Na sequência de conversas anteriores, e cada vez mais preocupada com as dimensões que o sexo está a ganhar na Imprensa e na opinião púbica portuguesa, quer por causa da pedofilia, quer pela persistência com que nos tentam na Internet para aumentarmos o tamanho do pénis, pedi ajuda ao biólogo que habitualmente nos esclarece em matérias científicas, Eduardo Crespo. Vejamos o resultado das minhas diligências. ESTELA - O sexo está tão sobrecarregado de valores culturais e morais que não é fácil falar dele, mesmo no interior de um discurso científico. Quando saiu a minha novela "Crime no Museu de Philosophia Natural", houve um crítico literário que achou de mau gosto a história que eu lá conto acerca de uma jovem antropóloga que em África coligia a sua normal informação, medindo estruturas anatómicas numa população de negros. E então os resultados da medição do comprimento do pénis deram uma charada, por serem muito superiores aos normais... Queria perguntar-lhe o que há assim de tão importante para a ciência no comprimento do pénis, e porque é que a ciência precisa de traduzir tudo em números... E.G. CRESPO - A tradução dos fenómenos em números, a sua quantificação torna, em numerosas circunstâncias, mais precisa a apreciação qualitativa. E isto, frequentemente, é necessário. Todos percebem que uma classificação de Mau, Mediocre, Suficiente, Bom e Muito Bom é menos discriminativa do que uma classificação de 0 a 20 e ainda menos do que uma classificação de 0 a 100. Para melhor se avaliarem, para melhor se compararem resultados, a quantificação sempre que seja possível de realizar, é desejável. A história dos comprimentos do pénis tal como foi apresentada é apenas anedótica.... No entanto esta quantificação pode ser importante, por exemplo, se pensarmos na produção industrial de preservativos. Neste caso pode ser útil haver uma ideia acerca dos tamanhos médios dos preservativos destinados a determinados tipos de mercados regionais (Europa, Ásia, África, etc.). É o que realmente até acontece. Para a ciência não existem tabus.... Tudo é importante se se encararem as questões com seriedade, com finalidades e metodologias cientifica e eticamente correctas. É isto que distingue a abordagem científica de outros tipos de abordagem. ESTELA - Olhe, abri ao acaso o tomo XVI (fasc. VI) do Grassé, dedicado às mamas, aparelho genital, etc., e imagine onde fui cair: nos parametrozinhos do gorila, que não é um meia-leca qualquer. Aquilo é um corpanzil! No entanto, em matéria de genitalia, ele não tem nada que se veja para exibir... Há alguma relação entre desempenho, tamanho e forma dos órgãos sexuais? E.G. CRESPO - Há situações, há espécies e circunstâncias, em que a dimensão dos órgãos sexuais pode ter mais importância, há outros casos em que pode ter menos importância. Em geral, como quase sempre se verifica, só nos casos extremos, de grande atrofia ou extremo desenvolvimento, é que se verificam problemas. Em geral no meio termo é que reside a virtude!... Mas realmente muitos, mas mesmo muitos seres vivos, não têm pénis. Mesmo nos Vertebrados, os peixes e os anfíbios - com fecundação externa - não têm pénis. Este órgão está relacionado com a necessidade de haver fecundação dos ovos no interior das fêmeas. ESTELA - Os modos de reprodução são muitos no mundo vivo, vários os processos de fecundação, e por isso muito diferentes os órgãos sexuais. E o macho pode ser muitíssimo diferente da fêmea em certas espécies. O caso das aves é conhecido: os faisões, os galos, os pavões, são muito mais atraentes e vistosos do que as parceiras. O mais espantoso, para mim, é o da Bonellia viridis, que não é uma minhoca mas há-de andar lá perto... Macho é coisa que a fêmea nunca viu, quanto mais o pénis... E.G. CRESPO - O sexo, do ponto de vista biológico, é apenas algo que tem a ver com a troca de material genético entre indivíduos. As estratégias que tornam mais efectivas essas trocas são realmente as mais diversas. O que interessa é maximizar a eficiência desse processo. Para tal a natureza emprega milhares de processos, uns mais simples, outros mais elaborados. Isto envolve morfologias (formas, estruturas, cores...), fisiologias (produção de mais ou menos gâmetas, tempos de gestação, número de descendentes, duração dos períodos de fertilidade, etc....) e comportamentos (de atracção - cantos, rituais de acasalamento - cuidados parentais, etc.). Tudo isto pouco tem a ver com o pénis, cuja função é apenas, naqueles que o possuem, a de facilitar a passagem dos espermatozóides para o interior da fêmea a fim de fecundarem os ovos. É apenas necessário que tenham dimensões capazes de executar eficazmente esta função. A sua maior dimensão não está de modo algum relacionada com maior sucesso reprodutor. No caso do Homem passa-se o mesmo. Na nossa espécie há todavia a necessidade suplementar de que, para que a introdução deste órgão no corpo da fêmea seja possível, este tenha de estar túrgido (erecto). E é esta incapacidade, a de terem uma adequada erecção, que causa muitos dos problemas que afligem os homens. Não há uma relação directa entre o comprimento do pénis e o prazer. Isto resulta não só do bom ajustamento entre os órgãos sexuais dos parceiros mas sobretudo da sua funcionalidade (da execução do acto), fortemente condicionada pela esfera psicológica/intelectual/afectiva/amorosa.
E.G. CRESPO - É óbvio que a dimensão do pénis é um falso problema, salvo, como atrás referi, os casos extremos. No entanto é aquilo que, da expressão da masculinidade, se torna o aspecto mais fácil de abordar, pela sua conspicuidade. Todos sabemos que na verdadeira assunção da masculinidade se conjugam uma multiplicidade de factores muito mais importantes, mas muito menos evidentes, sobretudo de ordem psicológica, intelectual e afectiva. É claro que no Homem o problema do comprimento do pénis não reside na sua dimensão maior ou menor, mas na sua capacidade de atingir adequadamente o estado eréctil. Sem que tal se verifique, é difícil a penetração e a própria ejaculação. Mas é claro que a obtenção de prazer tem alternativas.... ESTELA - Tratei de averiguar o que estava por detrás desses e-mails e não fui muito longe, contentei-me com o que primeiro apareceu. Nessas imagens, o que se anuncia são umas pastilhas feitas à base de plantas, só fixei a Gingko biloba. Não parece nada do outro mundo, pensava até que se tratava de cirurgia... Então o homem deve tomar a pastilha na altura própria e ela actua apenas momentaneamente... Como e sobre o quê, não faço ideia... Algum vaso-dilatador... E.G. CRESPO - A erecção é um processo funcional que consiste no enchimento dos corpos cavernosos do pénis com sangue, circunstâcia que o torna túrgido (erecto). Este processo é controlado por via nervosa /hormonal, como muitos outros, mas tem uma importante participação de que podemos considerar a esfera psicológica. É por isso que as disfunções erécteis podem ter origem orgânica mas ainda mais frequentemente psicológica. Muitas das substâncias que ajudam a erecção actuam no sentido de melhorar este processo fisiológico. Actualmente fala-se muito no Viagra, que actua principalmente na maior produção de óxido nítrico (NO), substância com acção vaso-dilatadora. ESTELA - A relação entre o esperma e a natalidade, ou a paternidade, é conhecida desde sempre, e o uso de preservativos é antiquíssimo. Porém, o conhecimento do seu papel exacto na fecundação deve datar só do século XVIII. Spallanzanni fez todo o tipo de experiências para saber o que activava o desenvolvimento do ovo ou do embrião, pois pensava-se que o esperma era um estímulo, e então qualquer outro podia talvez servir para o mesmo efeito: vinagre, sumo de limão, etc.. Spallanzanni também usou esperma de uma espécie para fecundar ovos de outra, caso de anfíbios. Aliás, não tentou só fecundar ovos de rã com esperma de sapos, também fez muitas experiências com pólen, porque se debatia a hipótese de as plantas poderem gerar animais, tal como se debatia a geração espontânea... E.G. CRESPO - Nos animais mais evolucionados, nomeadamente nos Vertebrados, o espermatozóide, transportando a informação genética masculina é, em geral, necessário para o desenvolvimento de um novo “ser”. Este “ser” é, neste caso, o resultado da cooperação das informações maternas contidas no ovo com as paternas transportadas pelo espermatozóide. Mas há excepções. Há casos em que a informação materna, contida no ovo, é suficiente para dar origem a novos indivíduos. Nestas circunstâncias, vários tipos de estímulos, até uma simples picada de uma “agulha”, choques térmicos ou osmóticos, podem levar o ovo a desenvolver-se, dando origem a um embrião e, finalmente, a um adulto, sem sequer haver necessidade da presença de machos... É disso exemplo o conhecido fenómeno da partenogénese. ESTELA - Outras experiências interessantes são as da castração: retirando os ovários, ou o ovário, se for só um, à galinha, ela torna-se galo, e retirando ao galo não sei o quê... Aliás não sei em que consiste exactamente a castração, no caso do homem, pois há várias modalidades... Os castrati eram ou são ainda homens de confiança nos haréns e cantores de ópera com voz feminina... E.G. CRESPO - Se com a castração se pretende impedir radicalmente a fecundidade, a produção do esperma, então há que destruir definitivamente as células da linha espermática, quer por ablação testicular, quer pela sua destruição por quaisquer meios fisicos ou quimícos. Mas há alternativas (processos de castração menos radicais) que podem ser adoptadas, por exemplo a laqueação dos condutos deferentes ou pura e simplesmente o corte do pénis, mas que neste caso não impedem, pelo menos potencialmente, o indivíduo de se reproduzir, embora apenas por processos “não-naturais” (laboratoriais) como a fecundação in vitro. Tudo depende dos fins pretendidos. A castração tem, na voz, efeitos mais evidentes, no Homem. A testosterona testicular influencia o desenvolvimento da laringe e das cordas vocais. É por isso que na puberdade os humanos-jovens “mudam” de voz. ESTELA - Agora fala-se em castração química para evitar que os pedófilos reincidam... Castrando um adulto, por esse processo ou outro, acha que ganharíamos um(a) excelente cantor(a)? E.G. CRESPO - A castração dos adultos não tem o mesmo efeito da castração juveníl. A laringe já está formada. Só a castração juvenil tem efeitos na voz. Mas mesmo com a voz de “menino”, nem todos podem ser bons “sopranos”.... para se cantar bem é também necessário educar-se a voz....aprender a cantar.... ESTELA - Como sabe, uma das reivindicações dos homossexuais é a de o seu comportamento ser normal. Se é normal, entra no domínio da biologia e há-de ter paralelismos no de alguns animais. Conhecem-se casos de homossexualidade animal? E.G. CRESPO - Tudo o que se observa ou ocorre na natureza é por definição natural. E na natureza existem comportamentos que, não podendo ser considerados homossexuais no sentido em que se considera a homossexualidade no Homem (neste é algo que tem em geral uma base física mas também psicológica), são todavia na sua expressão mais aparente mais ou menos semelhantes. Podemos citar a este propósito o comportamento dos chamados “lagartos lésbicos”. Em certas situações, frequentemente insulares (ou de stress ambiental), estes animais desenvolvem-se por partenogénese (fenómeno a que já atrás nos referimos) dando origem a linhagens totalmente femininas. As fêmeas reproduzem-se sem que para tal seja necessária a presença dos machos. Os ovos desenvolvem-se sem que haja fecundação pelos espermatozóides. No ovo, em vez de haver uma informação feminina e outra masculina, há apenas uma informação feminina duplicada (é por isso que os filhos são todos fêmeas). Para estimular a produção dos ovos observa-se que algumas das fêmeas assumem comportamentos de machos, simulando cortejamentos e cópulas, daí serem chamados de lésbicas. Nos Mamíferos, nomeadamente nos canídeos (cães, lobos, etc.), nos macacos, etc., é também conhecido um comportamento de submissão que se traduz na oferta de sexo por parte dos machos submissos ao macho dominante, de modo a apaziguarem o comportamento agressivo daquele. A relação homossexual é neste caso sobretudo um comportamento de dominância/submissão. É uma espécie de “castração”, mais psicológica do que física..... ESTELA - Entre os animais, não é raro os pais comerem os seus próprios ovos ou crias. Acha que a pedofilia é um reflexo, ainda que remoto, desse fenómeno? Tem alguma explicação para ela? E.G. CRESPO - Acho que a “pedofagia” não tem nada a ver com a pedofilia. Esta terá muito mais a ver com a impotência ou falta de competência sexual do indivíduo. De certo modo há a procura de um parceiro menos exigente (por falta de experiência) do ponto de vista fisíco e psicológico. Como não conseguem "dominar" um parceiro mais forte, procuram "dominar" um parceiro mais fraco.
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