..COLÓQUIO INTERNACIONAL "A CRIAÇÃO". CONVENTO DE S. DOMINGOS. LISBOA. 2001 | ||
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INTRODUÇÃO O tema de A Criação é um dos mais fascinantes para os investigadores das Ciências Humanas ou das Ciências da Natureza e tem suscitado o aparecimento de perspectivas variadas ao longo da história , começando mesmo antes dos pre- socráticos, na Antiguidade oriental. É evidente o interesse actual em reunir especialistas das várias áreas para trocarem informação e exporem os seus pontos de vista, desempenhando os teólogos um papel especial dada a impossibilidade de abordar este tema sem uma referência a certos problemas limite de cada competência. Em consequência da minha actividade de investigador e de professor, o meu contributo é de natureza sistémica , que recupera e valoriza alguns conceitos clássicos que uma certa evolução do conhecimento parecia querer abandonar. Surgida na sequência da biologia e do estruturalismo, a sistémica preocupa-se com a estrutura e o programa dos sistemas, e também com a sua evolução , o seu quadro teleológico e a sua adaptabilidade ao meio exterior. Um dos conceitos fundamentais a que recorre insistentemente a sistémica é o de hiereraquia , de escalas de complexidade, que tem aplicação imediata nas várias propostas de classificação dos sistemas. Retendo a proposta de Le Moigne , os sistemas podem hierarquizar-se através de três níveis , sendo o primeiro o da máquina; o segundo, o da vida; e o terceiro, o nível humano. Propomos neste trabalho três níveis correspondentes , mas mais gerais : o nível matéria, o nível vida e o nível inteligência. Entre cada um destes níveis reconhecemos a ordenação dos sistemas por graus de complexidade , exibindo os dos níveis superiores características que os inferiores não tinham. Na realidade o conhecimento humano , desde a Física à Teologia , sempre manifestou a capacidade para reconhecer as diferenças entre os seres objecto da sua atenção, e para ordená-los segundo critérios adequados a cada caso. NÍVEL MATÉRIA No afã de saber o que é afinal a matéria , os físicos contemporâneos acabaram por criar o designado problema da hierarquia que, segundo eles, é a medida da nossa ignorância. Esta hierarquia entre as partículas elementares é estabelecida em função da sua massa, e pode representar-se num gráfico. Sabendo-se que o electrão possui uma energia de cerca de 1 milésimo de Giga electrãovolt, ele está no começo da escala , tal como o protão com cerca de 1 Gigaelectrãovolt ; mas a gravitação com a energia estimada de 1018 GeV , essa , está no final da escala. Esta tão grande diferença de escalas não é transponível com os meios actuais e, portanto , a unificação da gravitação com as forças forte e electrofraca constitui o problema da hierarquia que referimos. O modelo standard da física das partículas engloba as partículas fundamentais da matéria, os fermiões, e as partículas dos campos , os bosões. Nas primeiras estão incluídos o electrão , os vários quarks ( alguns dos quais constituindo o protão e o neutrão, o muão, e o tauão ) , nas segundas o fotão e os vários gluões , oito espécies que produzem a força forte. Procura-se uma partícula designada por partícula Higgs que poderá gerar as massas das partículas a partir de campos ou de infrapartículas ainda desconhecidos. As forças electromegnética e fraca estão já unificadas na chamada primeira unificação, uma primeira escala de interacção que explica como o protão constituído por três quarks se transforma no neutrão , e vice-versa , nos processos radioactivos que têm lugar nas estrelas, situando-se esta escala em torno de 10² Gigaelectrãovolt. Mas a desejável unificação entre a força electro-fraca e a força forte que exigirá energias à escala dos 1016 Gev , segunda escala de unificação , está neste momento no domínio do apenas imaginável. Pensa-se que a partícula de Higgs , ainda na zona dos 10² Gev , poderá explicar como a matéria surge a partir do campo de Higgs , de natureza desconhecida , através dum processo parecido com o da condensação. A terceira escala de interacção , a de Planck, representa como dissemos , o limite microfísico do Universo , sendo a escala de 1016GeV a da força da gravidade. A perplexidade actual resulta desta tão grande diferença entre a escala das partículas da matéria e dos campos , os 10² GeV e os 1016 da gravitação . Procuramos saber se haverá quantas de energia gravitacional e quais as suas características, mas os valores para eles exigidos excedem o nosso horizonte actual em várias ordens de magnitude. Havendo portanto uma hierarquia de escala no mundo das partículas , ela está suficientemente explicitada mas , de facto , mal entendida. Alguns físicos pensam que para se progredir terá de se postular a existência de um número maior de partículas , o que significa que o desejo de simplicidade e unidade só será satisfeito aumentando a complexidade dos seus objectos. Além do mais, uma alternativa ao campo de Higgs é , como dissemos, o recurso a admitir a existência de um certo nível mais profundo de sub-partículas , o mundo tecnicolor , surgindo assim um novo nível hierárquico. Uma característica do esforço da investigação na Física actual é a sua dependência da construção de ciclotrões de potência cada vez mais elevadas, induzindo a pensar que as dificuldades suscitadas resultam duma abordagem excessivamente mecanicista dos objectos da microfísica. Como dissemos anteriormente , as partículas estáveis constituintes do mundo que nos rodeia são os fermiões , mas não todos , apenas os quarks e os leptões (electrões, muões e tauões). Na realidade , ao entrarmos no domínio atómico, consideramos apenas os protões, os neutrões e os electrões. Os elementos , que são constituídos por átomos , podem dispor-se numa tabela que se designa por Classificação periódica dos elementos. A partir do começo do Sec. XX fomo-nos apercebendo de que os vários elementos , conhecidos e desconhecidos, se poderiam ordenar segundo o seu número atómico , ou seja , o número de electrões de todas as camadas.. E ao ordena-los dessa maneira tornam-se evidentes os chamados períodos definidos pelo número de camadas ocupadas , e ordenados verticalmente. Assim , no primeiro período , estão o Hidrogénio e o Hélio , com 1 e 2 electrões na primeira camada. No segundo período há já ocupação da segunda camada ( casos do Oxigénio e do Nitrogénio) e em crescendo dispõem-se todos os outros elementos em 7 períodos , sendo os do período VII os mais pesados como é o caso doU238 com 7 camadas e 92 electrões. Verifica-se alguma afinidade entre as propriedades dos elementos dispostos na mesma coluna , o que mostra ter alguma significação a semelhança da zona interna da estrutura electrónica. Por exemplo , os das colunas IA e IIA , alcalinos e alcalino terrosos , têm todos a propriedade de reagir com a água a frio , decompondo-a ; e os da coluna VIIB , halogéneos , têm a propriedade de se combinar directamente com os outros elementos para originar os respectivos sais. Os da primeira coluna designam-se por metais e , entre outras propriedades , têm electrões disponíveis para conduzir a electricidade , não tendo , porém, os das últimas essa possibilidade. Esta constatação tem significado sistémico porque prova que a complexificação da estrutura se traduz em propriedades globais de modo não arbitrário , integrando-se numa ordem de hierarquia superior. O átomo de cada elemento exibe um comportamento global , autónomo mas não fechado, de complexidade superior à dos componentes. Para cada um há um estado estacionário , do qual pode ser desviado por excitação exterior, mas ao terminar esta regressa à situação estacionária caso dos átomos duma simples lâmpada eléctrica. Há , porém , átomos que emitem expontaneamente radiações, como os fluorescentes ou fosforescentes, ou até partículas como os átomos radioactivos. Considera-se actualmente que os núcleos mais pesados se formam a partir dos mais leves por fusão devido ao intenso campo gravitacional das estrelas , sendo acrescentados sucessivamente protões aos núcleos. A fusão dos elementos mais leves , D+T ou D+D para dar Helio , liberta grandes quantidades de energia , mais do que sucede com a formação dos átomos pesados. A classificação periódica define portanto uma nova escala , a escala atómica , em que se ordenam os pesos atómicos , dos menos pesados para os mais pesados , podendo estes últimos não ser os mais aptos para a estruturação do nível sistémico superior- Com efeito , o estudo do cortejo electrónico revelou que é através de algumas das suas características especiais que os elementos têm tendência a associar-se uns com os outros para formarem as moléculas dos compostos , de complexidade acrescida. Designa-se por valência a capacidade dos elementos químicos se combinarem entre si para formarem as moléculas dos compostos. Esta propriedade tem um carácter eléctrico e é determinada pelo comportamento e distribuição dos electrões dos vários átomos. Os átomos electro-positivos correspondem aos metais, os electro-negativos aos não metais. Os elementos dos grupos IA e VIIB exibem grande actividade química embora de sinal contrário ; essa actividade diminui para os elementos do centro da tabela. As moléculas têm uma complexidade acrescida em relação aos átomos componentes , e distribuem-se por uma ampla gama de configurações que constituem a escala molecular. As moléculas simples resultam da associação de dois elementos , como por exemplo a do dióxido de carbono que a nossa respiração está constantemente a produzir. As ligações entre os átomos têm sempre uma natureza eléctrica , sejam electro-valentes ou covalentes , o que permite afirmar que neste nível de complexidade é a força electromagnética que determina a constituição da matéria. As moléculas mais complexas surgem associadas ao carbono e são a base dos organismos que caracterizam a vida. É curioso que a vida não esteja associada aos átomos complexos dos elementos pesados, mas aos elementos mais leves e mais comuns na natureza, o carbono, o oxigénio , o nitrogénio e o hidrogénio, embora o nível vida exiba uma complexidade estrutural e funcional que se não encontram na matéria , senão por analogia. Sempre se cita o caso da chama duma vela que é um sistema aberto , autónomo , auto reprodutor, metabólico, auto- adaptativo ( M. Eigen) , e no entanto não é um sistema vivo , ainda que anuncie um nível superior. Podemos dizer que o nível matéria termina nos agregados de moléculas, sistemas complexos que abrangem os átomos, com as suas partículas e sub-partículas, e cujas propriedades as tornam indispensáveis ao nível superior de complexidade. NÍVEL VIDA Ao atingirmos o nível vida dos sistemas biológicos , deparamos com um quadro de fenómenos totalmente inexplicáveis pela leis dos campos e da matéria que governam o nível anterior. A vida é assim , para o nível matéria , uma questão limite que excede o seu quadro de validade. Uma primeira constatação que pode ser surpreendente é que os investigadores desta área não arriscam uma definição de vida por a considerarem excessivamente complexa. O que encontramos é a descrição das funções vitais e , mesmo assim não há uma unanimidade na sua identificação que varia de autor para autor. Não é possível realizar aqui a análise das propostas dos vários autores , que são em grande número , pelo que retemos duas características que para nós têm um interesse especial : a comunicação e a teleologia . Elas são duas características completamente novas e conferem ao novo nível um grau superior de complexidade. Assim como nos vários níveis de complexidade da matéria encontramos sempre as duas partículas fundamentais protão e electrão, combinadas de modos diferentes, também agora encontramos em todos os níveis da vida um sistema elementar fundamental que é a célula, unidade básica da vida , componente elementar constituinte de todas as plantas e animais. Elas exibem certas características comuns a todas como , por exemplo , terem um núcleo ou equivalente que contém a informação e uma membrana que as isola do meio exterior e que , simultaneamente, permite comunicar com ele, diferindo contudo na sua forma não só de reino para reino , como dentro de cada indivíduo. Logo neste nível elementar , encontramos todas as características da vida , a teleonomia , a comunicação, a auto- conservação, a auto - reprodução, a auto - regulação, etc. As células são constituídas por estruturas químicas obtidas a partir doutras existentes no estado livre por todo o universo , como o aldeído fórmico ou o ácido cianídrico, podendo considerar-se que estas anunciam já um nível superior. As células congregam-se para dar origem a holons ou integrões de nível superior (tecidos) manifestando a teleonomia do seu nível e surgindo as forças integrativas de Koestler ou forças configuradoras / gestaltkräfte dos físicos atómicos. Estas forças , de natureza desconhecida, não se reduzem às quatro forças do modelo standard da física , e são mais enigmáticas do que a comunicação biológica que sabemos ser baseada em mensageiros químicos ou eléctricos. O nível de complexidade vida exibe uma escala de cinco escalões , ou reinos : monera ( bacteria), protista ( entamoebae) , fungi, plantae, animalia. O homem pertence ao ramo (filo) chordata/ vertebrata, à classe mammalia, á ordem dos primatas , à família Hominidae, ao género Homo , à espécie homo-sapiens. A par da noção fundamental de célula, há o conceito fundamental de organismo , de grande generalidade pois que se aplica não só aos sistemas biológicos como aos sociológicos. Com base neste conceito , Arthur Kostler propõe o seu modelo de Ordem Hierárquica Aberta Auto-regulada , OHAA , aplicável a todos os organismos. Diz ele que, num organismo, mais importante do que a sua estrutura ou o seu programa, é a hierarquia de que é constituído, exibindo vários níveis de sub-conjuntos semi-autónomos, ramificando-se em sub-conjuntos de ordem inferior, e assim por diante. Designamos por holons os sub-conjuntos de não importa que nível. No domínio da vida não existem nem partes nem todos em sentido absoluto , tendo o conceito de holon o fim de conciliar a concepção holista com a concepção atomista. Os holons biológicos são sistemas abertos autoreguladores que têm simultaneamente as propriedades autónomas das totalidades e as propriedades de dependência das partes. As tendências assertivas exprimem dinamicamente a totalidade dos holons por um lado, as tendências integrativas exprimem a sua parcialidade por outro. Uma tal dicotomia aparece em cada nível de cada tipo de organização hierárquica e chama-se fenómeno Janus , o deus de duas faces. Um holon exibe sempre um comportamento estável regido por regras e (ou) uma constante de Gestalt estrutural . As hierarquias são expressas pelos ramos que as constituem, representando os holons os nós, e figurando as ramificações os circuitos de comunicação e de controle. Os holons funcionais obedecem a regras fixas e manifestam estratégias mais ou menos flexíveis no seio de uma estrutura arborescente de partes embricadas. As tendências integrativas constituem efectivamente uma inversão da Segunda Lei da Termodinâmica , contrariando a tendência para a desordem. As hierarquias de emissão operam geralmente segundo o princípio do disparo , com um sinal simples disparando mecanismos complexos pre estabelecidos , ao contrário das hierarquias de admissão , que operam segundo o princípio inverso , o da filtragem , desembaraçando a informação da sua ganga de ruído e isto quer nas hierarquias sociais quer no sistema nervoso. A arborização das hierarquias comporta ramos entrecruzando-se , os de uma com os de outras , numa multiplicidade de níveis formando rêdes horizontais de recticulação , sendo a arborização e a recticulação princípios complementares da arquitectura dos organismos e das sociedades. Os escalões superiores de uma hierarquia não estão normalmente em comunicação directa com os escalões inferiores e reciprocamente , sendo os sinais transmitidos por vias de regulação não franqueando , tanto na subida como na descida , senão um escalão de cada vez. À medida que subimos na hierarquia os holons manifestam tipos de actividade cada vez mais complexas , mais flexíveis, menos previsíveis ; à medida que se desce encontram-se actividades mais mecânicas, mais estereotipadas , mais previsíveis. Todas as técnicas , inatas ou adquiridas , tendem com a prática a tornar-se automáticas , podendo descrever-se este processo com uma transformação continua de actividades mentais em actividades maquinais. Cada passagem dos comandos ao escalão superior reflecte-se por uma consciência mais viva e mais precisa da actividade em curso; e uma vez que a diversidade de escolhas aumenta com a complexidade dos escalões , cada passagem ao escalão superior é acompanhada da experiência subjectiva da liberdade de decisão. A concepção hierarquica substitui as teorias dualistas por uma hipótese serialista na qual o mental e o mecânico aparecem como atributos complementares dum processo unitário , dependendo o domínio dum sobre o outro das mudanças de nível dos comandos, correspondendo nos seres humanos o mais elevado nível mental ao Eu. Este eu não é jamais completamente representado na sua consciência , e os seus actos jamais serão completamente preditos por qualquer processo de informação que se possa conceber. Nos dois casos o esforço de conhecimento leva a uma regressão ao infinito. Esta interessante proposta de Koestler corresponde a uma visão dos organismos bem de acordo com a Teoria Geral dos Sistemas , mas a última conclusão sobre o Eu, o Ego filosófico , não parece correcta. De facto , o auto conhecimento do Homem leva-o a estabelecer a consciência da sua existência , e esta confirma-se no ser , em vez de ir saindo em uma interminável sequência de auto-subjectivações. É neste último nível orgânico que claramente termina o domínio das funções vitais e se passa para um nível superior , o da inteligência. Mas nos seres humanos a inteligência costuma ser associada ao funcionamento do cérebro , ainda que de modo não exclusivo como propõe entre nós Damásio. A morfologia deste órgão do sistema nervoso exibe três níveis em profundidade. No primeiro nível existe o primeiro cérebro ( o paleo- encéfalo) em continuidade com o cerebelo e a espinal medula , que desempenha as funções talâmicas . Este cérebro, denominado reptiliniano , compreende os mecanismos reguladores do sono , o centro coordendor principal da actividade visceral e outras funções. O segundo cérebro ( meso- encéfalo ) , geralmente conhecido por sistema límbico é responsável pela regulação do nosso comportamento , participando no controlo central dos mensagens recebidas dos sentidos , tendo um papel na memorização de curta duração , na busca da comida e na sexualidade , por exemplo. O terceiro cérebro é no homem o mais complexo , não só ocupando em volume o maior parte da caixa craniana , como desenvolvendo-se em circunvoluções que ocupam 80 % do conjunto da superfície do encéfalo. Este terceiro cérebro , ou neo cortex , exibe centros receptores , centros executivos , centros de expressão e da linguagem , centros relacionados com todas as formas da actividade , a emotividade , o sentido estético , as capacidades de memorização , aprendizagem , de imaginação , de previsão, etc. Koestler sugere que o desequilíbrio do Homem entre a razão e a afectividade , as emoções, resulta do 1º cérebro não ser controlado pelo terceiro e faz interessantes considerações a este respeito. As actuais reflexões em torno da inteligência humana e do cérebro têm adquirido vivacidade devido à chamada inteligência artificial , uma designação fundamentalmente analógica , segundo afirmou Herbert Simon quando esteve entre nós. Sem entrar em detalhes diremos que há várias funções ligadas à inteligência humana que os computadores podem desempenhar por analogia. Mas as duas mais importantes e definidoras da pessoa humana , a ideação e a reflexão/auto- conhecimento , ultrapassam de longe as capacidades dos computadores. NÍVEL INTELIGÊNCIA Na pessoa humana a inteligência e a vontade são consideradas as faculdades superiores , e a imaginação e a memória sentidos internos. A vontade é a faculdade que melhor caracteriza o uso da liberdade que exibem os seres humanos , e é ela que permite a alguns teólogos dizerem que a pessoa humana participa da luz da inteligência de Deus. Como se torna evidente na perspectiva serialista de Koestler , a alma humana actua em todo o corpo , em todos os níveis e , tal como a informação que circula nos seus canais fisiológicos , não é concebível um corpo vivo sem elas. Mas é possível conceber centros de conhecimento abstracto e de decisão sem os respectivos canais de comunicação , em seres puramente intelectuais. Vimos que a actividade puramente intelectual do homem se processa a um nível hierárquico tão elevado que o seu contacto com os escalões inferiores , viscerais ou puramente químicos e físicos , é apenas indirecto. A relação entre o Ego e o seu corpo é feita através de hierarquias autónomas por delegação de funções. Mas é evidente que é o Eu, realidade psíquica e simultaneamente somática, que está todo ele presente nas suas acções , o que sublinha o interesse do estudo do Homem em Acção. É concebível assim uma vida puramente espiritual , não nos homens cujo conhecimento se fundamenta nos dados dos sentidos , mas em seres de natureza puramente intelectual. Tais substâncias espirituais , sendo pessoas , têm inteligência e vontade já existentes no homem , mas não condicionadas pela capacidades limitadas dum corpo material. Num tal mundo espiritual é de admitir que haja , como nos níveis inferiores , uma hierarquia de complexidade/autonomia. A tradição teológica estabelece que há um mundo angélico com vários níveis , designado por coros ou ordens angélicas , em número de nove. Cada três coros de anjos constitui uma hierarquia : serafins , querubins e tronos / dominações, virtudes potestades / principados, arcanjos e anjos. Não tem interesse referir mais detalhadamente as sua missões , o seu número ou a sua espécie. Mas há um princípio de hieraquização que nos parece interessante reter , embora seja defendido apenas por alguns teólogos , tal como a hierarquização anterior : é a doutrina da iluminação das ordens inferiores pelas superiores. De facto as substâncias puramente espirituais , não dispondo de sentidos nem de pensamento discursivo , conhecem apenas através das representações ou imagens, espécies inteligíveis que existem na sua mente desde a sua criação. Tal quadro abrange de modo definitivo a contemplação da essência divina , mas quanto às operações divinas , é incompleto , incluindo também tudo o que se relaciona com o exercício da liberdade humana. Os anjos da hierarquia superior , sobretudo os que contemplam directamente Deus , dispõem de informação de que os dos escalões inferiores não dispõem. Todavia , devido a uma solidariedade angélica incompreensível pelos homens , os anjos da hierarquia superior transmitem aos da hierarquia inferior o conhecimento a que estes aspiram. Esta visão harmoniosa da hierarquia angélica levanta porém o problema da conveniência que há em as substâncias angélicas comunicarem também com o mundo material. Esta é , como sabemos, uma questão embaraçosa e subtil mas que invoca em nós as experiências realizadas pelo Stanford Research Institute , SRI, sobre comunicação perceptual. Damos como provado cientificamente , certamente com todas as limitações da metodologia exclusivamente científica nestes domínios , que a mente humana pode entrar em contacto intencional a distância , com outra mente humana. Os investigadores que realizaram tais experiências lidaram apenas com as pessoas que fizeram parte das equipas de investigação e não tiveram de recorrer a conhecimentos para além das Ciências da comunicação. Naturalmente que o entendimento do mecanismo de base desta chamada comunicação perceptual está para além do quadro actual da ciência. É um problema limite em aberto , e por isso o consideramos tema interessante para um diálogo entre investigadores da comunicação e metafísicos . Ao contemplar a totalidade das hierarquias angélicas e das do Mundo físico , não podemos deixar de considerar conveniente a existência duma Inteligência Pessoal superior , coroamento necessário duma perspectivo global harmoniosa. A ÚLTIMA CAUSA As provas da existência de Deus são perfeitamente fundamentadas e racionalmente coerentes , mas a história tem mostrado a relutância dos pensadores ateus em as aceitar. Tal dificuldade não é razão para suspender, em determinado nível , a perspectiva sistémica do Cosmos que é objecto deste trabalho. Toda a nossa exposição sugere que o Cosmos exibe uma majestosa ordem hierárquica prenhe de sentido, que ficará incompleta se recusarmos a existência duma causa final e pessoal última para que tendem todos os seres da Criação. Porque já nas ciências sociais estabelecemos quadros teleológicos com diferentes níveis, entendemos que o conjunto dos reinos da matéria, da vida e de todos os seres que buscam sentido , remete para uma Causa Final e Pessoal única, necessariamente infinita que é o Ser Mesmo, Luz da Luz , Deus Pantocrator. Ainda que a última hierarquia dos seres inteligentes seja directamente iluminada por Deus , na realidade há uma distância ontológica infinita que o anjo não pode, nem quer, transpor. Deus é uma Essência infinitamente rica, infinitamente simples , mas revelou nos que Ele é três Pessoas em amorosa comunicação. Assim, a comunicação que surge a partir do nível vida , poderá ser entendida como um simples reflexo desta perfeita comunicação , na mesma medida em que todas as teleologias n' Ele convergem. |