Aqui cabe outra hipótese: qualquer idéia, por mais simples que pareça, jamais tem origem numa mente individual. Não existe nenhuma possibilidade de pensamento fora do pensamento coletivo. A mente humana é a inteligência factual atuando na inteligência física, fazendo interagir cérebro, repertório e volição auto controlada no que aqui se chamou de inteligência ficcional, como entrelaço de idéias.
As vozes que falam em nós, do contemporâneo, da cultura, dos antepassados, do outro e, em alguns momentos especiais, as vozes do futuro, remontam, uníssono, aquilo que acreditamos (e narramos) ser o Eu individual. A natureza da mente humana é o amalgama desta polifonia, entrelaçada caoticamente em redes partilhadas de saberes e práticas. A mente coletiva é a fina película que separa o ser humano do reino biológico, dando início à autofagia da informação, ou o quê chamamos de inteligência artificial ou design de relações.
Tornamo-nos onisciente e resolutos da nossa própria alimentação: além de onívoros, nos alimentamos com as idéias dos outros. A natureza partilhada da identidade é o fundamento da transmissão da cultura e da manutenção da tradição abstrata. Sabemos quem somos nós apenas por meio da existência do outro, que é o arauto da existência abstrata do coletivo tornada concreta em nós. Nosso ego é uma réplica imperfeita desta harmonia assíncrona. O ego é apenas um nó de rede, um ponto interconectado ao conjunto de pontos das redes de saberes e práticas passadas, existentes e porvir.
Não há saber sem a presença abstrata do outro, seja a presença de uma pessoa, coisa, idéia, possibilidade ou o rigorosamente desconhecido, que atua em nós como plataforma de lançamento para o saber prático. Portanto, a tele-presença - a presença o álter em nós - é fenômeno de natureza psíquica no interior das redes de saberes consolidados.
Costumamos confundir os conceitos de inteligência e ego. O primeiro diz respeito à natureza coletiva do saber objetivo ou inconsciente e suas réplicas abstratas, implantadas no indivíduo. O ego concerne à natureza subjetiva da inteligência, no que se refere à consciência da existência self, individual e solitária.
O termo inteligência está vinculado ao conceito geral de Ser, enquanto sujeito-meio. O termo ego vincula-se ao conceito particular de Estar, enquanto sujeito-fim. A inteligência tende à generalidade em perpétuo estado de ampliação e distensão da abstração, enquanto que o ego tende ao que de particular existe na generalidade: o perpétuo movimento de redução do abstrato em projeto de indivíduo, em volição. A natureza da inteligência é o sujeito como substantivo. A do ego é o objeto como adjetivo. O ego é desenho; a inteligência é desígnio e a mente coletiva é design de relações!
Embora ego e inteligência constituam-se no mesmo campo abstrato - a mente coletiva implantada no indivíduo -, os vetores de seus processos culturais são distintos. O ego tende ao pessoal, como produto. A inteligência tende ao inter pessoal como processo e a mente coletiva é design de sociedade como projeto.
O conceito de inteligência artificial, portanto, é relacional. Enquanto que a "mente" é repositório de todas as inteligências passadas, presentes e futuras, a "identidade" seciona a humanidade em grupos culturais e o "ego" distingue cada elemento particular deste ou daquele grupo. A inteligência artificial só possui sintaxe desprovida de semântica.
O conceito de inteligência coletiva é definido pela capacidade de aquisição de novos hábitos mentais, agregando valor à mente na interseção com as outras grandezas informacionais da cultura, da sociedade e do ecossistema. Implica na capacidade de tornar um hábito uma ferramenta de realização de ações coletivas por meio dele. É uma aplicação da vontade individual ao desígnio ou volição coletiva como revérbero do design de relações, tomado pela verdade. O hábito é o conjunto atuando no particular, seja velado no inconsciente, como prontidão da vigília ou simplesmente autômato.
O uso de talheres, por exemplo, não é um hábito individual, embora seja replicado pelo indivíduo particular. O hábito de usar talheres é ação coletiva pela qual se move a idéia social da metalurgia nas culturas ocidentais, como valor distintivo. A inteligência artificial aplicada à metalurgia se consubstancia uma tecnologia de natureza abstrata - a etiqueta alimentar - sacada no instante da realização do pensamento coletivo - a transformação do natural em artifício. O hábito é a parte abstrata que anima e baliza as técnicas, cuja lógica atua no campo material como somatória de estratégias (design de relações) aplicada às tecnologias, máquinas, equipamentos. Usar talheres, portanto, não diz respeito à vontade ou à volição. Refere-se à razão cultural da metalurgia consubstanciada e valorada no ego. Eu uso talheres. Portanto sou mais civilizado do que quem não os usa.
Quanto mais flexível e abrangente são os hábitos intelectuais, mais poderosas são as ferramentas da inteligência neles atuantes que, por sua vez, resultam ações tendentes ao conjunto de inteligências interconectadas. Uma ação inteligente, portanto, reverbera no social como capacidade de representação, de valoração e de distinção. É um projeto estratégico, ou uma espécie de aparelho, que interliga e entrelaça todos os projetos culturais disponíveis para o processamento da ação individual e coletiva ou o que chamamos de linguagem como produto. |