Sacudi a cinza do cachimbo na palma da mão, e comecei, muito devagar, para tudo pôr bem claro e bem exato:
- Aqui está o que ouvi a respeito desse cavalheiro Neville.
E isto, que me lembre, nunca, até ao dia de hoje, o disse a ninguém. Ouvi que esse cavalheiro fora para o interior à busca das minas de Salomão.
Os dois homens olharam para mim, com assombro:
- As minas de Salomão'? Que minas?... Onde são?
- Onde são, não sei. Sei apenas onde dizem que estão.
Aqui há anos vi de longe os dois picos dos montes que, segundo corre, lhes servem de muralha. Mas entre mim e os montes, meus senhores, havia duzentas milhas de deserto. E esse deserto, meus senhores, nunca houve ninguém (quero dizer, homem branco) que o atravessasse, a não ser um, noutras eras. Porque toda esta história vem muito de trás, de há séculos! Eu não tenho dúvida em a contar, mas com uma condição: é que os cavalheiros não a hão de transmitir sem minha autorização. Tenho para isso razões, e fortes. Estão os cavalheiros de acordo?
- Com certeza!
Narrei então, longamente, tudo o que sabia, história ou fábula, sobre as minas de Salomão. Foi há trinta anos que pela primeira vez ouvi falar destas minas a um caçador de elefantes, um homem muito sério, muito indagador, que recolhera assim, nas suas jornadas através da África, tradições e lendas singularmente curiosas. Tinha-me eu encontrado com ele na terra dos matabeles, numa das minhas primeiras expedições ao interior, à busca do elefante e do marfim. Chamava-se Evans. Era um dos melhores caçadores da África. Foi estupidamente morto por um búfalo, e está enterrado junto às quedas do Zambeze.
Pois uma noite, sentados à fogueira, no mato, sucedeu mencionar eu a esse Evans umas construções extraordinárias com que casualmente dera, andando à caça do koodoo por aquela região que forma hoje o distrito de Lidenburgo no Transval. Essas obras foram depois encontradas, e aproveitadas até, pela gente que veio trabalhar as minas de ouro. Mas e ninguém (quero dizer, nenhum branco) as tinha visto antes de mim. Era uma estrada enorme, magnífica,
cortada na rocha viva, levando a uma galeria sem fim, metida pela terra dentro, toda de tijolo, e com grandes pedregulhos de minério de ouro empilhados à entrada. Obra extraordinária!
E a raça que a fizera desaparecera, sem deixar um nome, nem outro vestígio de si, além daquela galeria, que revelavam um grande saber, uma grande indústria e uma grande força!
- Curioso! - murmurou Evans. - Mas conheço melhor!
E contou-me então que no interior, muito no interior, descobrira ele uma cidade antiquíssima, toda em ruínas, que tinha a certeza de ser Ofir, a famosa Ofir da Bíblia. Lembro-me bem a impressão e o assombro com que eu escutei a história dessa cidade fenícia perdida no sertão da África, com os seus restos de palácios, de piscinas, de templos, de colunas derrocadas!... Mas depois Evans ficara calado, cismando. De repente diz:
- Tu já ouviste falar das serras de Suliman, umas grandes serras que ficam para além do território de Machuculumbe, a noroeste?
- Não, nunca ouvi.
- Pois, meu rapaz, aí é que Salomão verdadeiramente tinha as suas minas, as suas minas de diamantes!
- Como se sabe?
- Como se sabe!? Tem graça! Sabe-se perfeitamente. O que é Suliman senão uma corrupção de Salomão? O nome das serras, realmente, sempre foi serras de Salomão. Além disso, uma feiticeira do distrito de Manica, uma velha de mais de cem anos, contou-me tudo... Isto é, contou-me que para lá das serras vive um povo que é da raça dos zulus, e fala um dialeto zulu; mas como força e corpulência, e coragem, vale mais que os zulus. Pois nesse povo há videntes, grandes feiticeiros, que de geração em geração, têm trazido o segredo de uma mina prodigiosa, que foi de um rei branco, muito antigo, e que ainda hoje está cheia de pedras brancas que reluzem... De sorte que não há dúvida nenhuma.
Para mim havia toda a dúvida. As ruínas de Ofir interessavam-me, como da nossa crença e da Bíblia; mas das minas de pedras brancas que reluzem, conhecidas em segredo por feiticeiros zulus, teria certamente rido se não fora o respeito devido a um caçador tão digno como Evans. De madrugada Evans partiu a acabar tristemente nas pontas de um búfalo. E não pensei mais em Salomão, nem nas suas minas de diamantes.
Aqui há vinte anos porém, num encontro muito singular que tive no distrito de Manica, de novo ouvi falar das minas de Salomão, e de um modo que para sempre me devia impressionar. Era num sítio chamado a "aringa de Sitanda".
Não há pior em toda a África. Fruta nenhuma, caça nenhuma, tudo seco, tudo triste - e os pretos vendem os ossos de um frango por fazenda que vale uma vaca.
Apanhei lá um ataque de febre, e estava fraquíssimo, enfastiadíssimo, quando me apareceu um dia um português de Lourenço Marques, acompanhado por um serviçal mestiço. Entre os portugueses de Lourenço Marques, há sofrível e há péssimo. Mas este era dos melhores que eu vira, um homem muito alto e muito magro, de belos olhos negros, os bigodes já grisalhos todos retorcidos, e umas maneiras graves que me fizeram pensar nos velhos fidalgos portugueses que aqui vieram há séculos e de que tanto se lê nas histórias.
Conversamos bastante nessa noite, porque ele falava um bocado de mau inglês, eu um bocado de mau português; e soube que se chamava José Silveira, e que possuía uma fazenda ao pé da cidade, em Lourenço Marques.
Na manhã seguinte, cedo, antes de partir com o mestiço, acordou-me para se despedir, de chapéu na mão, cortês e grave, como os antigos, os que tinham Dom.
- Até mais ver, camarada!
- Boa viagem! Até mais ver!
O homem conservava, pregados em mim, os grandes olhos negros que rebrilhavam. Depois acrescentou muito sério:
- Se nos tornarmos outra vez a encontrar, hei de ser a pessoa mais rica deste mundo! E pode contar, camarada, que não me hei de esquecer de si!
Nem ri. Estava debilitado para rir. Fiquei estirado na manta olhando para o estranho homem que, a grandes passadas, com a cabeça alta e cheia de esperança, se metia pelo mato dentro.
Passou uma semana, e melhorei da febre. Uma tarde achava-me sentado no chão defronte da barraca, rilhando a última perna de um desses frangos que os pretos me vendiam por chita do valor de uma vaca, e pasmando para o enorme disco do sol que descia ao fundo do deserto - quando de repente avistei, escura sobre a vermelhidão do poente, numa elevação do terreno, a figura de um homem que era certamente europeu porque trazia um casacão comprido. No momento mesmo em que eu dera com os olhos nele, o homem oscila, cai de bruços e começa a arrastar-se pelo chão, lentamente! Com um esforço desesperado, ainda se ergueu, e tentou pelo cômoro abaixo alguns passos que cambaleavam. Por fim tombou de novo, e ficou estirado, como morto, contra um tufo de tojo alto. Gritei a um dos meus caçadores que acudisse. E quando ele voltou, amparando o homem nos braços - quem hei de eu ver? O José Silveira!
José Silveira - eu antes o seu miserável esqueleto, com todos os ossos rompendo para fora da pele, mais seca que pergaminho e amarela como gema de ovos. Os olhos saltavam-lhe da cara, à maneira de dois bugalhos de sangue. E o cabelo que eu lhe vira grisalho, vinha branco, todo branco como uma bela estriga de linho.
- Água! - gemeu ele. - Água, pelas cinco chagas de Cristo! O infeliz tinha os beiços horrivelmente estalados, e entre eles a língua pendia-lhe, toda inchada e toda negra! Dei-lhe água com leite, de que bebeu talvez dois quartilhos, a grandes sorvos, e sem parar. Foi necessário arrancar-lhe a vasilha. Depois caiu de costas, rompeu a delirar. Ora gemia, ora gritava. E era sempre sobre as serras de Suliman, os diamantes e o deserto!
Levei-o para dentro da tenda; e, com o pouco que tinha, fiz o pouco que podia. O homem estava perdido. Rente da meia noite sossegou. Eu, esfalfado, adormeci. Acordei de madrugada; e, ao primeiro alvor da luz, dou com ele (forma sinistra!) de joelhos, à porta da barraca, de olhos cravados para o longe, para o deserto! Nesse instante, um raio de sol que nascia frechou através do vasto descampado, e foi bater ao fundo, a cem milhas de nós, o pico mais alto das serras de Suliman. O homem soltou um grito, atirou desesperadamente para diante dos dois braços de esqueleto:
- Lá estão elas, Santo Deus, lá estão elas!... E dizer que não pude lá chegar! Parecem tão perto! Logo ali, uns passos mais... E agora acabou-se, estou perdido, ninguém mais pode lá ir!
De repente, emudeceu. Depois virou para mim, muito devagar, face lívida e como esgazeada por uma idéia brusca:
- Camarada, onde está você?... Já o não distingo, vai-me a fugir a vista!
- Estou aqui; sossegue, homem.
- Tenho tempo para sossegar, tenho toda a eternidade!
Escute. Eu estou a morrer. Você tem sido bom comigo, camarada... E para que havia eu de levar o segredo para debaixo da terra? Ao menos alguém se aproveita! Talvez você lá possa chegar, se conseguir atravessar esse deserto que matou o meu pobre criado, que me está a matar a mim... Começou então a procurar tremulamente dentro do peito da camisa. Tirou por fim uma espécie de bolsa de tabaco, já velha, apertada com uma correia. Estava tão fraco que as suas pobres mãos nem puderam desfazer o nó. Fez-me um gesto, um gesto exausto, para que eu o desatasse. Dentro havia um farrapo de linho amarelado, com linhas escritas, num tom antiquíssimo, de cor de ferrugem. E dentro do farrapo estava um papel dobrado.
- O papel - murmurou ele numa voz que se extinguia - é a cópia do que está escrito no trapo. Levou-me anosa decifrar, a entender... Foi um antepassado meu, um dos primeiros portugueses que vieram a Lourenço Marques, que escreveu isso, quando estava para morrer acolá naquelas serras. Chamava-se D. José da Silveira, e já lá vão trezentos anos...
Um escravo que ia com ele, e que ficara a esperar, do lado de cá do monte, vendo que o amo não voltava, procurou-o; foi dar com ele morto, e trouxe para Lourenço Marques o bocado de linho que tinha letras. Desde então ficou guardado na nossa família. Há trezentos anos! E ninguém pensou em o decifrar até que eu me meti nisso... Custou-me a vida. Mas talvez outro consiga. Talvez outro chegue lá, às malditas serras! Será então o homem mais rico deste mundo! O mais rico, o mais rico! Tente você, camarada... Não dê o papel a ninguém! Vá você!
As últimas palavras saíram como um débil sopro. Caiu de costas, recomeçou a delirar. Daí a uma hora tudo acabou. Deus tenha a sua alma em descanso! Morreu serenamente, sem esforço e sem dor. Por minhas mãos o enterrei, bem fundo na terra, com fortes pedregulhos por cima do peito. Ao menos assim não darão com ele os chacais. Foi ao pé da cova, onde o desgraçado jazia, que examinei o documento. Era, como disse, um farrapo de linho, rasgado de uma fralda de camisa e do tamanho de um palmo. No topo tinha os traços de um mapa, ou de um roteiro, rapidamente e toscamente lançados.
Era pouco mais ou menos isto:
Por baixo vinham linhas escritas, numa letra muito antiga e cor de ferrugem. Para mim eram ininteligíveis. Mas o papel continha a decifração, e dizia assim:
"Estou morrendo de fome, numa cova da banda norte de um destes montes a que dei o nome de Seios de Sabá , no que fica mais a sul. Sou Dom José da Silveira, e escrevo isto no ano de 1590, com um pedaço de osso, num farrapo da camisa, tendo por tinta o meu sangue. Se o meu escravo aqui voltar, reparar neste escrito, e o levar para Lourenço Marques, que o meu amigo (aqui um nome ilegível) logo pela primeira nau que passar para o Reino, mande estas cousas ao conhecimento de El-Rei, para que Ele remeta uma armada a Lourenço Marques, com um troço de gente, que se conseguir atravessar o deserto, vencer os cacuanas que são valentes, e desfazer os seus feitiços (devem vir muitos missionários) tornarão Sua Alteza o mais rico Rei da Cristandade. Com meus próprios olhos vi os diamantes sem conta amontoados num subterrâneo que era o depósito dos tesouros de Salomão, e que fica por trás de uma figura da Morte. Mas por traição de Gagula, a feiticeira dos cacuanas, nada pude trazer, apenas a vida! Quem vier, siga o mapa que tracei, e trepe pelas neves que cobrem o Seio de Sabá, o esquerdo, até chegar ao cimo, de onde verá logo, para o lado norte, a grande calçada feita por Salomão. Daí siga sempre, e em três dias de marcha encontrará a aringa do rei. Quem quer que venha que mate Gagula. Rezem pelo descanso da minha alma. Que El-Rei Nosso Senhor seja logo avisado. Adeus a todos nesta vida!" Tal era o extraordinário documento que textualmente li ao Barão Cúrtis e ao capitão, porque trazia sempre comigo (e ainda trago) uma tradução dele, em inglês, na carteira.
Quando acabei, os dois amigos olhavam para mim, mudos de espanto. Por fim o capitão, com o leve suspiro de quem repousa de uma prolongada emoção, bebeu um trago de grogue, e mais sereno:
- O nosso amigo, o Senhor Quartelmar, não nos tem estado a intrujar?
Meti com força o papel na algibeira, e, erguendo-me, repliquei secamente:
- Se os cavalheiros assim pensam, não me resta mais nada senão desejar-lhes muito boas noites!
O barão acudiu, pousando-me no ombro a sua larga mão:- Pelo amor de Deus, Senhor Quartelmar! Nem John nem eu duvidamos da sua veracidade. Mas, enfim, tenho ouvido dizer que aqui na colônia é cousa corrente e bem aceita troçar um pouco os que chegam, os novatos da África... E depois essa história é tão extraordinária!
Insisti, ainda ofendido:
- O original escrito pelo velho fidalgo no farrapo de camisa, tenho-o em Durban! Será a primeira cousa que lhes hei de mostrar em chegando!... Não há uma palavra...
O barão atalhou, gravemente!
- Toda a palavra do Senhor Quartelmar é cousa séria, e como tal a tomamos.
Durante um momento ficamos calados. Eu serenei. Por fim o barão, que dera sobre o tapete do beliche alguns passos pensativos, parou diante de mim:
- E meu irmão? Confio soube o Senhor Quartelmar que meu irmão tentou também essa jornada às minas?
Narrei então o que me sucedera com esse sujeito Neville, quando estávamos acampando, lado a lado, em Bamanguato. Eu não o conhecia; nem então começamos relações, apesar de termos o gado junto. Mas conhecia perfeitamente o serviçal que o acompanhava, um chamado Jim. Era um bechuana, excelente caçador e, para bechuana, esperto, consideravelmente esperto! Na manhã em que Neville devia meter-se para o sertão, vi Jim, ao pé do meu carrão, cortando folhas de tabaco.
- Para onde é essa jornada, Jim? - perguntei eu, sem curiosidade, só para mostrar interesse ao rapaz. - Ides a elefantes?
Jim mostrou os dentes todos, num riso vivo:
- Não, patrão. Vamos a cousa melhor que marfim.
- Melhor que marfim!? Ouro?
- Melhor que ouro! - murmurou ele, arreganhando mais a dentuça.
Calei-me, porque não convinha à minha dignidade de patrão e de branco revelar curiosidade diante de um bechuana.
Confesso, porém, que fiquei intrigado. Daí a pouco Jim acabou de cortar o tabaco. Mas por ali se quedou, rondando, coçando devagar os cotovelos, à espera, com os olhos em mim. Não dei atenção.
- patrão! - murmurou ele, numa ânsia de desabafar.
Permaneci indiferente, por dignidade. Ele tornou:
- Patrão!
- Que é, homem?
- Vamos à procura de diamantes, patrão! - atirou-me ele ao ouvido.
- Diamantes!? Boa! Então ides para o lado oposto. Devíeis meter direito ao sul, para as Diamanteiras. O bechuana baixou mais a voz:
- Patrão! Já ouviu falar das serras de Suliman? Pois lá é que estão os diamantes. O patrão nunca ouviu?
- Tenho ouvido muita tolice na minha vida, Jim.
- Não é tolice, patrão. Eu conheci uma mulher que veio de lá, com um filho, e que vivia no Natal. Morreu há anos, o filho por lá anda. E foi ela que me disse tudo. Há lá diamantes!
- Olha, Jim, o que te digo é que teu amo vai dar de comer aos abutres, que andam por lá esfomeados. E tu, essa pouca carne que tens nos ossos, também vai daqui direitinha aos abutres!
O homem teve outro riso fino:
- A gente tem de morrer, e eu não desgosto de experimentar terras novas. O elefante por aqui já não rende. O bechuana cá vai para os diamantes, e o bechuana vai cantando!
- Pois quando a morte te agarrar pelas goelas, veremos então se ainda canta o bechuana!
Jim abalou. Daí a meia hora o carrão do Senhor Neville posse em marcha para o norte. Mas não rodara ainda dez jardas, quando Jim voltou para trás, a correr.
- Adeus, patrão! - exclamou. - Não me quis ir de todo sem lhe dizer adeus, porque me parece que o patrão tem razão, e que nunca mais cá voltamos!
- Ouve cá, Jim, teu amo vai com efeito às serras de Suliman, ou tudo isso é patranha?
O bechuana jurou que não contava patranhas. O amo ia realmente em demanda das serras e das minas que estavam para além. Ainda na véspera o amo dissera que, para tentar fortuna na África, tanto montava ir em cata de diamantes, como de ouro ou de ferro. Tudo dependia da sorte, porque no torrão tudo havia. Assim ele ia aos diamantes, que era o mais rápido para enriquecer, ou para morrer.
Refleti um momento.
- Escuta, Jim. Vou escrever umas palavras a teu amo. Mas hás de prometer que não lhas entregas senão em chegando a Iniati!
Iniati ficava daí a umas quarentas léguas. O bechuana prometeu.
Rasguei um bocado de papel da carteira, escrevi a lápis estas linhas: "Quem vier... trepe pelas neves que cobrem o Seio de Sabá, o esquerdo, até chegar ao cimo, de onde verá logo, para o lado norte, a grande calçada feita por Salomão".
- Bem! Ora, agora, Jim, quando deres este papel a teu amo, dize-lhe que lho manda quem sabe, e que siga bem a indicação! Mas ouviste? Só lho dás quando chegares a Iniati; que eu não quero que ele me volte para trás e me venha fazer perguntas! Entendeste? Então abala, madraço, que o carrão come caminho!
Jim agarrou o bilhete e largou a correr. Daí a pouco o carrão sumiu-se por trás das colinas. E isto, em verdade, era tudo o que eu sabia a respeito desse sujeito Neville.
Mal eu acabara, o barão, sem hesitar, e com perfeita simplicidade, disse:
- Senhor Quartelmar, vim à África procurar meu irmão. Desde que alguém o viu, pondo-se em marcha para as serras de Suliman, o que devo a mim mesmo é marchar também para
esse lado. Pode ser que o encontre; ou que venha a saber que morreu; ou que volte sem nada saber, na antiga incerteza; ou que não volte, como o velho fidalgo. Em todo o caso o meu dever, desde que me impus esta tarefa, é tomar o caminho que meu irmão tomou. E agora pergunto eu: quer o Senhor Quartelmar vir comigo?
Também não hesitei. Foi logo, de golpe:
- Muitíssimo obrigado, senhor barão! Se tentássemos atravessar as cordilheiras de Suliman, ficávamos lá como os dois Silveiras. Eis a minha cândida convicção. Ora há em Londres um pobre rapaz que anda nos seus estudos, que é meu filho, e que me não tem senão a mim neste mundo. E por ele, se não já por mim, não me convém por ora morrer. Em todo o caso agradeço a sua lembrança. É de amigo!
O barão voltou-se para o seu companheiro, com um ar profundamente desconsolado, e que quase comovia naquele homem tão robusto e tão nobre. O outro murmurou:
- "É pena, grande pena!"
- Senhor Quartelmar! - exclamou então o barão. - Quando me meto numa empresa, tudo sacrifico para a levar a cabo. Eu tenho fortuna, uma grande fortuna, e necessito do seu auxílio.
O Senhor Quartelmar pode, portanto, pedir-me o que quiser pelos seus serviços, já não digo dentro do razoável, mas dentro do possível. Além disso, apenas chegarmos a Durban, vamos a um tabelião, e eu obrigo-me, por uma escritura, a continuar a educação de seu filho, no caso de lhe acontecer a si um desastre, ou a deixar-lhe uma independência, no caso de eu estourar também. Vê que estou pronto a tudo. Ainda mais. Se, por acaso, descobríssemos os diamantes, metade deles ficariam pertencendo ao Senhor Quartelmar, outra metade ao Capitão John. É verdade que nenhum de nós acredita nos diamantes, e, portanto, esta vantagem conta como zero. Mas podemos aplicar a mesma regra a ouro ou marfim, qualquer fazenda que encontrarmos. Finalmente, escuso de dizer que todas as despesas da expedição correm por minha conta. Creio que não posso fazer mais.
Eu olhava para ele, deslumbrado:
- Barão, essa proposta é a mais generosa que tenho recebido na minha vida! Mas também, que diabo, a empresa seria a mais arriscada em que me tenho metido... Preciso pensar. E antes de chegar a Durban eu lhe darei a resposta. Por hoje ficamos aqui.
- Ficamos aqui por hoje! - acudiu o capitão, erguendo-se, e respirando com alivio.
Com efeito era tarde. Dei as boas noites aos dois cavalheiros; e no meu beliche, até A madrugada, sonhei com o antigo Dom José da Silveira, com El-Rei Salomão, e com montões de pedras que reluziam no fundo de uma caverna.
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