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MÁRIO CLÁUDIO.....
De
Mário Cláudio
«URSAMAIOR»
Lisboa, Dom Quixote, 1999
 

(...)    O homem senta-se na cadeira giratória, e corre um pano de cena sobre o pobre espectáculo quotidiano. Apressa-se em sua imaginação através de um relvado, penetra em fantasia no peristilo do casino onde há invariavelmente  quem se passeie  em  branda  cavaqueira, dissertando sobre viagens e investimentos, modelos de automóveis e moradias à  venda. Põe  a girar  o  guarda-vento, e irrompe pelo hall, sentindo a alcatifa ceder debaixo  dos  pés.  Cumprimenta um  funcionário  e  outro funcionário,  não atenta em quaisquer dos demais circunstantes,  os  quais  são   uma dama gorda que esfrega a canela da perna, e um sujeito de cabeça  oblonga  e calva  que procede a minuciosas anotações numa agendazinha. Um casal de meia idade quase esbarra com ele no limiar da sala onde fixou os olhos na roleta que o  há-de  receber,  mas  não  o  perturba o incidente porque muito mais empolgantes coisas o mobilizam. O homem  acorda da sua divagação, e lança uma mirada ao gabinete como se só agora o visse, paredes apaineladas a castanho,  debruadas  por um fiozinho doirado que ele reputa de obviamente pífio, gravuras românticas com panoramas da cidade, cinco diplomas e um organigrama que  nunca se incomodou em consultar. Acometeu a enorme impaciência de ir à rua, de se meter no carro,  e de arrancar para um sítio público, o clube vazio a uma hora daquelas, e onde o novo barman teima em tratá-lo sem  que  ele  o  desminta por «senhor engenheiro». O homem veste a gabardine, cruza o átrio defronte dos aposentos do primo.  Chegam-lhe os fragmentos de uma conversa telefónica  trepidante,  «agência de câmbio», «é  claro que não»,  «e  quando  foi  isso?»,«não  me  diga!»,  «tem a certeza?», «o senhor onde está?»,«nem me diga isso!».  Bate com a porta como que para anunciar que nunca mais o apanham nas imediações, nem sequer tenta fazer  uso  do elevador, desce os cinco andares apressadamente pelas escadas, tropeça diante da entrada num  trolha  que  leva  uma prancha ao ombro. O homem corre para o parque de estacionamento, ofegante e contendo se para não gritar, encaixa-se ao volante, e demarra, e arranca, largando dois negros riscos de pneu no alcatrão.  (...)