A descoberta de que a vida funciona por transmissão da herança biológica e que esta herança é armazenada no interior de unidades especiais - os genes -, aceleraram as abordagens das ciências da vida e da cultura a entender melhor nossa própria natureza. Em última análise, descobriu-se que a vida é essencialmente interação de energia e partilha informacional nela codificada.
Na base de tudo, até onde podemos inferir, somos feitos de redes de pontos de energia em perpétuo estado de codificação e transcodificação. Constatou-se que o gene é veículo de um conjunto de dados da memória biológica. Na interação com outro gene, essas memórias vão montando o quebra-cabeça da vida, retransmitida adiante por herança. Ao se misturar uns aos outros o gene vira um compósito que origina um terceiro elemento, numa infinita sucessão de fatos biológicos, articulados num moto-contínuo de comunicação, interação e translação informacional.
Quanto mais a genética investiga nossa natureza informacional, mais se constata a existência de uma complexa e misteriosa inteligência natural atuando sobre a matéria e as coisas. Ao intervir na matéria, esta inteligência informa e anima as estruturas inertes e lhes atribui a dimensão da reprodutibilidade informacional, isto é, agrega-lhes o valor da autogênese, fazendo diferenciar os seres das coisas.
Quanto mais avança a compreensão acerca do funcionamento desta misteriosa inteligência orgânica, dada à priori, que anima a natureza do ser, mais se constata que a cultura - a dimensão abstrata desta inteligência orgânica - funciona de maneira similar à rede informacional da vida física. Mas, para se compreender a natureza da cultura se faz necessário distinguir, filosoficamente, a sutil diferença da inteligência artificial em relação à inteligência orgânica, como desdobramento da autofagia simbólica replicada por autocontrole nos humanos.
A inteligência biológica define a natureza do ser. A inteligência artificial formata o estar na cultura, que nos aparta dos outros seres vivos e nos submerge noutra natureza: a construída. Sociabilidade, capacidade de representação e linguagem, construção intencional de ferramentas etc. não bastam para definir a capacidade de estar na cultura. Muitas espécies vivas, sobretudo os mamíferos, já demonstraram, ainda que precariamente, dominar alguns aspectos destas capacidades simbólicas.
Algo nos humanos acelera as capacidades de comunicação e processamento de informações nos fazendo transladar do campo da natureza física ao campo da natureza da cultura. O artifício em nos e uma sina. É justamente este algo que nos torna em parte animais, em parte humanos e em parte artificiais, fracionados e mesclados no caos desde a origem. |