SIMONE MARQUES
Soup'n the sky (versão esquizo)


Consigo finalmente chegar até a cozinha depois de dois dias, ouço um blup blup blup irritante, é o caldeirão do pentagrama do inferno que pula vivo da silva, mas sou destemido, não tenho medo destas bobagens, levanto a tampa maldita. Os desgraçados querem me matar mesmo, soltaram uma lufada de fumaça quente na minha cara, limpo os óculos, ai que fome, que fome! Que? Poderia jurar que ouvi uma voz. Parece uma sopa de cocó! Ei, que isso? Não, as sopas não falam, quer dizer, pelo menos não deveriam falar, mas tudo é possível. Eca, sopa é nojento mesmo, parece um vômito, eu não vou comer essa merda. Ah, ele não vai comer! Ele não vai comer, foi isso que eu ouvi? Eles querem que eu coma essa porcaria (coitados dos porcos, tão gostosos). Atira a panela pela janela procópio! Não. Isso não seria elegante, ai, ai de mim, eles acordaram.

A mãe saiu, é isso, quando ela sai eles se aproveitam de mim. Ela quem fez a sopa, eu sei que deveria comer mas não lembro por que. A mãe tá doente, eu sei. Ele sabe, ele acha que sabe, sabe o que sabão? Ela foi ao médico, eu sei! Atira a panela, procópio, atira procópio, atira o procópio rabostópico pela janela. Blup blup blup. Panela idiota, tá dançando, olha só.

Bilhete da mãe grudado na geladeira:

Cocó, pedi para a empregada fazer uma sopinha para você. Querido, você precisa se alimentar, passou dois dias sem comer quase nada. Caso não queira comer, quero dizer, se você não gostar da sopa, tem comida congelada no freezer. Fui ao médico, volto logo. Não esqueça de tomar os seus remédios (eles estão no armário do banheiro, você sabe). Beijo. Mamãe.

Ela sabe que detesto sopa, que coisa irritante, panela desgraçada, essa coisa existe para infernizar, ela e aquele jardineiro, como é odioso esse velho cagado, o imbecil fica me vigiando de olhinho disfarçado, pensa que eu não noto quando me abre aquele sorriso banguela cínico de merda, e diz ainda “e aí, patrão!”, como se eu tivesse obrigação de gostar dele e de cumprimentar ser humano asqueroso, eu queria poder matar, estraçalhar esse bosta e depois sumir com o corpo da minha frente. É isso, é só atirar a panela no porongo da cabeça dele.

Atira a panela procópio! Reboscópico vai morrer! O sabio cocó tem que sorriricar pro jardibosta, o cocó é uma galinha brocoió!

É agora, me livro deles e do jardineiro, ou eu mesmo me atiro daqui, lindamerda vai ser. Blup blup blup, tum tum tum coração borbulhante de tesão, pega a panela com as luvas de cozinha, euforia cozinhante, se aproxima da janela e atira por ali panela e sopa fervente. O jardineiro lá embaixo, exatamente na mira, pobre, feio, fedorento, meia suja: plein!

Pronto, agora matei o jardineiro mas fiquei sem sopa! abóborabado, fica acreditando neles. É um cocó abóboracópio, mesmo! Maldição, eles não páram de me zombar. Tum tum tum cabeça na parede, acorda Cocó! Tum tum tum bate a procópia cabeça, eu mato eles! Que vocês estão dizendo? A panela procópio morreu, ela era preta ferroforte negra: ela era o jardineiro! Vai ver você lá embaixo, vai ver o jardicópio! Olha que beleza o cérebro dele desmanchado que nem vômito no chão, cocó!

Cérebro de batatinhas. Umas tripas fininhas, que será que são? É o cérebro de minhoca dele! Quente que faz fumaça, olha procópio, olha o que tu fez!

E agora, ele vai comer o quê? Eles querem me matar de fome. Mas não vou deixar, ouviram? Vou comer! Ele vai comer! O jardineiro vai comer!

O demônio quer me matar. É ele que fica falando essas coisas na minha cabeça, eu não deveria ter atirado a sopa pela janela, mamãe não vai gostar, ela tá doente, ela foi ao médico. Vai ver que não me alimentei como ela diz e vai ficar triste e mais doente e vai descobrir que eu queria matar o jardineiro e vai brigar comigo e depois vai morrer. Se mamãe morre eu também morro então tenho que comer. Vamos ao McDonald’s, Procópio! Sim, é isso, a gente diz pra ela que a sopa era uma droga e que preferimos comer no McDonald’s. Mas vai de carro senão encontra o jardineiro procópio! O carro, é preciso ir de carro. É só pegar o carro e ir até lá, coisa rápida. Ele pega as chaves, pensa Procópio quando pega as chaves do carro. E assim, mais satisfeito, desceu pelo elevador até o estacionamento, e já estava dentro do carro quando deu-se conta de que era impossível ir ao McDonald’s, era impossível sair de carro, a vida era impossível seguir seu curso por causa do algoz. Que estúpido, esquecera do jardineiro! Deve ter feito um rombo na cabeça daquele fedorendo. Sorri num tique que faz a pele em volta da boca apenas tremer. O jardicocó viu quando ele jogou a panela e chamou a polícia. Polícia procópio polícia! Ele deve ter visto que joguei a panela, deve ter até ligado para a polícia, claro. Ele vai te perseguir até o McDonald’s cocó! Se ele sair a toda velocidade, porém, o energúmeno ficará para trás, praguejando, o que vai ser engraçado.

Abre a porta do estacionamento, que sobe lenta. Que praga de lesma de porta desgraçada! Engata a primeira e parte para cima da porta, que ainda não abriu à altura suficiente. Ele vai conseguir passar, pensa.

Procópio não escutou o barulho feito com o choque do carro contra a porta da garagem, pois estava muito ocupado xingando o demônio. Atrás de si ficou a porta, contundida, no chão. Atropelou o jardineiro. O que não trouxe mais paz a Procópio, que resolveu pegar outro caminho para chegar até a lanchonete. Para despistar a polícia procópio.

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