Tendo ouvido a história da velha, a bela Cunegundes dispensou-lhe todas as atenções que se deviam a uma pessoa da sua posição e do seu mérito. Aceitou a proposta; induziu todos os passageiros a contarem um após outro as suas aventuras.
Cândido e ela confessaram que a velha tinha razão.
— É uma pena — dizia Cândido — que o sábio Pangloss tenha sido enforcado, contra o costume, em um auto-de-fé; ele nos diria coisas admiráveis sobre o mal físico e o mal moral que cobrem a terra e o mar, e eu me sentiria com bastante ânimo para me atrever a fazer-lhe respeitosamente algumas objeções.
A medida que cada um contava a sua história, o navio avançava. Aportaram em Buenos Aires.
Cunegundes, o Capitão Cândido e a velha foram ter com o Governador Dom Fernando de Ibarra y Figueroa y Mascareñas y Lampurdos y Sousa. Esse Senhor tinha uma altivez adequada a um homem que usava tantos nomes. Falava aos homens com o mais nobre desdém, erguendo tão alto o nariz, elevando tão implacavelmente a voz, assumindo um ar tão imponente, afetando um andar tão altaneiro, que todos os que o cumprimentavam sentiam ganas de bater-lhe. Amava as mulheres com loucura. Cunegundes lhe pareceu a criatura mais linda que já vira no mundo. A primeira coisa que fez foi perguntar se não era mulher do Capitão. O tom da pergunta alarmou Cândido: não ousou dizer-lhe que era sua mulher porque de fato não o era; não ousava dizer que era sua irmã, porque tampouco o era; e, embora essa mentira oficiosa estivesse outrora muito em moda entre os antigos e pudesse ser útil aos modernos, a sua alma era demasiado pura para trair a verdade.
— A Senhorita Cunegundes — disse ele — deve conceder-me a honra de se casar comigo, e suplicamos a Vossa Excelência que se digne mandar celebrar as nossas núpcias.
Dom Fernando de Ibarra y Figueroa y Mascareñas y Lampurdos y Sousa, cofiando o bigode, sorriu amargamente e ordenou ao Capitão Cândido que fosse passar em revista a sua companhia. Cândido obedeceu; o Governador ficou com a Senhorita Cunegundes. Declarou-lhe a sua paixão, protestou que no dia seguinte a casaria com ela em face da Igreja, ou de qualquer outra maneira, conforme aprouvesse a seus encantos. Cunegundes pediu quinze minutos para refletir, para consultar a velha e tomar uma decisão.
Disse a velha a Cunegundes:
— A Senhorita tem setenta e dois quartéis e nem um óbulo; só depende de si ser mulher do maior Senhor da América do Sul e que tem tão belos bigodes; e acaso está em condições de ostentar uma fidelidade a toda prova? Pois não foi violada pelos búlgaros? Um judeu e um Inquisidor não gozaram da sua boa vontade? As desgraças outorgam direitos. Confesso que, se estivesse em seu lugar, não teria nenhum escrúpulo em casar-se com o Senhor Governador e fazer a fortuna do Senhor Capitão Cândido.
Enquanto a velha falava com toda a prudência que dão a experiência e a idade, viram entrar no porto um pequeno navio; trazia um alcaide e alguazis, e eis o que sucedera.
Bem adivinhara a velha que fora um franciscano que havia roubado o dinheiro e as jóias de Cunegundes, na cidade de Badajoz. O monge procurou vender algumas das pedras a um joalheiro. O negociante reconheceu-as como pertencentes ao Inquisidor-mor. Antes de ser enforcado, o franciscano confessou de quem as roubara; indicou as pessoas e o rumo que tomavam. A fuga de Cunegundes e Cândido era já conhecida. Seguiram-lhes o rastro até Cádiz; sem perda de tempo, despacharam um navio em sua perseguição. Esse navio já estava agora no porto de Buenos Aires. Logo se espalhou que um Alcaide ia desembarcar e que perseguiam os assassinos do Inquisidor-mor. A prudente velha viu num instante tudo o que se devia fazer.
— A Senhorita não pode fugir — disse ela a Cunegundes — e nada tem a temer; não foi a Senhorita quem matou Monsenhor; e aliás o Governador que a ama, não permitirá que a maltratem; fique onde está.
Corre imediatamente a Cândido:
— Fuja — lhe diz ela — ou dentro em uma hora será queimado.
Não havia um momento a perder. Mas como separar-se de Cunegundes? E onde refugiar-se?
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