AIRES GAMEIRO
As conversas entre gerações são um desafio. Os idosos de 70-80, os adultos de 40-60 e os jovens de menos de 30 e 15 formam grupos de bisavós, avós, filhos netos e bisnetos a tentar entender-se. Nas conversas, o desafio é encontrar assuntos de interesse comum inter idades. Teriam que interessar a crianças, adolescentes, namorados, recém-casados, empregados a iniciar atividades, profissionais. Não poderiam desinteressar adultos em fim de carreira, reformados, seniores ativos, semi-ativos e dependentes. Será possível que se possa conversar com interesse para todos e não apenas para estar juntos? Estar juntos é o maior prazer dos encontros familiares, festas, férias, ver-se. Mas falar é importante. Mas falar sobre quê? Só rotinas ou novidades? As conversas depressa manifestam distâncias na idade, experiências vividas diferentes, tempos em ambientes separados e pouco interesse para alguns. Há assuntos em que fluem melhor as relações e ocupações de proximidade continuadas; outros de experiências distantes e de ambientes diferentes a criar sentimentos de desinteresse e a deslizar para a distração e o silêncio. Com um arco de 10-80 e 90 anos cada vez pode ser mais difícil encontrar gosto na conversa. Mais difícil ainda quando acrescem as diferenças de idade, ocupações, países de residência, língua e pertenças culturais. Canais de televisão, rádio e jornais podem aproximar ou distanciar interesses nas pessoas. O uso de telemóveis equivalem a pausas de silêncio desinteressado.
A linguagem e gostos de jovens e idosos não facilitam os desabafos espontâneos; e os problemas de memória, audição somadas, a ausência de experiências com as novas tecnologia dos últimos decénios nalguns adultos e idosos alarga o fosso de compreensão com os mais novos. A iliteracia acentuada da história dos últimos 100 anos corta uns do mundo dos outros. Nos tempos de férias e passeios pela história do país em visitas a monumentos nacionais este fosso dificulta o entender-se sobre épocas históricas, séculos, estilos de arte, reinados e rotas de monumentos. Por esse Portugal do interior lá vêm as rotas do Romano, do Gótico, de Cister, das Aldeias Históricas e dos Castelos, o antes e o depois de Cristo e da pré-história ora a estimular a comunicação ora a criar obstáculos e desentendimentos.
Alguns adaptam-se à incomunicação e falam em subgrupos. Estes entendem melhor as rotas da gastronomia, do vinho e talvez as das barragens; outros, as dos monumentos. Alguns subgrupos evitam o constrangimento de pouco se interessarem por temas sem interesse para eles. Há, então, a fuga para conversas de comidas, restaurantes, gastronomias; de religião, santuários, catequeses, beatas e ateias. Algumas podem ir dar a casos anedóticos, de confundirem os lugares visitados, de chamar mosteiro a uma capelinha, de atribuir datas anacrónicas de séculos a monumentos seculares.
Como comunicar? Como se pode. O importante é estar juntos, circular e tentar aprender. O jovem não estará interessado no 25 de abril ou nas ideologias do nazismo e do estalinismo nem em todos os monumentos de há 800 e mais anos? A não ser para repetir meia dúzia de outras ideologias de turno de que se fala nas televisões, cafés e esquinas. Não é raro ouvir conversas tão bric-à-brac a estudantes de faculdade em que para os pais e avós se torna difícil apanhar o fio da conversa. A cultura atual está a ficar parcelada e confusa que só as micro tribos ainda tentam comunicar para entender-se ideologicamente. Não vale a pena entrar no assunto, pensam alguns. Se no fenómeno mundial do Covid-19 os saberes se tem esmigalhado tanto, não é para admirar que as conversas sobre história, geografia, política e religiões seja um desafio que por vezes obriga a lidar com cacos em que se podem ler algumas palavras e quase nunca frases e textos com o mesmo sentido para todos; ou ao menos um grande número da mesma área cultural e política. Os temas de futebol, os do próprio partido e da religião de pertença escapam, por pouco, à confusão babélica. Em tempo de torres cada vez mais altas, pelo mundo, dois fenómenos mundiais paralelos impressionam: 1) cada vez a comunicação e a sabedoria se ausentam como na Torre de Babel (Gen. 11, 1-9); e 2) cada vez mais destruição e morte se misturam aos oásis de fraternidade e paz, a afetar os impérios atuais e aos novos bárbaros invasores e invadidos, como no Afeganistão, Cabo Delgado e dezenas de países. Como na mítica Torre de Babel domina a pretensão de serem deuses de caos e de morte. Rejeitam a milenar afirmação de que Deus há só um e mais nenhum (Is. 45, 5-6). Dinheiro, poder e tecnicismo transhumanista são ídolos que o demónio põe ao serviço dos escravizadores atuais. Infelizmente muitos surdos e mudos recusam que lhes abram os ouvidos e soltem a língua para ouvir e anunciar “O Caminho, A Verdade e A Vida”( Mc 7, 31-37).
Funchal, dia do escravo dos escravos, S. Pedro Claver, 09.09.2021
Aires Gameiro