SIMONE MARQUES. CONTOS |
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Gugupãs |
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Por que gugupãs? perguntou Béti. Por que Béti? respondi perguntando a Béti. Como assim, por que Béti? ela devolveu. Se gugupã é uma palavra, Béti é o que? resolvi tentar explicar pela lógica. Béti é o meu nome ela me respondeu, como se aquilo fosse a resposta. Errado: Béti é UM nome, como o meu é Fredegunda. Mas o teu nome não é Fredegunda. Suponhamos que fosse. Béti, não torne uma coisa tão banal num colóquio de lingüística, em que ninguém se entende, mas faz de conta que entende só para não parecer burro. Vamos começar de novo então. Tudo bem, vamos recomeçar, Béti. Por que gugupã? É uma palavra. Puta que pariu, eu sei disso, mas não dá pra dizer por que gugupã e não por exemplo bacia, almôndega, sambaqui, miojo, sei lá, qualquer coisa? Pode ser qualquer coisa, Béti. Ai, tá bom então, eu desisto. Desisto de você. Não, Béti, não desista, vamos recomeçar. Tá certo, mais uma vez então. Mas eu não vou perguntar de novo. O que? Como assim, o que? O que é que você não quer perguntar, Béti? Gugupã, Geraldine. Ah, sim, o gugupã. Mas quem é a Geraldine? Não sei, você deve saber. Se você souber o que é gugupã, saberá quem é Geraldine. Está enganada, Béti. Eu não sei. Não sabe o que é gugupã? Não. Na verdade, acho que ninguém sabe. É apenas uma palavra, já lhe disse. Sim, mas por que ESTA palavra? Porque começa com G. Como gato, garganta, gorgomilo. Gorgomilo? O que é isso? Não é nada. Desisto. Assim não tem jeito de conversar. O que foi isso agora Béti? Nada. Foi um gorgomilo. Espero que não tenha sido dos efervescentes, foi? Efervescente? Sim, como um Sonrisal, sabe? Não, acho que não foi desses. Foi daqueles fedidos, mesmo. Você está equivocada, Béti. Não existem gorgomilos fedidos. Você peidou, consigo saber até o que você comeu no almoço: brócolis cozido com alho e batata souté. Talvez uma sobremesa como por exemplo um pudim ou algo assim, elaborado à base de leite. Deixe meu peido em paz, Béti. Não se preocupe, seu peido foi em paz, provavelmente agora está a caminho do céu e em seguida estará sentado à direita de Deus-Pai Todo-Poderoso, se ele fez por merecer, claro. E não me chame de Béti, isso me confunde. O que são gorgomilos? pelo amor de deus, apenas explique, não me faça de boba, isso enche o saco. Tudo bem, vou tentar explicar. Gorgomilos são gargantas, em princípio. E no fim? No fim se usa a expressão gorgomilos efervescentes quando alguém está a falar papo-furado, verborragia sem significado, catilinária de diplomata, no fundo são apenas palavras que saem da garganta sem que tenham uma conotação sólida ou séria. Ou ainda aforismos macios e sem sentido como se vaca não voa, logo, avião não dá leite. Finalmente Béti ficou muda. Mas isso só durou o tempo necessário para eu piscar os olhos. E o gugupã? Pois é, eu dizia a você quando me interrompeu com os seus gorgomilos. Meus não. Eles vieram de você, Fredegunda. Quem peidou foi você, sua fedegunda. Não enrola, e o gugupã? Os fonoaudiólogos têm uns exercícios para a língua muito interessantes, Béti. Não enrola. O que tem o gugupã a ver com isso? Tem a ver tanto quanto a aranha arranha a jarra e a jarra arranha a aranha. Ou então tanto quanto três tigres tristes comem trigo, ou ainda tanto quanto o peito do pé de pedro é preto. Hm. Ótimo, então diga gulosos guris gulosavam gulodices e a gurizada guturalizava nos gugupãs. E você acha que os gringos vão entender isso? Você acha que os gringos vão conseguir pronunciar isso? Dos gringos eu não sei. Não sei nem se os gringos vão ler isso, não sei nem se isso vai chegar aos gringos, e se chegar não sei se os gringos vão se dar ao trabalho de ler até aqui. Mas acho que, se tudo isso acontecer, o que convenhamos, Béti, é muito difícil, principalmente se você perceber que isso primeiro teria de sair escrito, depois teria de ser impresso e depois, publicado, com vários outros issos junto, com uma ficha técnica e páginas numeradas, um índice, sem falar numa capa decente e na arte da capa, numa revisão e, o mais importante, no trabalho de marketing em cima. Sem marketing, nada existe, por mais que seja. E você há de concordar que até se chegar a isso, os gringos morreram. Eles vão pronunciar gugupá. E vão achar isso muito idiota. Pode me justificar por que, Béti? Porque eles não sabem pronunciar o til. Não, Béti, eu pergunto por que os gringos vão achar isso muito idiota? Porque isso É idiota. Não se pode levar alguém a sério, Béti, se ela não embaseia suas afirmativas. Antes, você disse que o gugupã era por causa do G. Mas depois disse que era por causa da fonoaudióloga aquela. Que fonoaudióloga, Béti? Não tem fonoaudióloga nenhuma, você não entendeu, Béti! Gaveta, gaivota, graveto, goela, gula, gostoso: é tudo com G. O G é minha letra preferida porque parece que, mais que qualquer outra, é o produto do carinho e também uma arte, a arte da língua que amorosamente acaricia o céu-da-boca, e desse envolvimento literalmente carnal nasce um G. O G é a prova de que somos civilizados, nenhum gato pode miar gorjeando, aliás, nenhum outro animal pode, nem os pássaros podem dizer que gorjeiam, isso é uma mentira, porque eles só cantam, jamais poderão elaborar um G. O G é um gaguejo que deu certo, Geraldine. Você se esqueceu de novo, Valdirene? Não, foi só para ver se você estava atenta eu disse, finalmente aborrecida de tanto gorgolejar palavras em vão. Eu acho que você está gagá. Tudo bem, Béti. E eu nem expliquei por que gugupã. Vamos começar tudo de novo. [nov/2002] |
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