Procurar imagens
     
Procurar textos
 

 

 

 

 

 

 

:::::::::::::::::::::::::::::::RAY SILVEIRA

Natal Vermelho

O automóvel roubado rodava lentamente. Dentro, sete homens se espremiam. E examinavam. Escolhiam. Como quem faz compras num shopping. "Aquela parece ideal".

"Não! Muito próxima das outras. Tem de ser igual, mas isolada... Pronto. É aqui!" Saltaram seis. Cada um portava um fuzil AR 15.

A família estava toda reunida. Antes, nunca tinham estado juntos como naquela noite. Havia, inclusive, os dois filhos casados que moravam nos Estados Unidos, as mulheres (americanas, que não conheciam o Brasil) e os filhos. Ao todo, vinte e cinco pessoas. Dez crianças e oito mulheres.

Pé-de-Burro, tu vai ficar esperando. Não desliga o motor. Se notar algo suspeito, dá três buzinadas. Cobra Cega, tu vai olhar as pessoas, por aquela janela. Conta todas.

Quantas crianças, quantos homens. Vê se descobre se há algum armado. As mulheres qui tu quiser (e puder), depois pode pegar. Perigoso, tu fica vigiando a parte da frente. E tu, Malvadeza, a detrás. Eu, o Burro Brabo e o Infeliz, invadimos. Vocês três só entram quando começar a festa. Eu aviso. Com um tiro. E não vou estragar munição. Portanto, já vão sabendo que haverá um a menos. Entenderam?

Uma das mulheres estava grávida de oito meses. Chegara a hora da troca de presentes. No canto da sala, um CD player tocava "White Christmas". Cobra Cega viu e ouviu tudo. E esboçou um ar de riso. Ele conhecia o título da canção. Seu sorriso era de pura ironia. A gestante foi ao banheiro, urinou, se enxugou e percebeu umas raias de sangue no papel. Enxugou novamente. Estava limpo. Não se preocupou mais.

Os marginais puxavam fumo e aguardavam que o outro terminasse a contagem e o exame. Cobra Cega checou três vezes. Não havia dúvida: vinte e cinco. Sete homens: seis mais jovens e um aparentando entre sessenta e cinco e setenta anos.

A grávida sentiu uma umidade escorrendo pelas coxas e voltou ao banheiro. Desta vez havia uma mancha de sangue na calcinha. Apavorada, correu para o salão da festa e chamou o marido.

Cobra Cega já ia saindo para avisar o que presenciara, quando resolveu fazer mais uma checagem. Vinte e três. Franziu a testa e contou de novo. Faltavam um homem, dos mais jovens e fortes, e uma mulher. E esperou. O quidiabéqui o Cobra Cega faz tanto ali, hem? Já tinha dado tempo ele contar até um batalhão. Só se tá suspeitando qui tem alguém armado... Vai lá Burro Brabo. Pergunta se cegou de verdade ou tá brechando alguém fodendo, ou... Sei lá. Diz a ele que ande logo com isso.

Deitada de costas, as pernas encolhidas e entreabertas a mulher expelia uma quantidade enorme de sangue. Dali mesmo o marido telefonou para o médico. Está sentindo dores? Contrações? Não estava. Deve ser uma placenta prévia. Ligue para a Maternidade e peça uma ambulância. Rápido. Estarei lá dentro de quinze minutos. A quantidade de sangue aumentava...

quéquitufaztantaí, Cobra Cega? O Caga Fogo já tá puto contigo e... Péra! Deve tá acontecendo uma coisa muito errada. Tinham vinte e cinco pessoas na sala. Agora só tem um velho e as crianças. O resto correu tudo lá pra dentro. Arre égua, macho. Faz quais uma hora qui tu tá aí e ainda num deu conta de contar as merdas duns filhos de puta e...

Já havia dois lençóis encharcados de sangue. A mulher começava a suar frio. A face ficando da cor de flor de algodão... Não! Da cor do próprio algodão. A agitação dentro do quarto a afligia cada vez mais. O sangramento agora era aos borbotões. De repente, se ouviu um som agudo, estridente, alarmante... Era o da sirene de uma ambulância. Que se aproximava em alta velocidade...