Complexo de Deus

 

ANTÓNIO JUSTO


“COMPLEXO DE DEUS”:
A ILUSÃO DA OMNIPOTÊNCIA E A DECADÊNCIA DA SOCIEDADE MODERNA

A sociedade contemporânea vive sob a ilusão de que o ser humano pode tudo e da crença no progresso. Essa crença na onipotência, que o psicanalista Horst-Eberhard Richter chamou de “Complexo de Deus”, não é apenas uma perturbação psicossocial, mas um fator central da decadência moral e cultural que vivemos hoje. Em seu livro “Complexo de Deus”, Richter descreve a civilização moderna ocidental como marcada por uma reivindicação de uma onipotência egocêntrica e quase divina, que ignora os limites da condição humana. Essa ilusão de grandeza, no entanto, é uma fuga frágil diante das crises que nos assolam. Donald Trump expressou de maneira extrema o narcisismo que se tem mantido encoberto nas nossas políticas de elites…

Os sentimentos de impotência, baixa autoestima ou problemas não resolvidos da infância podem resultar na superestimação das próprias capacidades, criando assim uma herança psicológica do chamado “complexo de Deus”. Este fenômeno leva ao dogmatismo das opiniões e à ilusão de infalibilidade, como se o próprio ponto de vista fosse o único correto. Essa postura impede o desenvolvimento do autoconhecimento e da autocompreensão. Uma convivência equilibrada com os outros promove uma avaliação realista de nossas capacidades e limites, em contraste com uma baseada em projeções idealizadas de si mesmo…

Em tempos de guerra, esse complexo se intensifica, fomentando uma mentalidade maniqueísta e dicotômica, em que tudo é limitado à alternativa “bem” ou “mal”…

Esse mesmo complexo também se manifesta nas relações interpessoais. Manter distanciamento emocional de pessoas que sofrem dessa ilusão de grandeza é essencial para evitar serem arrastados para a mesma inquestionabilidade que pode criar-se em ambientes tóxicos…

A ideia do “super-homem” de Nietzsche, embora fascinante, é unilateral e conduz ao sofrimento, pois desconsidera a dimensão humana da existência. Bento XVI, ao alertar sobre esse perigo, afirmou: “Onde a ação humana já não corresponde à existência humana, a verdade transforma-se em mentira”…

No passado, a sociedade contou com intelectuais que forneciam orientação e autoridade moral, muitas vezes em oposição aos governantes. Durante séculos, a Igreja desempenhou esse papel…

O extremismo narcísico apoiado pelo grande capital leva grandes potências à luta pela hegemonia e dificulta uma política de bem comum. Assim o que restará para o povo é o que fica dos militares e da luta das corporações econômicas entre si…

O desafio é substituir a ilusão de grandeza pela humildade de considerar nossos limites e agir em harmonia com os outros. A resposta à crise não está na subordinação de todas as ações à economia, como defende Trump, mas no resgate de uma cultura baseada no “nós”, que valoriza a compaixão, a reflexão crítica e o respeito pela condição humana (“amor ao próximo”).


António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=9943