nos
últimos anos, nesse País, conferências, conselhos, encontros,
inventaram até economia criativa, no entanto, a cultura vive uma
recessão e conseqüentemente a ética, a cidadania e a educação escorrem
pelo ralo. De um lado as leis de incentivo e os editais e do outro o
entretenimento e a festa como alvos. As linguagens artísticas,
instituições culturais como: museus, bibliotecas, teatros, centros
culturais, o patrimônio e as práticas contemporâneas são fantasmas,
quando aparecem não mais assustam.
Diante da crise da política e da economia, a crise
da cultura é pouco visível, mas é sentida nos mínimos atos do
cotidiano. Enquanto fecham-se livrarias e cinemas. Teatros, museus e
bibliotecas são esquecidos na UTI da cultura. Centros destinados ao
comércio de Jesus surgem da noite para o dia, delegacias e leis
especiais são criadas para euforia de muitos, como uma conquista dos
que estão à margem. Perdemos o bom humor, até nossos afetos, desejos e
comportamentos são intermediados pelo aparelho judicial e/ou policial.
É a legitimação do estado de barbárie. O que poderia ser um
probleminha solúvel via cidadania cultural, de repente, vira caso de
polícia.
“Esta é uma sociedade na qual as leis sempre
foram armas para preservar privilégios, sendo o melhor instrumento
para a repressão e a opressão e jamais definindo direitos e deveres
concretos e compreensíveis para todos.” (Marilena Chauí). E continua
sendo. Não vamos harmonizar a sociedade compartimentando violências e
inventando aparelhos repressivos. A questão é também cultural, não
quero dizer que vamos salvar o mundo com a cultura, mas poderemos
transformá-lo. Em vez de, melhorar o relacionamento das pessoas e dos
grupos sociais com esses aparelhos, ao contrário, observamos um
aumento da discriminação, da revolta e a manifestação do ódio
reprimido. Basta a fumaça de um cigarro fora de hora para o circo
pegar fogo.
Faz-me lembrar que certa vez, acordei e vivi a
triste experiência de ser um personagem de romance de Kafka, fui
premiado com uma sentença. As humilhações foram muitas, como: - “A
guarda de B. é minha e abro concessões pra que ele te veja … B. é novo
e pode se adaptar bem a uma vida sem pai. talvez eu faça valer de fato
essa proibição judicial de ele não poder te ver...” Pensei, uso do
aparato de proteção para tirar partido e manifestar o descontrole
emocional? Longe de mim fazer qualquer diagnóstico. Sem o princípio da
imparcialidade, é difícil provar que elefante não voa.
Sete anos depois, renunciei ao meu afeto e a
convivência, me restou a saudade a tristeza e hipertensão do estresse.
Apenas um pequeno exemplo da nossa cultura da barbárie doméstica. É o
País de Macunaíma: “cada um por si e Deus contra todos” e a certeza de
que chegamos ao século XXI mais bárbaros do que os bárbaros da idade
média.
Em outros tempos, mais difíceis, éramos mais
cordiais, o inimigo era conhecido. A cultura sobrevivia, mesmo que
precariamente, sem lei de renúncia fiscal, ceder o lugar para o idoso
ou a grávida no coletivo, era um privilégio de ser educado, dispensava
a obrigatoriedade da lei. Um País civilizado, escolas e instituições
culturais se destacam na paisagem da cidade ou nas reivindicações da
população. Uma população melhor educada, reconhece o direito do outro
como uma regra social, uma questão de cidadania.
“Todos os seres nascem livres e iguais em dignidade
e direitos”, independentes de raça, sexo etc. A importância que se dá
aos conflitos localizados é porque eles funcionam para disfarçar o
conflito maior no qual estamos atolados, o da “luta de classes”,
esquecemos a lição do velho Marx, abandonado em alguma biblioteca
empoeirada que ninguém mais frequenta.
A cultura é muito mais do que o que aparece
nas salas dos conselhos, conferências, nos recintos da academia e nas
metas dos planos de cultura. É uma prática diária, ou seja, o
dispositivo que permite ao homem ocupar seu lugar no tempo e no
espaço, se relacionar com o outro e o meio ambiente de forma
confortável, humorada e cordial.