..COLÓQUIO INTERNACIONAL "A CRIAÇÃO". CONVENTO DE S. DOMINGOS. LISBOA. 2001


  • ESCALAS COSMOLÓGICAS
    Manuel José Lopes da Silva
    FCSH/UNL





INTRODUÇÃO 

O tema de “ A Criação” é um dos mais fascinantes para os investigadores das Ciências Humanas ou das Ciências da Natureza e tem suscitado o aparecimento de perspectivas variadas ao longo da história , começando mesmo antes  dos pre- socráticos, na Antiguidade oriental.

É evidente o interesse actual em reunir especialistas das várias áreas para trocarem informação e exporem os seus pontos de vista, desempenhando os teólogos um papel especial dada a impossibilidade de abordar este tema  sem uma referência a certos problemas limite de cada competência.

Em consequência da minha actividade de investigador e de professor, o meu contributo é de natureza sistémica , que recupera e valoriza alguns conceitos clássicos que uma certa evolução do conhecimento parecia querer abandonar.

Surgida na sequência da biologia e do estruturalismo, a sistémica preocupa-se com a estrutura e o programa dos sistemas, e também com a sua evolução , o seu quadro teleológico e a sua adaptabilidade ao meio exterior.

Um dos conceitos fundamentais a que recorre insistentemente a sistémica é o de  “hiereraquia” , de escalas de complexidade, que tem aplicação imediata nas várias propostas de classificação dos  sistemas.

Retendo a proposta de Le Moigne , os sistemas  podem hierarquizar-se através de três níveis , sendo o primeiro o da máquina; o segundo, o da vida; e o terceiro, o nível humano.

Propomos neste trabalho três níveis correspondentes , mas mais gerais : o nível matéria, o nível vida e o nível inteligência.

Entre cada um destes níveis reconhecemos a ordenação dos sistemas por graus de complexidade , exibindo os dos níveis superiores características que os inferiores não tinham. Na realidade o conhecimento humano , desde a Física à Teologia , sempre manifestou a capacidade para reconhecer as diferenças entre os seres objecto da sua atenção, e para ordená-los segundo critérios adequados a cada caso.  

NÍVEL MATÉRIA 

No afã de saber o que é  afinal  a matéria , os físicos contemporâneos acabaram por criar o designado “problema da hierarquia”  que, segundo eles, é a medida da nossa ignorância. 

Esta hierarquia entre as partículas elementares é estabelecida em função da sua massa, e pode representar-se num gráfico. Sabendo-se que o electrão possui uma energia de cerca de 1 milésimo de Giga electrãovolt, ele está no começo da escala , tal como o protão com cerca de 1 Gigaelectrãovolt ; mas a gravitação  com a energia estimada de 1018 GeV , essa , está no final da escala.

Esta tão grande diferença de escalas  não é transponível com os meios actuais  e, portanto ,  a unificação da gravitação com as forças forte e electrofraca constitui o problema da hierarquia que referimos.

O modelo standard da física das partículas engloba as partículas fundamentais da matéria, os fermiões, e as partículas dos campos , os bosões.

Nas primeiras estão incluídos o electrão , os vários quarks  ( alguns dos quais constituindo o protão e o neutrão, o muão, e o tauão ) , nas segundas o fotão e os vários gluões , oito espécies que produzem a força forte.

Procura-se uma partícula designada por “ partícula Higgs” que poderá gerar as massas das partículas a partir de campos ou de infrapartículas ainda desconhecidos.

As forças electromegnética e fraca estão já unificadas na chamada “primeira unificação”, uma primeira escala de interacção que explica como o protão constituído por três quarks se transforma no neutrão , e vice-versa , nos processos radioactivos que têm lugar nas estrelas, situando-se esta escala em torno de 10² Gigaelectrãovolt.

Mas a desejável unificação entre a força electro-fraca e a força “ forte ” que exigirá energias à escala dos 1016 Gev , segunda escala de unificação , está neste momento no domínio do apenas imaginável.

Pensa-se que a partícula de Higgs , ainda na zona dos 10² Gev , poderá explicar como a matéria surge a partir  do campo de Higgs , de natureza desconhecida , através  dum processo  parecido com o da condensação.

A terceira escala de interacção , a de Planck, representa como dissemos , o limite   microfísico do Universo , sendo a escala de 1016GeV a da força da gravidade.

A perplexidade actual resulta desta tão grande diferença  entre a escala das partículas da matéria e dos campos , os 10² GeV e os 1016 da gravitação .

Procuramos saber se haverá quantas de energia gravitacional e quais as suas características, mas os valores para eles exigidos excedem o nosso horizonte actual  em várias ordens de magnitude.

Havendo portanto uma hierarquia de escala no mundo das partículas , ela está suficientemente explicitada mas , de facto , mal entendida.

Alguns físicos pensam que para se progredir terá de se postular a existência de um número maior de partículas , o que significa que o desejo de simplicidade e unidade só será satisfeito aumentando a complexidade dos seus objectos.

Além do mais, uma alternativa ao campo de Higgs é , como dissemos, o recurso  a admitir a existência de um certo nível mais profundo de sub-partículas , o mundo “tecnicolor” , surgindo assim um novo nível hierárquico.

Uma característica do esforço da investigação na Física actual é a sua dependência da construção de ciclotrões de potência cada vez mais elevadas, induzindo a pensar que as dificuldades suscitadas resultam duma abordagem excessivamente mecanicista dos objectos da microfísica.

Como dissemos anteriormente  , as partículas estáveis constituintes do mundo que nos rodeia são os fermiões , mas não todos , apenas os quarks e os leptões (electrões, muões e tauões).

Na realidade , ao entrarmos no domínio atómico,  consideramos apenas os protões, os neutrões e os electrões.

Os elementos , que são constituídos por átomos , podem dispor-se numa tabela que se designa por “ Classificação periódica dos elementos”. A partir do começo do Sec. XX fomo-nos apercebendo de  que os vários elementos , conhecidos e desconhecidos, se poderiam ordenar segundo o seu “número atómico” , ou seja , o número de electrões de todas as camadas.. E ao ordena-los dessa maneira tornam-se evidentes os chamados períodos  definidos pelo número de camadas ocupadas , e ordenados  verticalmente.

 Assim ,  no primeiro período , estão o Hidrogénio e o Hélio , com 1 e 2 electrões na primeira camada. No segundo período há já ocupação da segunda camada ( casos do Oxigénio e do Nitrogénio) e em crescendo dispõem-se todos os outros elementos em 7 períodos , sendo os do período VII os mais  pesados como é o caso doU238  com 7 camadas  e 92 electrões.

Verifica-se alguma afinidade entre as propriedades dos elementos dispostos na mesma coluna , o que mostra ter alguma significação a semelhança da zona interna da estrutura electrónica.

Por exemplo , os das colunas IA e IIA , alcalinos e alcalino – terrosos , têm todos a propriedade de reagir com a água a frio , decompondo-a ; e os da coluna VIIB , halogéneos , têm a propriedade de se combinar directamente com os outros elementos para originar os respectivos sais.

Os da primeira coluna designam-se por metais e , entre outras propriedades , têm electrões disponíveis para conduzir a electricidade , não tendo , porém, os das últimas essa possibilidade.

Esta constatação tem significado sistémico porque prova que a complexificação da estrutura se traduz em propriedades globais de modo não arbitrário , integrando-se numa ordem de hierarquia superior.

O átomo de cada elemento exibe um comportamento global , autónomo mas não fechado, de complexidade superior à dos componentes.

Para cada um há um estado estacionário , do qual pode ser desviado por excitação exterior, mas ao terminar esta regressa à situação estacionária – caso dos átomos duma simples lâmpada eléctrica.

Há ,  porém , átomos que emitem expontaneamente radiações, como os fluorescentes ou fosforescentes, ou até partículas como os átomos radioactivos.

Considera-se actualmente que os núcleos mais pesados se formam a partir dos mais leves  por fusão devido ao intenso campo gravitacional das estrelas , sendo acrescentados sucessivamente protões aos núcleos.

A fusão dos elementos mais leves , D+T ou D+D para dar Helio , liberta grandes quantidades de energia , mais  do que sucede com a formação dos átomos pesados. A classificação periódica define portanto uma nova escala , a escala atómica , em que se ordenam os pesos atómicos , dos menos pesados para os mais pesados , podendo estes últimos não ser os mais aptos para a estruturação do nível sistémico superior-

Com efeito , o estudo do cortejo electrónico revelou que é através de algumas das suas características  especiais que os elementos têm tendência a associar-se uns com os outros para formarem as moléculas dos compostos , de complexidade acrescida.

Designa-se por valência a capacidade dos elementos químicos se combinarem entre si para formarem as moléculas dos compostos. Esta  propriedade tem um carácter eléctrico e é determinada pelo comportamento e distribuição dos electrões dos vários átomos.

Os átomos electro-positivos correspondem aos metais, os electro-negativos aos não metais. Os elementos dos grupos IA e VIIB exibem grande actividade química embora de sinal contrário ; essa actividade diminui para os elementos do centro da tabela.

As moléculas têm uma complexidade acrescida em relação aos átomos componentes ,  e distribuem-se por uma ampla gama de configurações  que constituem a escala molecular.

As moléculas simples resultam da associação de dois elementos , como por exemplo a do dióxido de carbono que a nossa respiração está constantemente a produzir.

As ligações entre os átomos têm sempre uma natureza eléctrica , sejam electro-valentes ou covalentes , o que permite afirmar que neste nível de complexidade é a força electromagnética que determina a constituição da matéria.

As moléculas mais complexas surgem associadas ao carbono  e são a base dos organismos que caracterizam a vida.

É curioso que a vida não esteja associada aos átomos complexos dos elementos pesados,  mas aos elementos mais leves e mais comuns na natureza, o carbono, o oxigénio , o nitrogénio e o hidrogénio, embora o nível vida exiba uma complexidade estrutural e funcional que se não encontram na matéria ,  senão por analogia.

Sempre se cita o caso da chama duma vela  que é um sistema aberto , autónomo , auto reprodutor, metabólico, auto- adaptativo ( M. Eigen) , e no entanto não é um sistema vivo , ainda  que anuncie um nível superior.

Podemos dizer que o nível matéria termina nos agregados de moléculas, sistemas complexos que abrangem os átomos, com as suas partículas e sub-partículas, e cujas propriedades  as  tornam indispensáveis ao nível superior de complexidade.  

NÍVEL VIDA 

Ao atingirmos o nível “ vida” dos sistemas biológicos , deparamos com um quadro de fenómenos  totalmente inexplicáveis pela leis dos campos e da matéria  que governam o nível anterior.  A vida é assim , para o nível matéria , uma questão limite que excede o seu quadro de validade.

 Uma primeira constatação que pode ser surpreendente é que os investigadores desta área não arriscam uma definição de vida por a considerarem excessivamente complexa.  O que encontramos é a descrição das funções vitais  e , mesmo assim não há uma unanimidade na sua identificação  que varia de autor para autor.  Não é possível realizar aqui a análise das propostas dos vários autores , que são em grande número , pelo que retemos duas características que para nós têm um interesse especial : a comunicação e a teleologia . Elas são  duas características completamente novas e  conferem ao novo nível um grau superior de complexidade.

Assim como nos vários níveis de complexidade  da matéria encontramos sempre as duas partículas fundamentais protão e electrão, combinadas de modos diferentes, também agora encontramos em todos os níveis da vida um sistema elementar fundamental que é a célula, unidade básica da vida , componente elementar constituinte de todas as plantas e animais. Elas exibem certas características  comuns a todas  como , por exemplo , terem um núcleo ou equivalente que contém a informação e uma  membrana que as isola do meio exterior  e que , simultaneamente, permite comunicar com ele,  diferindo contudo na sua forma não só de reino para reino , como dentro de cada indivíduo.

Logo neste nível elementar ,  encontramos todas as características da vida , a teleonomia , a comunicação, a auto- conservação, a auto - reprodução, a auto - regulação, etc.

As células são constituídas por estruturas químicas obtidas a partir doutras   existentes no estado livre por todo o universo , como o aldeído fórmico ou o ácido cianídrico, podendo considerar-se que estas anunciam já um nível superior.

As células congregam-se para dar origem a “ holons ou integrões” de nível superior      (tecidos) manifestando a teleonomia do seu nível e surgindo as “forças integrativas” de Koestler ou “ forças configuradoras / gestaltkräfte” dos físicos atómicos.

Estas forças ,  de natureza desconhecida, não se reduzem às quatro forças do modelo “standard” da física , e são mais enigmáticas do que a comunicação biológica  que sabemos ser baseada em mensageiros químicos ou eléctricos.

O nível de complexidade “ vida” exibe uma escala de cinco escalões , ou reinos : monera  ( bacteria), protista ( entamoebae)  , fungi,  plantae, animalia.

O homem pertence ao ramo (filo) chordata/ vertebrata, à classe mammalia, á ordem dos primatas , à família Hominidae, ao género Homo , à espécie homo-sapiens.

A par da noção fundamental de célula, há o conceito fundamental de “organismo” , de grande generalidade pois que se aplica não só aos sistemas biológicos como aos sociológicos.

Com base  neste conceito , Arthur Kostler propõe o seu modelo de “ Ordem Hierárquica Aberta Auto-regulada , OHAA” , aplicável a todos os organismos.

Diz ele que, num organismo, mais importante do que a sua estrutura ou o seu programa,  é a  hierarquia de que é constituído, exibindo vários níveis de sub-conjuntos semi-autónomos, ramificando-se em sub-conjuntos de ordem inferior, e assim por diante. Designamos por “ holons” os sub-conjuntos de não importa que nível.

No domínio da vida não existem nem partes nem todos em sentido absoluto , tendo o conceito de holon o fim de conciliar a concepção holista com a concepção atomista.

Os holons biológicos são sistemas abertos autoreguladores que têm simultaneamente as propriedades autónomas das totalidades e as propriedades de dependência das partes. As tendências assertivas exprimem dinamicamente a totalidade dos holons  por um lado, as tendências integrativas exprimem a sua parcialidade por outro. Uma tal dicotomia aparece em cada nível de cada tipo de organização hierárquica  e chama-se “ fenómeno Janus” , o deus de duas faces.

Um holon exibe sempre um comportamento estável regido por regras e (ou) uma constante de Gestalt estrutural  .

As hierarquias são expressas pelos ramos que as constituem, representando os holons os nós, e  figurando as ramificações os circuitos de comunicação e de controle.

Os holons funcionais obedecem a regras fixas e manifestam estratégias mais ou menos flexíveis  no seio de uma estrutura arborescente de partes embricadas.

As tendências integrativas constituem efectivamente uma inversão da Segunda Lei da Termodinâmica , contrariando a tendência para a desordem.

As hierarquias de emissão operam geralmente segundo  o princípio do disparo , com um sinal simples disparando mecanismos complexos pre – estabelecidos , ao contrário das hierarquias de admissão , que operam segundo o princípio inverso , o da filtragem , desembaraçando a informação da sua ganga de ruído – e isto quer nas hierarquias sociais quer no sistema nervoso.

A arborização das hierarquias comporta ramos entrecruzando-se , os de uma com os de outras , numa multiplicidade de níveis formando “rêdes” horizontais de recticulação , sendo a  arborização e a recticulação  princípios complementares da arquitectura dos organismos e das sociedades.

Os escalões superiores de uma hierarquia não estão normalmente em comunicação directa com os escalões inferiores   e  reciprocamente , sendo os sinais transmitidos por “ vias de regulação” não franqueando , tanto na subida como na descida , senão um escalão de cada vez.

À medida que subimos na hierarquia os holons manifestam tipos de actividade cada vez mais complexas , mais flexíveis, menos previsíveis ; à medida que se desce encontram-se actividades mais mecânicas, mais estereotipadas , mais previsíveis.

Todas as técnicas , inatas ou adquiridas , tendem com a prática a tornar-se automáticas , podendo descrever-se este processo com uma transformação continua de actividades “mentais” em actividades “ maquinais”.

Cada passagem dos comandos ao escalão superior reflecte-se por uma consciência mais viva e mais precisa da actividade em curso; e uma vez que a diversidade de escolhas aumenta com a complexidade dos escalões , cada passagem ao escalão superior é acompanhada da experiência subjectiva da liberdade de decisão.

A concepção  hierarquica substitui as teorias dualistas por uma hipótese serialista na qual o “ mental” e o “mecânico” aparecem  como atributos complementares dum processo unitário , dependendo o domínio dum sobre o outro das mudanças de nível dos comandos, correspondendo nos seres humanos o mais elevado nível mental ao “ Eu”.

Este “eu” não é jamais completamente representado na sua consciência , e os seus actos jamais serão completamente preditos por qualquer processo de informação que se possa conceber. Nos dois casos o esforço de conhecimento leva a uma regressão ao infinito.

Esta interessante proposta de Koestler corresponde a uma visão dos organismos bem de acordo com a Teoria Geral dos Sistemas , mas a última conclusão sobre o “ Eu”, o  “Ego” filosófico ,  não parece correcta.

De facto , o auto – conhecimento do Homem leva-o a estabelecer a consciência da sua existência , e esta confirma-se no ser , em vez de ir saindo em uma interminável sequência de “ auto-subjectivações”.

É neste último nível orgânico que claramente termina o domínio das funções vitais e se passa  para um nível superior , o da inteligência.

Mas nos seres humanos a inteligência costuma ser associada ao funcionamento do cérebro , ainda que de modo não exclusivo como propõe entre nós Damásio.

A morfologia deste órgão do sistema nervoso exibe três níveis  em profundidade.

No primeiro nível existe o primeiro cérebro ( o  paleo- encéfalo)  em continuidade com o cerebelo e a espinal medula , que desempenha as funções talâmicas . Este cérebro, denominado reptiliniano  , compreende os mecanismos reguladores do sono , o centro coordendor principal da actividade visceral e outras funções.

 O segundo cérebro ( meso- encéfalo ) , geralmente conhecido por sistema límbico é responsável pela regulação do nosso comportamento , participando no controlo central dos mensagens recebidas  dos sentidos , tendo um papel na memorização de curta duração , na busca da comida e na sexualidade , por exemplo.

O terceiro cérebro é no homem o mais complexo , não só ocupando em volume o maior parte da caixa craniana , como desenvolvendo-se em circunvoluções que ocupam 80 % do conjunto da superfície do encéfalo.

Este terceiro cérebro ,  ou neo – cortex , exibe centros receptores , centros executivos , centros de expressão e da linguagem , centros relacionados com todas as formas da actividade , a emotividade , o sentido estético , as capacidades de memorização , aprendizagem , de imaginação , de previsão, etc.

Koestler sugere que o desequilíbrio do Homem entre a razão e a afectividade , as emoções, resulta do 1º cérebro não ser controlado pelo terceiro e faz interessantes considerações a este respeito.

As actuais reflexões em torno da inteligência humana e do cérebro têm adquirido vivacidade devido à chamada “inteligência artificial” , uma designação fundamentalmente analógica , segundo afirmou Herbert Simon quando esteve entre nós.

Sem entrar em detalhes diremos que há várias funções ligadas à inteligência humana que os computadores podem desempenhar por analogia.

Mas as duas mais importantes e definidoras da pessoa humana , a ideação e a reflexão/auto- conhecimento , ultrapassam de longe as capacidades dos computadores. 

NÍVEL INTELIGÊNCIA 

Na pessoa humana a inteligência e a vontade são consideradas as faculdades superiores , e a imaginação e a memória sentidos internos.

A vontade é a faculdade que melhor caracteriza o uso da liberdade que exibem os seres humanos , e é ela que permite a alguns teólogos dizerem que a pessoa humana participa da luz da inteligência de Deus.

Como se torna evidente na perspectiva serialista de Koestler , a alma humana actua em todo o corpo , em todos os níveis  e , tal como a informação que circula nos seus canais fisiológicos , não é concebível um corpo vivo sem elas.

Mas é possível conceber centros de conhecimento abstracto e de decisão sem os respectivos canais de comunicação , em seres puramente intelectuais.

Vimos que a actividade puramente intelectual do homem se processa a um nível hierárquico tão elevado que o seu contacto com os escalões inferiores , viscerais ou puramente químicos e físicos , é apenas indirecto.

A relação entre o Ego e o seu corpo é feita através de hierarquias autónomas por delegação de funções. Mas é evidente que é o Eu, realidade psíquica e simultaneamente somática, que está todo ele presente nas suas acções , o que sublinha o interesse do estudo do Homem em Acção.

É concebível assim uma vida puramente espiritual , não nos homens cujo conhecimento se fundamenta nos dados dos sentidos , mas em seres de natureza puramente intelectual.

Tais substâncias espirituais , sendo pessoas , têm inteligência e vontade já existentes no homem , mas não condicionadas pela capacidades limitadas dum corpo material.

Num tal mundo espiritual é de admitir que haja , como nos níveis inferiores , uma hierarquia de complexidade/autonomia.

A tradição teológica estabelece que há um mundo angélico com vários níveis , designado por coros ou ordens angélicas , em número de nove.

Cada três coros de anjos constitui uma hierarquia : serafins , querubins e tronos / dominações, virtudes   potestades / principados, arcanjos e anjos.

Não tem interesse referir mais detalhadamente as sua missões , o seu número ou a sua espécie.

Mas há um princípio de hieraquização que nos parece  interessante reter , embora seja defendido apenas por alguns teólogos , tal como a hierarquização anterior : é a doutrina da iluminação das ordens inferiores pelas superiores.

De facto as substâncias puramente espirituais , não dispondo de sentidos nem de pensamento discursivo , conhecem apenas através das representações ou imagens, espécies inteligíveis  que existem na sua mente desde a sua criação.

 Tal quadro abrange de modo definitivo a contemplação da essência divina , mas quanto às operações divinas , é incompleto , incluindo também tudo o que se relaciona com o exercício da liberdade humana.

Os anjos da hierarquia superior , sobretudo os que contemplam directamente Deus , dispõem de informação de que os dos escalões inferiores não  dispõem.

Todavia , devido a uma solidariedade angélica incompreensível pelos homens , os anjos da hierarquia superior transmitem aos da hierarquia inferior o conhecimento a que estes aspiram.

Esta visão harmoniosa da hierarquia angélica levanta porém o problema da conveniência que há em as substâncias angélicas comunicarem também com o mundo material.

Esta é , como sabemos, uma questão embaraçosa e subtil mas que invoca em nós as experiências realizadas pelo Stanford Research Institute  , SRI, sobre comunicação perceptual.

Damos  como provado cientificamente , certamente com todas as limitações da metodologia exclusivamente científica nestes domínios , que a mente humana pode entrar em contacto intencional a distância , com outra mente humana.

Os investigadores que realizaram tais experiências lidaram apenas com as pessoas que fizeram parte das equipas  de investigação e não tiveram de recorrer a conhecimentos para além das Ciências da comunicação.

Naturalmente que o entendimento do mecanismo de base  desta chamada “ comunicação perceptual ” está para além do quadro actual da ciência.  É um problema limite em aberto , e por isso o consideramos tema interessante para um diálogo entre investigadores da comunicação e metafísicos  .

Ao contemplar a totalidade das hierarquias angélicas e das do Mundo físico ,  não podemos deixar de considerar  conveniente a existência duma Inteligência Pessoal superior , coroamento necessário duma perspectivo global harmoniosa.

 A ÚLTIMA CAUSA 

As provas da existência de Deus são perfeitamente fundamentadas e racionalmente coerentes , mas a história tem mostrado a relutância dos pensadores ateus em as aceitar.

Tal dificuldade não  é razão para suspender, em determinado nível , a perspectiva sistémica do Cosmos que é objecto deste trabalho.

Toda a nossa exposição sugere que o Cosmos exibe uma majestosa  ordem hierárquica prenhe de sentido,  que ficará incompleta se recusarmos a existência duma causa final e pessoal última para que tendem todos os seres da Criação.

Porque já nas ciências sociais estabelecemos quadros teleológicos com diferentes níveis, entendemos que o conjunto dos reinos da matéria, da vida e de todos os seres que buscam sentido , remete para uma Causa Final e Pessoal  única, necessariamente infinita que é o Ser Mesmo, Luz da Luz , Deus Pantocrator.

Ainda que a última hierarquia dos seres inteligentes seja directamente iluminada por Deus , na realidade há uma distância ontológica infinita que o anjo não pode, nem quer, transpor.

Deus é uma Essência infinitamente rica, infinitamente simples , mas revelou – nos que Ele é três Pessoas em amorosa comunicação.

Assim, a comunicação que surge a partir do nível “vida” , poderá ser entendida como um simples reflexo desta perfeita comunicação , na mesma medida em que todas as teleologias  n' Ele  convergem.