MARIA AZENHA
CREIO NUM DEUS GUARDADO POR GALÁXIAS
Creio num deus que existe fora do universo
Um deus que escreve sobre o Nada,
Um deus harpa, um deus músico,
Um deus que morre e mata sem piedade.
Creio num deus guardado por galáxias
Cujo corpo está em qualquer parte,
E dança no ballet cósmico dos astros
Na boca das cidades e dos desertos.
Creio num deus pacífico e num deus cruel
Latifundiário do universo,
E cujos gritos preparam sombras sobre os átomos
E seus discípulos são polícias sobre os séculos.
Creio num deus que existe e não existe
Que entrou nos versos de García Lorca.
Creio num deus imenso num deus imerso
Com toda a força do cristal da morte.
Creio nas suas flechas
Em pétalas imortais dos versos.
Creio num deus-Duchamp num quadro de Van Gogh
Que reclinou a cabeça sobre um diamante.
Creio num deus que apreendeu o Impossível
No deus maravilhoso de Maiakovski.
Creio num deus despedaçado em pátrias
Junto aos livros extraordinários de Nietszche.
Creio num deus que avançou por certos versos
E foi saindo dum acampamento de filósofos.
Creio num deus guardado por galáxias.
Creio num deus com as asas de Rimbaud.
Creio num deus que se calou
Perante o coração eterno das árvores.
É difícil compreender deus porque deus é
Um relâmpago,
Coberto pela neve de um bosque roxo.
CINCO POEMAS DE VOLTA
I
Os versos desperdiçados
irrigam
os belos poemas
II
Quando voltei a casa
não encontrei
a voz de minha mãe
nem o perfume de meu pai
III
O gato permanece
a dormir
aos olhos dos pássaros
IV
O endereço de uma carta
nas mãos
enrugadas
de uma mulher cansada
V
O corvo escreve as palavras
na neve
para quem não quer ouvir nada
Maria Azenha