NATURAL?! O QUE É ISSO?
ABERTO O COLÓQUIO
De 2.11.2003 a 21.05 2004
INICIATIVA DO PROJECTO LUSO-ESPANHOL
"NATURALISMO E CONHECIMENTO
DA HERPETOLOGIA INSULAR"
Subsidiado pelo CSIC (Madrid) e ICCTI (Lisboa)


powered by FreeFind

.

Natureza do risco alimentar
e cultura do acidente nutricional

Pedro de Andrade

.

Em Portugal, como noutros países, temos assistido a uma escalada preocupante de riscos de saúde. Hoje em dia, dois dos seus paradigmas mais relevantes são o risco alimentar e o acidente nutricional . Face a esta situação, desenvolveram-se, paulatinamente, diversas formas de participação e de consciência cívicas colectivas, menos ou mais apurada s. No entanto, em vez de uma cidadania do consumo plena, resvala-se, amiúde, no consumo acrítico da própria cidadania. Para que tal não aconteça, é necessária não apenas a formação para a participação, mas uma participação informada.

Ulrick Beck alega que a 'produção de riscos' emerge como a lógica central das nossas 'sociedades de risco', superando mesmo a própria produção de riqueza. Nesta ordem de ideias, uma das configurações mais alarmantes da contemporaneidade, para nós, consiste no risco alimentar.

De seu lado, Paul Virilio advoga que o acidente não encerra um carácter de excepcionalidade, mas coincide com a própria normalidade das actuais sociedades tecnológicas. Por outras palavras, Virilio fala não de acidentes possíveis do futuro, mas dos acidentes altamente prováveis no presente. Também neste caso, resta saber se o 'acidente integral' para o qual Virilio nos alerta não passará, pelo menos parcialmente, por aquilo que nomearemos acidente nutricional, emanado do risco alimentar que se insinua nas nossas sociedades arriscadas.

Assim sendo, observemos rapidamente o que se passa no campo da saúde, e no caso específico das bebidas e das comidas. No que toca as bebidas, sensivelmente 80% da população americana consome cafeína diariamente, o que a torna uma das mais populares substâncias viciantes. O seu consumo anual ascende a 100 000 toneladas. Contrariamente ao que se pode pensar, a cafeína não se encontra apenas no café, mas igualmente no chá, em bebidas gaseificadas, e em produtos achocolatados. Para além disso, revela-se um ingrediente de variados remédios e fortificantes.

Mas o maior efeito das bebidas na saúde é proporcionado, sem dúvida, pelo álcool. Esta substância e outras, como o tabaco, funcionaram, tradicionalmente, como 'drogas legais' no Ocidente. Um estudo central sobre o alcoolismo é o painel de 655 indivíduos levado a cabo nos EUA, nos últimos 60 anos, desde 1940 até hoje, pelo SAD ( Harvard Medical School's Study of Adult Development ). Outras análises apenas efectuaram observações até 8 anos de acompanhamento. Aquela pesquisa incidiu sobre jovens que nunca tinham manifestado sinais de alcoolismo até à data de início da investigação, seguindo-os durante a sua vida, em termos de comportamentos de bebida ocasional, excessiva e crónica, quanto às mudanças dos modelos de beber ao longo de décadas, etc. Estes efeitos do álcool associam-se a actividades ou fenómenos vizinhos do consumo de bebidas, antes de mais as desordens na alimentação.

E, nesta área dos alimentos, especialmente no que toca as comidas rápidas, por exemplo a DECO tem sublinhado o abuso de sal nas pizzas e a falta de higiene das saladas, que constituem um perigo, por vezes imperceptível, para o consumidor. Por outro lado, em torno do fast food, existem grandes quantidades de gorduras em alimentos como os aperitivos, as batatas fritas, os bolos e as bolachas, e algumas delas de má qualidade, por ex. no óleo de palma, que contribui para o colosterol.

Tais descuidos microssociológicos de higiene privada prendem-se com problemas de saúde pública abrangentes. Aquele mais mediático foi a 'questão das vacas loucas', que desencadeou uma situação de risco alimentar e de acidente nutricional sem precedentes nas últimas décadas, na Europa.

Neste contexto de derrapagem sanitária, a regulação governamental, a nível europeu ou nacional, tem tido uma eficácia algo limitada, nas várias fases do ciclo sócio-económico. Por exemplo, as medidas centradas na produção prevêem a retirada de apoios aos criadores de gado bovino, o que, em contrapartida, pode engendrar uma crise ainda mais aguda no sector. As iniciativas de controlo da distribuição e comercialização estipulam a supressão, na cadeia alimentar, da coluna vertebral dos bovinos e da carne das carcaças. Na etapa do consumo, uma das mais importantes acções foi a introdução de um rótulo onde consta a origem do animal e os locais de abate e desmanche, na União Europeia. Em Portugal, o regime entrou em vigor em 15 de Janeiro de 2001, regulado pelo Decreto-Lei nº 323-F/2000.

Contudo, se bem que a crise das vacas loucas se encontre em relativa regressão, o problema apresenta-se mais amplo, inserindo-se numa verdadeira conjuntura de crise do consumo em geral e de crise alimentar em particular, a desenvolver noutra ocasião. Entretanto, uma coisa é certa: parece-me que não basta consumir cidadania, o que não nos apoda necessariamente o rótulo de consumidores formados e informados, mas é preciso enveredar, no mais curto prazo possível, por uma verdadeira cidadania do consumo.

 
.