SIMONE MARQUES
A mão


Pelo rabo do olho esquerdo vi aquilo se esgueirar por trás do meu ombro, entre a janela do ônibus e o encosto do banco onde eu estava sentado. Era branco e cheio de pernas gordas como tocos de velas, que esperneavam desajeitadas ao tentar não escorregar do encosto do banco. Eu observava o mais discretamente possível, qualquer movimento o afugentaria. Não senti medo, apesar de saber que aquele troço poderia de repente me agarrar um dos ombros, pegar-se ali feito piche, ranho ou qualquer coisa grudenta. Para disfarçar, desviei o olhar para a paisagem que passava apressada pela janela. Então, por um brevíssimo momento de distração, ela tocou meu ombro. Foi muito suavemente, quase imperceptível, um raspão. Mas foi o bastante para fazer meu corpo estremecer de maneira que a coisa branca e pernuda saiu correndo assustada.

Ariela Boaventura