Cristãos e política

 

ANTÓNIO JUSTO


Um amigo perguntou-me à queima-roupa: “dado que o senhor é um crítico da ideologia do género, e como cristão (1), em quem vai votar?”

Certamente quer ouvir a minha opinião sobre o socialismo que está na base da ideologia do género. O cristão procura orientar-se por valores humanos e no centro dos seus interesses está o valor e a dignidade de toda a pessoa humana (o cristianismo mais que em ideias ou valores  resume-se na pessoa de Jesus Cristo, na pessoa precária na condição do Cristo abandonado); se houver um lugar  de preferência política será a de servir o bem comum começando pela promoção dos social e individualmente mais desprotegidos. Para ele não há adversários, o que há, no máximo, são concorrentes na feitura do bem, do seu bem.

Para já faço uma grande diferença entre o socialismo que critico e os socialistas que compreendo e respeito.  O socialismo de caracter marxista e maoista é o atual  adversário do cristianismo mais forte; tem  pretensões a substituí-lo (2)como fé popular (embora, no meu entender seja o filho pródigo do cristianismo);  percebe-se como religião da nova era, e aproveita-se, à moda da época, do facto de nos encontrarmos numa época axilar da história, época de mudança e passagem,  onde domina a confusão alimentada por tanta novidade não digerida caída no relativismo; serve-se também do utilitarismo pragmatista que caldeia socialismo e capitalismo numa argamassa própria (modelo chinês) no intuito de construir uma sociedade materialista-mecanicista-utilitarista; procura, ao mesmo tempo,  modelar um novo tipo de homem de moral meramente mercantilista-funcionalista.

As suas intenções não são explícitas porque apostam numa transformação da consciência social (daí também a sua aposta numa mudança radical da linguagem!).  O socialismo tornou-se numa religião secular, determinada a agitar os fundamentos da civilização ocidental; num ambiente de falta de modelos políticos convincentes, num ambiente de sociedade precária e em que a injustiça prevalece sobre a justiça, serve-se das ideias sociais cristãs, pretendendo implodir o cristianismo por dentro! Como o socialismo se reveste de um caracter salvífico social religioso (num embaralhamento esperto que cria confusão) leva muitos cristãos a perderem o acesso à própria mundivisão cristã; tudo isto num baralho de ideias, sentimentos e factos que leva (pelo menos na avalanche superficial) à incompreensão do próprio cristianismo!

Por outro lado, o socialismo (falo de socialismo e não de socialistas!), embora longe de uma cultura participativa, conseguiu ocupar os púlpitos da sociedade (nos Média e especialmente na arte (3) onde assume um caracter litúrgico); aproveita-se dos lugares altos para fazer leis e programas educacionais que demonizam as raízes da cultura ocidental, levando o povo a confundir a excepção com a regra. Dá-se a substituição da luta operária contra o capital pela luta contra os valores fundamentais do cristianismo ou seja, (luta anti cultural) contra  o ideal de pessoa soberana, dignidade da vida/supremacia da vida humana,  família, etc.; fecham-se em si mesmos (como outros partidos)  numa estratégia de embaralhar as mentes para não precisarem de esclarecê-las; joga em seu proveito a falta de programas e de modelos políticos convincentes; também é relevante  o facto de, com suas reivindicações terem conseguido melhoramento sociais substanciais nas sociedades europeias liberais. Como os outros partidos também se perdem neles mesmos, não resta a muita da população senão a ideia de, pelo menos, contribuírem para manterem a estabilidade do sistema, julgando essa opção como a melhor (segundo um estudo, cerca de 70% dos Portugueses querem estabilidade…)!

No meio de tanta informação e contrainformação, grande parte da população perde o acesso ao próprio pensamento (dado ser mantida baralhada/distraída através de uma liturgia televisiva com contínuas ideias e factos que não consegue digerir) e ao próprio sentimento, passando a viver num torpor emocional social que nos torna dependentes (de pessoas e ideias encenadas).

Quanto a nós cristãos, estamos chamados a participar na política através dos partidos, mas numa atitude de dissidência do poder. Jesus, já no deserto, se distanciou do messianismo político-judaico (ou partidário) afastando-se do pensamento politicamente correcto e dos movimentos políticos (Act 1, 6-9 e Cf. Lc 4, 15-30) porque estes, como em parte dos discípulos, a preocupação era questionar-se em termos de poder. Ao contrário, o que movia Jesus era o humano-divino e a sua boa nova era para e pelo rebanho tosquiado pelos que pretendem ser seus donos!  Para Jesus o lugar do poder é o do servidor e para isso, em termos políticos e de sociedade, seria necessário inverter-se os valores de modo a ser também ela invertida! Sim estamos chamados, a votar e, certamente, também a ser políticos.

Na constelação política em que nos encontramos será necessário que os cristãos entrem, de forma consciente em diferentes partidos para de dentro poderem fermentá-los no sentido de Deus que se expressa, em política cristã, como povo! O Papa Francisco alerta: “Devemos implicar-nos na política, porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, visto que procura o bem comum».

A consciência do cristão continua, em termos cristãos, a ser soberana independentemente da vontade de instituições ou de outras criações humanas!


António da Cunha Duarte Justo

Notas em Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=7043