NATURAL?! O QUE É ISSO?
ABERTO O COLÓQUIO
De 2.11.2003 a 21.05 2004
INICIATIVA DO PROJECTO LUSO-ESPANHOL
"NATURALISMO E CONHECIMENTO
DA HERPETOLOGIA INSULAR"
Subsidiado pelo CSIC (Madrid) e ICCTI (Lisboa)


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O ESOTERISMO NA HISTÓRIA NATURAL
Maria Estela Guedes

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Parece que, como hoje, ao paiz, Encoberto collectivo, uma densa nuvem de hypocrisia, de contorno a verdade e a ficções, a mythos e a positividades, dominadora e vasta, adensando-se e especificando-se na medida de transcurso historico, por então se sobrepunha e impunha.
Bruno, "O Encoberto", 1904

A claridade, Protarco, ser-te-á dada pelas letras do alfabeto.
Platão, "Filebo"

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O ENCOBERTO
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Na sequência da minha investigação sobre o texto de História Natural, uma vez detectada nele a marca maçónica (1, 2) e a irrupção do sinal do Encoberto (3), é sem surpresa que vemos surgir o grande esoterista, Sampaio Bruno, em diálogo com a malacologia portuguesa (4). Mas não terá sido Newton, o da Física, motivador de uma religião que levou os seus fiéis a propagarem pelos filhos o nome "Newton"? Não será o positivismo ainda hoje uma igreja? Não procederá certa escola de naturalistas, hoje também, como devota de uma entidade intestável, a selecção natural ou acaso ?

Nada disto nos espanta, sim que esta última escola não só ignore o seu passado como cegue para um presente que, se vai já nos transgénicos, é por ter uma encoberta e longa história de experimentação em campo - e não apenas no laboratório das ilhas - no âmbito do estudo da introdução de espécies e das alterações dos caracteres nos híbridos. Pois se perguntarmos quem tem beneficiado das experiências, o dedo aponta um só herdeiro, a Genética. E se perguntarmos qual o móbil, uma das respostas está no povoamento de regiões pobres com espécies destinadas à alimentação do homem ou à alimentação de espécies de que o homem se alimenta. Essa é uma prática habitual da agricultura, piscicultura, pecuária, ostreicultura, etc.. As espécies de que nos alimentamos, desde os morangos às trutas e aos coelhos, são fruto de laboriosa e múltipla selecção artificial. No caso dos moluscos, Augusto Nobre, no seu catálogo dos da região de Coimbra (5), vai advertindo que não havia nela muitas espécies. Na Serra do Buçaco, quase nenhuma, apesar de todas as condições para ali viverem os moluscos. Só uma espécie de Unio descobrira no Mondego. A sua lista é de 74 espécies em 28 géneros, e inclui Aveiro na região explorada, apesar de afastado de Coimbra, como ele mesmo afirma. A. Luso da Silva refere que nas colecções do Porto os moluscos terrestres e fluviais faltavam completamente - à excepção do colégio de Nossa Senhora da Guia, onde "aparent rari nantes. .." -, o que o levava a crer que as pessoas os não conheciam (6), maneira de dizer que nunca os tinham visto, e se nunca os tinham visto é porque por ali não existiam. Em suma: a pobreza faunística era grande, houve que a enriquecer.

Não é natural, sim espantoso ainda, que essa história oculta da História Natural, sendo oculta para esta escola de naturalistas, se revele no seu próprio texto, que o autor não tem consciência de ser literário, se revele no consciente texto literário de poetas que simultaneamente são naturalistas, como A. Luso da Silva, nas paródias dos que sabem a história toda e sob forma de paródia a transmitem, e nas palavras iluminantes de um homem que nem é poeta nem naturalista, sim um filósofo heterodoxo, intérprete de símbolos, ligado ao lado oculto da linguagem, como é Sampaio Bruno. Que Sampaio Bruno saiba da malacologia portuguesa o que muitos malacologistas actuais não querem saber, e o revele em texto de crítica literária, eis um fenómeno que nada deve ao sobrenatural, sim à sua convivência com autores de uma história muito antiga, narrada numa língua em que Amor, lida a palavra anagramaticamente, significa "não a Roma". E então Encoberto não é o naturalista cujos dados biográficos se duplicam, contradizem, mitificam, como no caso do malacologista Augusto Nobre, em que teve por companheiros de iniciação na zoologia experimental falsos professores como Francisco Newton e Isaac Newton (7), que certamente eram mestres noutro sentido que não o institucional, nem aquele outro malacologista de quem se desconhecem os mais básicos elementos de identificação, José da Silva e Castro, sim o texto colectivo da História Natural. Seguimos assim o rumo de Sampaio Bruno, ao deslocar de D. Sebastião para Portugal a temática do Encoberto. Uma História Natural a desempenhar o papel do Encoberto significa que a fauna actual, se não corresponde à passada, ainda menos corresponde à que se espera venha a revelar-se no futuro. É de uma História do Futuro que estamos então a tratar, e sem ser sibila esta profecia enuncio: ainda vão aparecer muito mais espécies novas para a ciência do que aquelas que já inesperadamente apareceram.
 

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OS SINAIS
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Os sinais desta história são as gralhas, já o sabemos, aves sagradas, que dizem a verdade apesar do erro. Mas um erro como situar Coimbra no Douro não é um sinal esotérico. Esotérico é buscar o 3 ou o 33 de páginas ou figuras para lhes acrescentar mais 3, ou o 2, ou o 22, outra versão do 2 como 33 o é do 3 ou do triângulo, as mais típicas assinaturas maçónicas. O 2 é o símbolo da mais radical das divisões, distingue o criador (naturalista), da coisa criada por ele, a espécie nova. É ainda o duplo, o dualismo, a dualidade, a dupla corrente genética de uma nova espécie criada a partir de duas diferentes. E 22 é o número de letras ou de caracteres do genalfabeto que fornece a chave para decifrar certos enigmas, como ensina António Telmo na sua "Gramática Secreta" (8).

A gramática é um instrumento fundamental na escrita do naturalismo, ela apresenta versões desviantes, outras cujo funcionamento é simbólico, apesar de não registadas por peritos como Bruno e António Telmo, no que diz respeito à portuguesa. Penso na acentuação usada por Júlio Henriques, no texto sobre São Tomé (9), e refiro-me apenas ao acento circunflexo em palavras como "ninguêm", "porêm" ou "alêm". Este acento equivale a uma assinatura maçónica, é uma variante do 3, do triângulo, do A ou dos .'. (três pontos). Mas Júlio Henriques, botânico, recorre a outros sinais na sua raiz (ou prancha ) sobre São Tomé, que nos levariam a inverter alguns dos apontados, substitundo o A por um V, por exemplo. Não se trata agora de caracteres gramaticais, sim de um tema recorrente em textos de outros naturalistas, um topos em sentido literal, visto que implica um lugar, uma topografia. É a choça, cabana ou barraca, improvisada ou não, mas geralmente "barraca improvisada".

A choça, a barraca e a alta venda designam os tipos de agremiação na Maçonaria Florestal, também conhecida como Carbonária, como explica José Brandão: a choça é um núcleo de 20 carbonários, divisível em canteiros de 5 primos, a barraca um núcleo de 20 chefes de choça, e a Alta Venda a instância de cúpula (10).

Por falar em primos, homólogos dos bons irmãos da Maçonaria da Pedra, recordo um pormenor interessante da história do Dodó (11). Althman escreve ao irmão, dizendo que envia uma prenda para as filhas do irmão, que se esperava fossem genética ou hereditariamente suas sobrinhas, mas não, as filhas do irmão são primas. Cito-me: "... Emmanuel Althman, quando escreve ao irmão, a avisar que envia da Maurícia uma estranha galinha e umas contas para as primas, filhas do seu most loving brother: of mr perce you shall receue a iarr of ginger for my sister: some beades for my Cosins your daughters: and a bird called a DoDo . "

Chamar primas às sobrinhas só se entende como fórmula de tratamento na Carbonária, essa Maçonaria da Madeira que tem na árvore a sua matéria-prima, e por consequência a sua simbólica fundamental, passível de se exprimir em contas, se acaso as contas fossem sementes ou de madeira. Aos irmãos também aparecem alusões, como no citado artigo de A. Luso da Silva, ao dizer que o seu irmão tinha descoberto certa espécie de molusco. São elementos literários inscritos no discurso científico, que em princípio exclui informações familiares.

A barraca aparece sobretudo nos relatos de explorações africanas, e em especial quando há uma ascensão a uma montanha. No texto de Júlio Henriques, que subiu ao Pico de São Tomé, a cabana lá está, meio arruinada, talvez porque a iniciação se fazia, nos tempos românticos, junto de ruínas, segundo José Brandão, e também no cemitério dos Prazeres. Aparece uma barraca improvisada no relato que Gestro faz da chegada de Leonardo Fea ao Ilhéu Raso, em Cabo Verde (12), vários relatores da famosa ascensão de Newton ao Pico de Clarence mencionam "a choça dos bubis" (13), mas o mais impressionante exemplo deste topos encontra-se no relatório da "Missão Zoológica da Guiné", de Fernando Frade (14), em que toda a construção precária e pré-fabricado são designados como barracas e barracas improvisadas, e isto num país quase totalmente plano, e nos anos 40, quando, do ponto de vista histórico, a C'.'P'.' (Carbonária Portuguesa) estava já extinta.

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Pormenor de credencial da Carbonária Portuguesa. In: José Brandão, "Carbonária"
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A LENDA OU NARRATIVA
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A partir do momento em que eu mesma, não pertencendo a nenhuma ordem, marco os meus textos e alheios com sinais maçónicos e retransmito informações no código secreto em que as recebi, tenho de perguntar se todos estes naturalistas eram maçons, e em especial carbonários. E a resposta é não, apesar de poder ser sim. Uma das minhas maiores surpresas foi verificar que a Carbonária está viva, funciona, pelo menos funcionam os portais a que às vezes recorro, sem grande resultado para a investigação, pois a Carbonária é uma organização das mais secretas que há, dela pouco de fundamental transpira, mas é animador receber simpáticas respostas dos chanceleres a dizer "Como sabe, não podemos falar, apesar do nosso grande desejo de colaboração".

A questão é que não interessa, ou cheguei a uma fase do meu trabalho em que deixou de ser importante identificar pessoas e organizações. Mais importante é a narrativa colectiva que subjaz aos textos dos naturalistas e evidenciar nela essa anomalia: a presença do literário e do esotérico nos antipodas da sua pátria natural. Esta narrativa é romântica. Todos os protagonistas combatem por um ideal, uma utopia, a da ilha afortunada, de governo perfeito, científico, numa terra em que correm o leite e o mel, onde não há fome, onde a Primavera reina todo o ano, e há muitos frutos maravilhosamente exóticos, etc., estou a lembrar-me de um naturalista inglês do século XIX que veio a Portugal fazer um catálogo de aves, e então deslumbra-se com o nosso país tão encantadoramente exótico, tão cheio de hibiscos.... Uns chamam-lhe Avalon, outros Atlântida, e outros, República.

Os guerreiros do ideal usam máscara, esta narrativa é rica em misteriosas personagens e misteriosas localidades como Coimbra no Douro, Caconda no Rio Cacine, e misteriosos cursos de água como o Rio Matosinhos. Alguns heróis desafiam os elementos para treparem aos píncaros de montanhas muito mais altas que o Everest, passam por uma choça, atravessam um regato cantarolante, descansam à sombra de uma árvore frondosa, mais além há um planalto coberto de flores de altura que exalam perfumes inebriantes, a seguir encontram bandos de pássaros de mil cores que chilreiam em melodiosas vozes, atravessam passagens estreitíssimas entre rochedos abruptos do alto dos quais se vislumbra o mar, ao fundo de um terrível abismo. Avistam hipopótamos em lagos de montanha e macacos de diversíssimas espécies em ilhas vulcânicas, e nem isso os detém. Chegam ao cume derreados, mas não largaram pelo caminho o altar portátil, rezam a missinha junto ao céu, erguem ali o mais santo de todos os monumentos, a sagrada cruz, feita de uma árvore de madeira vermelha que eles mesmos abateram para o efeito com o machado. Encontram no topo da montanha uma garrafa com uma mensagem dentro, tiram a mensagem, depositam a sua, na esperança de que o próximo possa passar o mesmo testemunho. Creio piamente que essa tradição do montanhismo foi transmitida aos náufragos, pois bem sabemos que é dentro de garrafas que enfiam os seus S.O.S..

É sobre esta narrativa, com mais ou menos episódios e variantes, que se inscreve o prosaico catálogo das aves, moluscos, crustáceos ou mamíferos coligidos durante o que pode não ser um percurso iniciático real, mas é a paródia de uma iniciação narrada como conjunto de sinais secretos para quem a quiser transpor para o mundo do natural - se natural existe ainda, porque, se existe, não é no campo e ainda menos na literatura científica.

 
Notas
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(1) GUEDES, Maria Estela & Nuno Marques Peiriço (1998) - Carbonários: operação salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864. Palmela: Contraponto. 129 págs. Em linha em http://hybris.no.sapo.pt/ ; http://triplov.com ; http://gralhas0.tripod.com/

(2) GUEDES, Maria Estela - Cartas de Rosa de Carvalho: há uma ciência maçónica? Comunicação apresentada ao IV Colóquio Internacional "Discursos e Práticas Alquímicas", Convento dos Cardaes, Lisboa, 2002. Em linha:
http://www.triplov.com/coloquio_4/meg1.htm

(3) GUEDES, Maria Estela - Série de editoriais sobre Augusto Nobre, A. Luso da Silva e José da Silva e Castro. Em linha: http://www.triplov.com/hist_fil_ciencia/augusto_nobre/meg.htm ; http://www.triplov.com/hist_fil_ciencia/augusto_nobre/luso_nobre.htm http://www.triplov.com/hist_fil_ciencia/luso_da_silva/guedes.htm http://www.triplov.com/editorial/mask_ciencia.htm

(4) SAMPAIO (BRUNO), José Pereira de (1907) - Prefácio a "Últimos Versos", de Augusto Luso da Silva, Porto.

(5) NOBRE, Augusto (1885) - Catalogue des Mollusques des environs de Coïmbre (Portugal). Mémoires de la Société Royale Malacologique de Belgique, XX.

(6) SILVA, A. Luso da (1868) - Molluscos terrestres e fluviaes de Portugal. Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, Academia Real das Sciencias de Lisboa, II (6): 155-156. Em linha:

http://www.triplov.com/hist_fil_ciencia/luso_da_silva/mollusca/mollusca_01.htm

(7) Biografia de Augusto Nobre na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

(8) TELMO, António (1981) - A gramática secreta da língua portuguesa. Guimarães Editores, Lisboa.

(9) HENRIQUES, J. (1917) - A ilha de S. Tomé sob o ponto de vista histórico-natural e agrícola. Bolm Soc. Broteriana, 27. Fragmentos em linha: http://www.triplov.com/zoo_ilogico/sao_thome/FrameSet.htm

(10) BRANDÃO, José (1984) - "Carbonária. O Exército secreto da República". Perspectivas & Realidades, Lisboa, 90 págs.

(11) LEGUAT, F., Maria Estela Guedes & Nuno Marques Peiriço (2001) - Do Dodó à Fénix. In: "Discursos e Práticas Alquímicas", vol. I. Hugin Editores, Lisboa. Em linha: http://www.triplov.com/dodo/index.html

(12) GESTRO, R. (1904) - Leonardo Fea ed i suoi viaggi. Cenni biografici. Annali dei Museo Civico di Storia Naturale, Genova, (3) I: 41.

(13) GUEDES, Maria Estela - Francisco Newton, Cartas da Nova Atlântida. Em linha: http://www.triplov.com/newton/index.htm

(14) FRADE, F. Amélia Bacelar & Bernardo Gonçalves (1946) - Relatório da missão zoológica e contribuições para o conhecimento da fauna da Guiné Portuguesa. Separata dos Anais da Junta de Investigações Coloniais, Lisboa, Vol. I. Trabalhos da Missão Zoológica da Guiné (1-5): 259-416. Em linha uma parte em que repetidamente se usam sinais esotéricos: http://www.triplov.com/hist_fil_ciencia/bissau/index.htm

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