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· “Hence as more individuals are produced that can possibly survive, there must in every case be a struggle for existence, either one individual with another of the same species, or with the individuals of distinct species, or with the physical conditions of life. It is the doctrine of Malthus applied with manifold force to the whole animal and vegetable kingdoms; ” Charles Darwin, 18591 · “Population, when unchecked, increases in a geometrical ratio. Subsistence increases only in an arithmetical ratio. A slight acquaintance with numbers will show the immensity of the first power in comparison of the second.… The race of plants and the race of animals shrink under this great restrictive law.” Thomas R. Malthus, 17982 · “Because of the importance of variation, natural selection should be considered a two-step process: the production of abundant variation is followed by the elimination of inferior individuals. This latter step is directional. By adopting natural selection, Darwin settled the several-thousand-year-old argument among philosophers over chance or necessity. Change on the earth is the result of both, the first step being dominated by randomness, the second by necessity.” Ernst Mayr, 20003 A citação de Ernst Mayr em epígrafe refere um problema clássico: o da relação entre o acaso e a necessidade. O autor situa os termos do problema remetendo o acaso para o lugar de fonte de variação genética que, numa segunda etapa, é filtrada ao nível dos indivíduos, de forma determinística, através da eliminação dos indivíduos inferiores. Opera-se aqui uma valorização dos individuos legitimada por um critério de naturalidade. O que me parece interessante neste enunciado é como se separam os termos do problema: a dominância do acaso num primeiro momento é erradicada a seguir. Com que legitimidade se opera esta passagem? Pode-se dizer que algo que está presente e que domina não desaparece num passo de mágica. Por um argumento de coerência lógica ter-se-á que o mesmo acaso que é fonte de toda a variação estará necessariamente presente e será dominante no ambiente onde se processa a selecção. E consequentemente ter-se-á de considerar que a selecção é também ela aleatória. E se a selecção é aleatória é seleccionado quem calha. Coloca-se assim um aspecto fulcral: neste contexto quem são os indivíduos inferiores? O conceito de inferior remete para uma relação de ordem, pois só existe inferior se existir superior e reciprocamente. Trata-se aliás da aplicação do princípio de ordenação aristotélico4. A máxima estrutura completamente ordenada que se conhece é o conjunto dos números reais, que se representa como uma recta e que corresponde a um espaço de dimensão um. E portanto se quisermos usar o dispositivo do maior conjunto completamente ordenado, estaremos obrigados a classificar os indivíduos mediante a atribuição de um único valor numa (única) dimensão: daí a evidência da redução. No máximo esse número pode considerar-se um índice do indivíduo; mais geralmente é um valor atribuído segundo um único aspecto ou atributo. Ao invés, se admitirmos que qualquer indivíduo não se pode esgotar num único atributo, estaremos fora de um conjunto totalmente ordenado e já não se poderá com rigor distinguir individuos superiores e inferiores em abstracto. Poder-se-ão no máximo estabelecer classes de equivalência e agrupar nelas os indivíduos. Concluo assim que o enunciado darwinista na sua versão hard adoptada por Ernst Mayr comporta dois aspectos críticos em termos da sua consistência interna: - em primeiro lugar opera a denegação do lugar original de dominância do acaso - em segundo lugar exige ad limite a redução unidimensional (dos atributos) dos indivíduos para impor uma relação de ordem absoluta. A tese que vou defender é de que o enunciado darwinista teoria da evolução mediante selecção natural - enfatiza um aspecto da evolução, poder-se-á dizer o seu lado trágico: a luta pela existência. Efectua assim uma redução forte centrada na questão da sobrevivência da espécie, de que emerge como vértice o enunciado tradicional sobre a sobrevivência dos mais “aptos ”5. Mas que sobrevivência, pergunto eu, se todos os indíduos acabam por morrer? Respondem-me que na lógica da continuidade da espécie o aspecto fulcral é os indivíduos deixarem descendência viável. Esta propriedade tem como consequência a categorização dos indivíduos: consideram-se agora inferiores (ou não-aptos ou apenas não-ajustados) os indivíduos que morrem sem descendência viável. Mas viável até que ponto, pergunto eu, se o próprio Malthus deixou três filhos que não lhe deram netos… Concluo que mesmo dentro daqueles que deixam descendência, afinal sobrevive, uma vez mais, quem calha. Do ponto de vista da consistência lógica do enunciado darwinista já referi acima os aspectos críticos. Se utilizarmos a delimitação tradicional da essência da verdade6 veritas est adaequatio rei et intellectus tal bastava para colocar a reserva. Em minha opinião é inadmissível utilizar o argumento da selecção natural para separar globalmente indivíduos em aptos e não-aptos ou inferiores e não-inferiores, ou outra categorização que releve de um princípio global de hierarquia. O que existe na vida e se manifesta no mundo é a diversidade e complementaridade das formas de vida, num planeta em evolução, onde ocorre nascimento, morte e reprodução mas também simbiose, competição e predação, sob um fluxo alternante de energia solar que tudo alimenta através da fotossíntese. A haver uma lógica profunda dir-se-ia que a matéria evolui numa multiplicidade conexa para formas cada vez mais próximas da luz, cada vez mais libertas da gravidade. Concluo também que no mundo globalizado em que hoje vivemos o princípio de ordenação aristotélico só serve para efectuar diagnósticos exclusivamente locais, perdendo-se logo em seguida no mar da complexidade ecológica. Mesmo no quadro positivista a luta pela existência constitui apenas uma dimensão da inteligibilidade do mundo. Mas ainda podemos dizer que a história de Aloé e Jeremias, referida m epígrafe, está completamente fora do enunciado darwinista mesmo nas suas versões mais soft que invocam a selecção parental: Aloé e Jeremias nem sequer são da mesma espécie. E também as estórias das lobas e dos meninos, ou, noutro dia, da leoa que amamentou um antílope bébé até que este ganhou forças para ir embora… O enunciado darwinista tem o núcleo centrado na struggle for existence, que constitui o título do capítulo 3 da obra de Darwin e que já é central em Malthus. Refira-se aliás que Malthus se enganou quando postulou que a disponibilidade alimentar estava limitada por um crescimento em progressão aritmética.Trata-se de asserções correlativas com a expressão o conflito é o pai de tudo, atribuída a Heraclito. Em qualquer caso relevam da dimensão trágica da existência o que me parece colocar-se mais do lado do pensamento histórico masculino. Será um aspecto parcial da verdade, mais saliente em certas épocas ou contextos de privação, mas sempre uma redução da inteligibilidade das conexões entre formas de vida, cujo entendimento é hoje hipertextual. A história de Aloé e de Jeremias, mediada pelo Filipe, mostra que também existe uma biophilia um amor entre o que é vivo que se constitui na dimensão ortogonal da luta pela existência no espaço dos seres, e que pode impôr-se na resultante dos factos. Essa é a outra dimensão da existência. |
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NOTAS | ||
1. Charles Darwin: The Origin of Species (1859), pag. 117. The Penguin Books, 1985. London: “Donde, como são produzidos mais indivíduos do que aqueles que poderão sobreviver, deve existir sempre uma luta pela existência, ou de um indivíduo com outro da mesma espécie, ou com indivíduos de outras espécies, ou com as condições físicas de vida. É a doutrina de Malthus aplicada com força variada ao conjunto dos reinos animal e vegetal.” |
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