REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 

 

 

Almandrade

A cultura da crise

Nunca se falou tanto em política cultural como nos últimos anos, nesse País, conferências, conselhos, encontros, inventaram até economia criativa, no entanto, a cultura vive uma recessão e conseqüentemente a ética, a cidadania e a educação escorrem pelo ralo. De um lado as leis de incentivo e os editais e do outro o entretenimento e a festa como alvos. As linguagens artísticas, instituições culturais como: museus, bibliotecas, teatros, centros culturais, o patrimônio e as práticas contemporâneas são fantasmas, quando aparecem não mais assustam.

Diante da crise da política e da economia, a crise da cultura é pouco visível, mas é sentida nos mínimos atos do cotidiano. Enquanto fecham-se livrarias e cinemas. Teatros, museus e bibliotecas são esquecidos na UTI da cultura. Centros destinados ao comércio de Jesus surgem da noite para o dia, delegacias e leis especiais são criadas para euforia de muitos, como uma conquista dos que estão à margem. Perdemos o bom humor, até nossos afetos, desejos e comportamentos são intermediados pelo aparelho judicial e/ou policial. É a legitimação do estado de barbárie. O que poderia ser um probleminha solúvel via cidadania cultural, de repente, vira caso de polícia.

Esta é uma sociedade na qual as leis sempre foram armas para preservar privilégios, sendo o melhor instrumento para a repressão e a opressão e jamais definindo direitos e deveres concretos e compreensíveis para todos.” (Marilena Chauí). E continua sendo. Não vamos harmonizar a sociedade compartimentando violências e inventando aparelhos repressivos. A questão é também cultural, não quero dizer que vamos salvar o mundo com a cultura, mas poderemos transformá-lo. Em vez de, melhorar o relacionamento das pessoas e dos grupos sociais com esses aparelhos, ao contrário, observamos um aumento da discriminação, da revolta e a manifestação do ódio reprimido. Basta a fumaça de um cigarro fora de hora para o circo pegar fogo.

Faz-me lembrar que certa vez, acordei e vivi a triste experiência de ser um personagem de romance de Kafka, fui premiado com uma sentença. As humilhações foram muitas, como: - “A guarda de B. é minha e abro concessões pra que ele te veja … B. é novo e pode se adaptar bem a uma vida sem pai. talvez eu faça valer de fato essa proibição judicial de ele não poder te ver...” Pensei, uso do aparato de proteção para tirar partido e manifestar o descontrole emocional? Longe de mim fazer qualquer diagnóstico. Sem o princípio da imparcialidade, é difícil provar que elefante não voa.

Sete anos depois, renunciei ao meu afeto e a convivência, me restou a saudade a tristeza e hipertensão do estresse. Apenas um pequeno exemplo da nossa cultura da barbárie doméstica. É o País de Macunaíma: “cada um por si e Deus contra todos” e a certeza de que chegamos ao século XXI mais bárbaros do que os bárbaros da idade média.

Em outros tempos, mais difíceis, éramos mais cordiais, o inimigo era conhecido. A cultura sobrevivia, mesmo que precariamente, sem lei de renúncia fiscal, ceder o lugar para o idoso ou a grávida no coletivo, era um privilégio de ser educado, dispensava a obrigatoriedade da lei. Um País civilizado, escolas e instituições culturais se destacam na paisagem da cidade ou nas reivindicações da população. Uma população melhor educada, reconhece o direito do outro como uma regra social, uma questão de cidadania.

“Todos os seres nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, independentes de raça, sexo etc. A importância que se dá aos conflitos localizados é porque eles funcionam para disfarçar o conflito maior no qual estamos atolados, o da “luta de classes”, esquecemos a lição do velho Marx, abandonado em alguma biblioteca empoeirada que ninguém mais frequenta.

A cultura é muito mais do que o que aparece nas salas dos conselhos, conferências, nos recintos da academia e nas metas dos planos de cultura. É uma prática diária, ou seja, o dispositivo que permite ao homem ocupar seu lugar no tempo e no espaço, se relacionar com o outro e o meio ambiente de forma confortável, humorada e cordial.

 

Almandrade (Antônio Luiz M. Andrade). Artista plástico, arquiteto, mestre em desenho urbano e poeta. Participou de várias mostras coletivas, entre elas: XII, XIII e XVI Bienal de São Paulo; "Em Busca da Essência" - mostra especial da XIX Bienal de São Paulo; IV Salão Nacional; Universo do Futebol (MAM/Rio); Feira Nacional (S.Paulo); II Salão Paulista, I Exposição Internacional de Escultura Efêmeras (Fortaleza); I Salão Baiano; II Salão Nacional; Menção honrosa no I Salão Estudantil em 1972. Integrou coletivas de poemas visuais, multimeios e projetos de instalações no Brasil e exterior. Um dos criadores do Grupo de Estudos de Linguagem da Bahia que editou a revista "Semiótica" em 1974. Realizou cerca de vinte exposições individuais em Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo entre 1975 e 1997; escreveu em vários jornais e revistas especializados sobre arte, arquitetura e urbanismo. Prêmios nos concursos de projetos para obras de artes plásticas do Museu de Arte Moderna da Bahia, 1981/82. Prêmio Fundarte no XXXIX Salão de Artes Plásticas de Pernambuco em 1986. Editou os livretos de poesias e/ou trabalhos visuais: "O Sacrifício do Sentido", "Obscuridades do Riso", "Poemas", "Suor Noturno" e Arquitetura de Algodão". Prêmio Copene de cultura e arte, 1997. Tem trabalhos  em vários acervos particulares e públicos, como: Museu de Arte Moderna da Bahia e Pinacoteca Municipal de São Paulo.