(...) O homem senta-se na cadeira giratória, e corre um pano de cena
sobre o pobre espectáculo quotidiano. Apressa-se em sua imaginação através de
um relvado, penetra em fantasia no peristilo do casino onde há
invariavelmente quem se passeie em branda cavaqueira, dissertando sobre
viagens e investimentos, modelos de automóveis e moradias à venda. Põe a
girar o guarda-vento, e irrompe pelo hall, sentindo a alcatifa ceder
debaixo dos pés. Cumprimenta um funcionário e outro funcionário, não
atenta em quaisquer dos demais circunstantes, os quais são uma
dama gorda que esfrega a canela da perna, e um sujeito de cabeça oblonga e
calva que procede a minuciosas anotações numa agendazinha. Um casal de
meia idade quase esbarra com ele no limiar da sala onde fixou os olhos na
roleta que o há-de receber, mas não o perturba o incidente porque muito
mais empolgantes coisas o mobilizam. O homem acorda da sua divagação, e
lança uma mirada ao gabinete como se só agora o visse, paredes apaineladas a
castanho, debruadas por um fiozinho doirado que ele reputa de obviamente
pífio, gravuras românticas com panoramas da cidade, cinco diplomas e um
organigrama que nunca se incomodou em consultar. Acometeu a enorme
impaciência de ir à rua, de se meter no carro, e de arrancar para um sítio
público, o clube vazio a uma hora daquelas, e onde o novo barman teima em
tratá-lo sem que ele o desminta por «senhor engenheiro». O homem veste a
gabardine, cruza o átrio defronte dos aposentos do primo. Chegam-lhe
os fragmentos de uma conversa telefónica trepidante, «agência de câmbio»,
«é claro que não», «e quando foi isso?»,«não me diga!», «tem a
certeza?», «o senhor onde está?»,«nem me diga isso!». Bate com a porta
como que para anunciar que nunca mais o apanham nas imediações, nem sequer
tenta fazer uso do elevador, desce os cinco andares apressadamente pelas
escadas, tropeça diante da entrada num trolha que leva uma prancha ao
ombro. O homem corre para o parque de estacionamento, ofegante e
contendo se para não gritar, encaixa-se ao volante, e demarra, e arranca,
largando dois negros riscos de pneu no alcatrão. (...)
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