DO USO DA BALANÇA NA ALQUIMIA Abstract The never-ended use of balances is shown in the weighing of souls at the entrance to heaven and representations of that function abound in Egyptian tombs. However, on the landing between heaven and earth, in the alchemist’s workshop, balances also existed and occupied a central place. The progressive knowledge of gases and the study of many reactions were possible with such instruments. Paracelsus (1493-1541) understood that tin, when burnt, increased in weight since the sulphur principle was superseded by the salt principle and the metal was reduced to ashes. The balances were an accomplice of this explanation and supported the partisanship of the vitalist and naturalist philosophy of explaining the cosmos between the fifteenth and seventeenth centuries and defended by Paracelsus and other renowned alchemists. The phlogiston of Stahl become, from 1703 onwards, the basis of a new theoretical system for explaining all phenomena, as a principle of lightness, and which was to last practically throughout the eighteenth century. Now, the balances in the alchemists’ workshops detected the absence of the phlogiston by the increase in weight indicated by the balances when burning took place. This, then, was the result of the metals losing their phlogiston and as this is a principle of lightness, the balances become unbalanced in the sense of sensing its vital absence and indicating the additional weight of the matter lying mortified by combustion. Only in the eighteenth century with its technical improvements and theoretical demands, did it become absolutely necessary to have a strong mastery of the quantities of matter taking part in chemical reactions and implied measuring them to a high degree of precision and rigour. The balances consequently become one of the most expensive instruments in a laboratory. Fortin and other engineers and technicians made many different and sophisticated balances, some of which were paid for by Lavoisier at prices which were intolerable for anyone who did not invest his whole personal fortune in the laboratory. We have indeed come a long way in the company of the balances, since air become a mixture of gases, since oxygen and hydrogen become elements and water a compound and also since the principle of mass conservation become central in chemical knowledge. Sobre a Balança Na lenda da constelação de Balança, Nuno Crato (2001) no seu livro “Zodíaco: Constelações e mitos” conta que os homens conviviam com os deuses, que lhes ensinavam a colher frutos e os iniciavam nas artes. Não havia preocupações, não havia pressas nem disputas, nem tribunais, nem polícias, nem guerras... Dice, deusa da justiça, filha de Crono, espalhava benesses entre deuses e homens. A deusa da justiça, tinha a balança sempre equilibrada, pesando o bem e o mal e assegurando que o bem teria mais força. Com a sua balança, pesava os prós e os contras de cada decisão, e homens e deuses seguiam as suas recomendações. Os deuses, contudo, não sabiam viver em paz e ao verem as guerras dos deuses, os homens pensaram que nada estava seguro e começaram a procurar armas para se defenderem uns dos outros. Pouco tardou que se envolvessem também em guerras. Dice, a deusa da justiça, abandonou a Terra e refugiou-se nos céus. Ainda hoje lá está, entre as constelações de Virgem e de Escorpião. Nas noites escuras pode ver-se a sua balança, com os pratos arrumados e inúteis, à espera de uma nova idade de ouro. A justiça está também associada à deusa Temis, filha do Céu e da Terra e amante de Júpiter. Embora altiva e orgulhosa, era respeitada por todos os deuses e as suas opiniões eram sempre acatadas. Os pratos iguais da balança de Temis indicam que não há diferenças quando se trata de julgar os erros e as virtudes e também não há diferenças nos prémios e castigos. O vocábulo themis significa “bom conselho”, que inspira a decisão prudente. São muitas, e muito belas, as representações da constelação de balança em cartas celestes . Bem, os homens terão então decidido escolher a balança para símbolo da sua própria justiça humana. E nas nossas casas, ou palácios, da Justiça as representações de Dice ou Temis com a sua balança marcam sempre presença. Supostamente, muito depois disso, escolheram-na também para símbolo da economia: balança de pagamentos, balança de transações... Mas, se o mundo dos homens não é justo e as balanças económicas também se desequilibram com frequência, resta continuar a confiar nas divindades e na justiça divina que, desde sempre, pesam as almas à entrada para o paraíso. Nos túmulos egípcios, por exemplo, não faltaram representações de cenas de pesagem das almas humanas, por parte dos deuses. No princípio, a avaliação do peso deve ter sido feita através de uma simples avaliação à mão. Os homens decidiram, então, construir tais instrumentos para pesar/comparar todo o género de mercadoria e a balança materializou-se. Primeiro, com o auxílio de uma vara suspensa pelo meio. Depois, dois pratos, um travessão e um fiel. A primeira balança conhecida figura, efectivamente, nos frescos da pirâmide egípcia de Sakkarah (2800 a.C.). As esculturas e os frescos egípcios, mesopotâmicos, gregos, romanos, dão-nos muitas outras imagens de balanças. “A faculdade de pesar, e também de medir e de contar, permite ao espírito humano libertar-se das aparências sensoriais”, teria dito Sócrates. Contudo, o seu autor e os seus contemporâneos raramente terão posto em prática o acto de pesar. Então, na antiguidade não se media e não se pesava? Certamente, mas não os produtores do pensamento científico. Os comerciantes e os camponeses medem as capacidades e, sobretudo, os pesos dos produtos trocados e vendidos (Rosmorduc, 1983, 52). Havia unidades de peso muito díspares, diferentes de região para região, de mercadoria para mercadoria. Homero evoca diferentes grandezas e aquilo que podemos chamar as suas unidades de medida. E para o peso refere o talento (cerca de 30Kg). Mas a definição de grandezas e a sua determinação quantitativa não participam na elaboração científica. A mesma pulverização de unidades de medida acontece na Idade Média, aplicadas principalmente no domínio estritamente económico e algumas tentativas vãs de unificação têm a ver com a vontade de facilitar as trocas comerciais. Em França, algumas tentativas foram feitas com Carlos Magno, Carlos o Calvo e Filipe o Belo (Rosmorduc, 1983; 52). O percurso da Alquimia à Química A química da pré-história e da antiguidade é essencialmente uma técnica de fabricação de cores, principalmente de certos alimentos (por exemplo, bebidas fermentadas), de certos medicamentos, do vidro, do sabão, dos perfumes, de preparação dos metais... são conhecidos certos produtos, como por exemplo, o enxofre, a cal... Paralelamente surge a reflexão sobre a matéria, a sua natureza, as suas formas, as suas transformações. A técnica é obra dos artífices, a segunda, dos filósofos. No final da antiguidade a síntese dá-se num sistema esotérico, encarnação química do pensamento mágico, a alquimia. O personagem que se intitula alquimista, e de que um dos fins pretendidos é a transmutação em ouro dos metais não nobres é, ao mesmo tempo, mais ou menos curandeiro, mágico, astrólogo... Independentemente das considerações místicas de que ele rodeia as suas práticas, acontece-lhe, pelo menos em certos casos, tomar notas das suas observações, no quadro das suas ideias. Acontece-lhe contribuir para a elaboração das técnicas de fabrico deste ou daquele produto. Com uma interpretação marcada pelo pensamento mágico, participa na progressão do conhecimento.
A existência de uma "Química" justifica-se pelo facto de as qualidades se poderem substituir, num elemento, pela qualidade oposta. O ar transforma-se em água, se o quente é substituído pelo frio. Nesta explicação, os elementos não são imutáveis e é possível, partindo de várias substâncias, obter outras completamente diferentes, sem que restem quaisquer traços das primeiras.Aristóteles não passou de interpretações, sem nunca ter realizado qualquer experiência. Portanto, não teria usado a balança. No sentido da implicação de uma prática, Zózimo (séc III dC) é habitualmente considerado o pai da Alquimia. Baseando-se em concepções próximas das de Aristóteles, teve, por exemplo, e como pensava, a confirmação experimental de que água aquecida num recipiente aberto se reduz a uma exalação que se mistura com a atmosfera e deixa no fundo uma terra branca, pulverulenta, de tal modo que a conclusão de que a água se transforma em ar e terra, era inevitável. Dispensa a balança nesta constatação. Mas pode tê-la usado. Conhecem-se representações de Oficinas de alquimistas em que a balança figura entre os instrumentos em uso.
Paracelso abandonara os quatro elementos de Aristóteles substituindo-os por três princípios, que associam ao mesmo tempo a antiga ideia de elemento e de qualidade. No seu quadro de explicações, o princípio enxofre é substituído pelo princípio sal e o metal morre deixando cinzas. Como um corpo morto que jaz imóvel, a matéria torna-se mais pesada depois da calcinação. "Aqueça-se essas cinzas com algum fermento (entenda-se carbono) e volta a obter-se o metal primitivo graças ao fermento, símbolo da ressurreição" (Reichen, 1966, 26-30). Ou seja, a balança pode então dar conta da revitalização pela diminuição da massa. Na opinião de Paracelso, contudo, a alquimia não devia ter como única finalidade a transmutação dos metais, mas também a descoberta de remédios que permitissem aliviar os sofrimentos da humanidade (Reichen, op. cit.). A preparação dos remédios exige pesagens muito atentas. Paracelso estudou na universidade de Montpellier, vagueou entre Bolonha e Pádua, Espanha e Portugal, antes de viajar para Inglaterra. Clamou pela necessidade de experimentação (Jaffe, 1967, 26). Considerava que as mudanças que ocorrem no corpo são químicas, as doenças devem ser tratadas pelos químicos, a vida é essencialmente um processo químico e o corpo um laboratório no qual os princípios do mercúrio, sal e enxofre se misturam e reagem para trazer a doença ou a saúde. Publicamente a sua posição era de que "o verdadeiro uso da Química não é fazer ouro mas preparar medicamentos", contudo, em privado, tentaria preparar ouro alquímico (Reichen, op. cit., 30). Pela mesma altura, a prática química em Portugal, ao serviço da medicina e da farmácia, era influenciada por Fioravanti, com João Bravo Chamisso, no seu tratado De Medendia Corporis Malia, a considerar a alquimia como "parte integrante da cirurgia", e Duarte Arraes, no seu Tratado dos Oleos de Enxofre, em que cita Paracelso e Arnaldo Vilanova. Sabe-se ainda que, no século XVI-XVII, Frei Vicente Nogueira (1586-1654) possuia uma biblioteca recheada de preciosos tratados alquímicos, com obras de Hermes Trimegisto, Raimundo Lullio, Basílio Valentino e do próprio Paracelso, que a Inquisição terá apreendido e queimado (Amorim da Costa, 1992, 157-158). Firmar uma teoria: Stahl e a teoria do flogisto É ainda dentro do vitalismo de Paracelso, que, no século XVII e início do século XVIII, algumas explicações de certos fenómenos químicos se assumem (Amorim da Costa, 1987). A balança alimentava as idéias partidárias desta Filosofia vitalista e naturalista defendida por Paracelso e outros alquimistas de renome. A atenção volta-se então com mais interesse para a natureza do fogo, do ar e dos demais elementos, deixando-se arrastar, com naturalidade, para os problemas mais profundos sobre a natureza da combustão. Becher (1635-1682) dá um passo muito decisivo. As suas obras Oedipus Chimius (1664) e Physica Subterranea (1669) rapidamente se impõem como dois textos base sobre os elementos, os princípios e os processos químicos. Nelas, Becher rejeita a doutrina corrente relativa aos quatro elementos de Aristóteles, afirmando que o fogo não é um verdadeiro elemento e considerando que os princípios elementares de todas as coisas são o ar, a água e a terra. Porém, destes três, mais do que elementos constitutivos, o ar é, antes, um instrumento de mistura e, portanto, os elementos que são realmente base de todas as coisas materiais são a terra e a água. Considerando as diferentes propriedades dos metais e outros minerais, Becher foi levado a admitir três tipos de terra: uma que explicasse a substância, outra, a sua cor, e uma terceira, a sua subtileza, odor e peso. Na natureza existiriam, pois, uma terra vitrescible, uma terra pinguis e uma terra fluida. A terra pinguis, herdada do enxofre ao qual os alquimistas e Paracelso destinavam um papel importante na natureza, é susceptível de desaparecer inteiramente nas combustões. Tratando-se de um princípio de leveza a balança podia confirmar tal ocorrência pelo aumento da massa. A Physica Subterranea de Becher fascinou particularmente o químico alemão George Stahl (1660-1734) que a considerou um dos mais importantes textos químicos que já haviam sido escritos. Stahl analisou-a com cuidado, e reeditou-a em 1703, incluindo um longo comentário de sua autoria, sob o título Specimen Beccherianum. Stahl identificou a terra pinguis de Becher, uma terra gordurosa, oleosa, e combustível, com o princípio sulfuroso de Paracelso, responsável pela combustibilidade dos corpos em cuja composição entre. E, na sequência da tradição alquímica, chamou a essa terra flogisto (Amorim da Costa, 1988). Não se trata, para ele, de uma substância mas de um princípio, o princípio do fogo ou fogo princípio. Não é o fogo material, que se vê quando um corpo arde. Embora o querendo negar, a influência do aristotelismo faz-se sentir aqui. O princípio do fogo é qualquer coisa como o fogo em potência, sendo o fogo real, então, o fogo em acto. Todo o corpo susceptível de combustão contém flogisto e, quando arde, o flogisto escapa-se. Muitas vezes se constata, nestes casos, através da balança, um aumento de massa. O flogisto não é uma matéria ponderável mas um princípio de leveza e ao escapar-se deixa o corpo mais pesado. Este flogisto tornou-se a base dum novo sistema teórico explicativo de todos os fenómenos químicos que logo se constituiu na teoria verdadeiramente compreensiva que dominaria ainda durante quase todo o século XVIII. A combustão é o resultado de os metais perderem o seu flogisto. O sistema conceptual de Stahl era, então, muito amplo e providenciava um quadro explicativo para muitos fenómenos importantes. O flogisto seria como que o princípio vital dos metais: tal como acontece quando o princípio vital de um ser vivo se escapa, o deixa mais pesado, jazendo imóvel sobre a terra, assim acontece na calcinação dos metais. Calcinar, mais não seria do que mortificar (influências do vitalismo). Em 1694, Stahl aceitou uma cátedra da nova universidade de Halle. Foi médico do rei da Prússia e membro da Real Academia. Escreveu 240 obras de Química e Biologia (Barreira, s.d.). A sua teoria conseguia explicar certos aspectos do comportamento químico das substâncias e chegou a conquistar numerosos adeptos entre os químicos da época, alguns deles, justamente famosos, como Cavendish, Scheele, Priestley e outros. Aliás, como aponta Rosmorduc (1983, 112), a teoria de Stalh desempenhou durante várias dezenas de anos um papel positivo bastante semelhante ao desempenhado pela Física do impetus na mecânica da Idade Média. Com efeito, ela provocou numerosas experiências sobre as combustões e este facto acarretou um progresso da química e a própria negação do flogisto. Muito curiosamente, os químicos newtonianos aceitam a teoria do flogisto, que está o mais afastada possível do materialismo da mecânica. Um exemplo bastante característico do encontro dos newtonianos e dos defensores do flogisto é o da concepção da luz que certos químicos tiveram nos séculos XVII e XVIII. Para os partidários da hipótese corpuscular, desde a antiguidade que a luz, forma de fogo, era uma matéria no sentido comum do termo. Mas seria ela uma substância ponderável? É a questão que se põe a Boyle (1627-1691) em consequência da doutrina atomista de Gassendi. Ele calcina metais e pesa, na balança, os produtos da reacção. Como estes se revelam mais pesados que os corpos iniciais conclui que a diferença de peso provém da junção de uma parte do fogo, ou seja, a luz. Agora uma luz material. E tira a conclusão da aptidão desta para unir-se quimicamente a outras substâncias, facto que a balança evidencia. Newton, na sua Óptica, parece aprová-lo: “Não poderá haver uma transformação recíproca entre os corpos grosseiros e a luz? (...) A transformação dos corpos em luz e da luz em corpos é uma coisa muito conforme com o curso da natureza, a qual parece comprazer-se nas transformações”. No século XVIII Cheyne, Algarotti, Higgins... vão mais longe afirmando categoricamente que a luz é uma substância e que as suas partículas estão, como as dos outros corpos, submetidas à lei da atracção universal; ao participarem nas reacções químicas elas seguem a teoria das afinidades químicas. E Macquer identifica-a ao flogisto que “não é outra coisa senão a matéria pura da luz fixada instantaneamente nos corpos”, tornado-os mais leves (Rosmorduc, 1983; 112-113). A Química do século XVIII trabalha ainda muito com as qualidades dos corpos. Contudo, o uso da balança, sem ser sistemático, expande-se. Jean Rey, médico de Périgord, França, conta: “Há alguns dias querendo calcinar estanho, pesei duas libras e seis onças do mais fino de Inglaterra, coloquei-o num vaso de ferro adaptado a um forno aberto e, a fogo vivo, agitando-o continuamente sem lhe juntar mais nada, em seis horas converti-o numa cal muito branca. Pesei-o para saber o resíduo e achei duas libras e treze onças. O que me causou um espanto extraordinário, pois não podia imaginar de onde tinham vindo as sete onças a mais” (R. Massain in Rosmorduc, 1983; 128). Ele concluiu, muito judiciosamente, que o ar era a causa deste aumento de peso, que a balança acusava. Emite uma ideia de conservação da matéria: “O peso que cada porção de matéria adquire no berço, será por ela levada até ao túmulo” (citado por R. Massain). Esta ideia já era mesmo anterior a Rey e seria conhecida por muitos alquimistas da Idade Média. Antecedentes próximos da Química moderna Apesar do longo caminho que à Química faltava percorrer, a moderna disciplina emergiu, em larga medida, do estudo do ar e de outros gases, pelos sucessores de Boyle. Stephen Halles (1677-1761) inventara um aparelho para recolher gases sobre a água. Recolheu os gases libertados pelo aquecimento de sangue, conchas, madeira, sementes, mel, açúcar, tártaro, calcário, pirites, etc., preocupando-se com a quantidade de gás libertado em cada situação. A balança era um instrumento precioso. "O ar era ar". Faltou-lhe a ideia de que existem diferentes espécies de gases com propriedades físicas e químicas diferentes. A balança era o instrumento central, contudo, foi usada isoladamente de um pensamento interpretativo. Há uma prole que inicia trabalhos de diferente orientação e é durante os últimos trinta anos do século XVIII que se lançam as bases de uma nova teoria química mais ampla. Joseph Black (1728-1799) descobriu o primeiro gás cujas propriedades são demonstravelmente diferentes das do ar comum. Era produzido por respiração, fermentação e combustão. Chamou-lhe "ar fixo" (dióxido de carbono). As investigações de Black despertaram a crença de que o ar não era o único tipo de gás. Aquilo a que ele chamou "ar fixo" era, evidentemente, uma substância química reactiva que era inteiramente distinta do "ar comum". O gás que conhecemos como hidrogénio foi, pela primeira vez, preparado pelo russo Lomonossov. Em 1745 escreveu: "da solução de qualquer metal não precioso, em ácido, emerge um vapor inflamável que não é mais do que o flogisto". A Rutherford, coube a tarefa de isolar a parte do ar que permanece depois de uma combustão ter lugar. Aqueceu uma porção de fósforo numa amostra de ar, sobre água. Os fumos foram absorvidos pela água. Quando o processo estava completo, cerca de três quartos do ar permaneciam. Rutherford, em 1772, isolou o nitrogénio e percebeu que ele não alimentava as combustões ou a respiração, tal como o "ar fixo", mas, ao contrário deste, não turvava a água de cal. Chamou a este novo gás "mofeta" (nitrogénio). Priestley (1733 - 1804) substituiu o banho de água por um banho de mercúrio. Com este aparelho de recolha, gases que se dissolviam ou reagiam com a água poderiam, a partir de então, ser recolhidos. E Priestley encontrou alguns, chamados agora de óxido nítrico, cloreto de hidrogénio, amónia, dióxido de enxofre, tetrafluoreto de sílica, etc. Em 1774, encontrou o oxigénio. Priestley mostrou que este novo gás provoca maior brilho na chama de uma vela e, ainda, que ratos sobreviviam nele mais tempo do que em ar comum. Concluiu que este novo gás era "mais puro" do que o "ar comum" e chamou-lhe "ar desflogisticado" (Glashow, 1994; 187). Este, imediatamente, se tornou o foco central de interesse dos químicos, tanto em Inglaterra como no continente. Cavendish publicara em 1766 que o hidrogénio ardia, mas ele não identificou o seu produto de combustão. Em 1781 ficou atónito ao verificar que se tratava de água. Estudos mais quantitativos publicados em 1784 mostraram que dois volumes de hidrogénio reagem com cinco volumes de "ar comum" de forma a consumir todo o hidrogénio e diminuir o volume de ar comum em 20%. Apesar da evidência pôr a claro o facto de que o hidrogénio e o oxigénio se combinavam entre eles para formar água, Cavendish insistiu numa explicação em termos de flogisto e reforçou a noção de que a água é um elemento indecomponível e fundamental. Ele olhou tanto para o oxigénio como para o hidrogénio como variedades de água com o seu conteúdo em flogisto modificado... A balança não evidenciava, para ele, a conservação da matéria e a síntese da água não podia assim ser entendida como uma reacção entre duas substâncias, dois gases distintos, para formar uma diferente substância, a água, e em que a massa total, antes e depois, se mantinha. O papel da balança na rotura com a teoria do flogisto e na construção da nova teoria do oxigénio M. Daumas (citado por Rosmorduc, 1983; 131) considera que a contribuição de Lavoisier é, sem dúvida, marcante na formação da Química moderna, também por ser rico e ter um leque de conhecimentos e de actividades muito diversificado. Tal facto permitiu-lhe introduzir na Química as técnicas de experimentação e de medida elaboradas pelos físicos. Em particular, o uso sistemático de balanças aperfeiçoadas, do termómetro, de bombas de vazio, de calorímetros, etc., está bem documentado nos desenhos de sua mulher, Anne Marie Lavoisier. Além disso, conhecemos bem o recheio do seu laboratório pelo relatório do arresto aquando da sua prisão.
Em 1774, a seguir à experiência sobre o óxido de mercúrio, ele repete a experiência já antiga da calcinação do estanho. Como Rey e mais tarde Boyle, ele atribui à parte de ar desaparecido durante a combustão o aumento de peso do sólido observado na balança. A parte restante é baptizada por ele de mofeta residual. Trata-se do azoto, que é assim isolado. A parte que entrou na combustão é para ele ar vital. Afasta-se assim de Priestley, para quem se tratava de ar desflogisticado, sendo o azoto o ar flogisticado. Em 1776 Lavoisier aquece longamente mercúrio num balão fechado cheio de ar. O mercúrio oxida-se, isto é, absorve o oxigénio do ar, o ar vital de Lavoisier. O químico reconstitui em seguida o ar aquecendo o mercúrio oxidado, o que provoca a libertação do oxigénio absorvido. A partir desta data, e contra a opinião de todos os químicos do seu tempo, rejeita a teoria do flogisto afirmando o papel do ar vital (oxigénio) nas combustões, ou seja, não de um princípio imaginário mas de um constituinte real do ar. O seu sistema conceptual, por volta de 1777, traduzido na "Mémoire sur la combustion en général", contém quatro espécies de ar (eminentemente respirável, atmosférico, fixo, mofeta) e descreve a combustão por recurso ao "ar puro". No mesmo ano a respiração é assunto de outra Memória. Em 1780 Lavoisier chama ao "ar puro, princípio oxigénio, e considera que uma vez admitido este princípio, as principais dificuldades da química parecem desaparecer, e todos os fenómenos se explicam com uma espantosa simplicidade. A sua luta leva, em 1787, ao desaparecimento definitivo da tese herdada de Stahl. Lavoisier mostrou que a combustão é a combinação química do oxigénio com uma substância combustível e que o metabolismo dos humanos e dos animais envolvia "combustão interna" do carbono e do hidrogénio para libertar CO2 e H2O. Entretanto, Cavendish realizou a composição da água. A descoberta de Cavendish da combustão do hidrogénio para formar água teve, igualmente, um papel importante no pensamento de Lavoisier. Diferentes descobertas favorecem, afinal, a demonstração de Lavoisier. É principalmente o caso da síntese da água realizada por Cavendish a partir de uma mistura de oxigénio e hidrogénio na qual o físico inglês faz saltar uma faísca eléctrica. A experiência é retomada por Lavoisier e Laplace. Brilhantemente, repetiram o trabalho do inglês e introduziram uma experiência engenhosa para verificar a composição da água do ponto de vista da sua nova teoria da combustão. Essas experiências foram conclusivas (Jaffe, 1967). Ele descreve-as com muita minúcia... Eis a sua conclusão: “A água não é uma substância simples, ela é composta, peso por peso, de ar inflamável e de ar vital” (M. Daumas in Rosmorduc, 1983; 132). E a balança é a testemunha. O título do seu grande "paper", publicado em 1788, é ilustrativo: "Sobre a natureza da água e as experiências que parecem provar que esta substância não é um Elemento propriamente dito e pode ser decomposto e recombinado". A água é um composto dos elementos oxigénio e hidrogénio. Não existia, agora, outra explicação. A água não pode ser "transmutada" em terra. Todos os quatro elementos gregos se tinham definitivamente desfeito: O ar é agora uma mistura de gases, a água já é um composto, o fogo torna-se o processo da combustão (oxidação) e a terra surge em muitas variedades químicas distintas (Glashow 1994). A teoria do oxigénio de Lavoisier, que interpretava a combustão de forma diferente, recebeu uma aragem fresca com tal descoberta da composição da água. Tais experiências sobre a síntese e a análise da água vieram, principalmente, completar os argumentos para um ataque público e frontal à teoria do flogisto. Aliás, a experiência foi feita publicamente, para que pudesse ser reconhecida... Veja-se a importância atribuída a este evento, pelo destaque que ao balão onde foi realizada a experiência pública da síntese da água, é dado no quadro de David que retrata o casal Lavoisier. O papel do laboratório e dos novos instrumentos: a balança. Os instrumentos de precisão foram de grande importância para a formulação da teoria de Lavoisier e o laboratório constitui uma grande diferença relativa aos existentes na sua época, ainda de utilização muito privada. Só, de facto, o século XVIII, com o aperfeiçoamento técnico e a reclamação teórica, impôs um domínio profundo das quantidades de matéria intervenientes nas reacções químicas e implicaram a sua medição com um elevado grau de precisão e rigor. De instrumento de medida, a balança tornou-se utensílio de previsão e juiz supremo de decisões, no âmbito de um novo quadro teórico. Já há muito que fazia parte da decoração habitual do laboratório, mas sem tão grandes exigências de precisão e, principalmente, num diferente quadro interpretativo. Lavoisier exigiu balanças que ainda não existiam e encarregou Mégnié e Fortin de as conceber e fabricar. Tornaram-se sensíveis a 5 miligramas para massas da ordem de 600 gramas. A de Fortin, por exemplo, construída em 1788 e paga por 600 libras (120000 Francos de 1993) podia atingir 10 Kg com precisão da ordem de 25 miligramas. Permitiu mais tarde, à Comissão de Pesos e Medidas, definir o quilograma (Bensaude-Vincent & Journet 1993, 49). Tais instrumentos eram caros e só a fortuna pessoal de Lavoisier permitiu que a investigação, guiada pelas novas ideias, fosse conduzida com tais exigências. As balanças são, uns, entre dezenas de outros aparelhos fabricados especificamente e requeridos pelo desenvolvimento da química. Adversários, Apoiantes e a consolidação de uma teoria Em 1789 é publicado o "Traité Elementaire de Chimie", cuja primeira edição possuiu 2000 exemplares, organizando as experiências e a teoria já relatadas nas anteriores Memórias públicas e marcando a separação definitiva entre a Química do flogisto de Stahl e a Química do oxigénio, exposta numa linguagem clara e nova. Rapidamente os cientistas franceses começaram a rodear Lavoisier: Fourcroy, De Mourveau, Berthollet e outros. Fora da França, a oposição ainda era forte, especialmente em Inglaterra onde Stevenson declarou: "Este arte-mágico tenta persuadir-nos que a água, o mais poderoso antiflogístico natural que possuímos é um composto de dois gases, um dos quais ultrapassa todas as outras substâncias na sua inflamabilidade". Cavendish, que também tinha decomposto a água, nunca aceitou a nova explicação. Em 1803 Priestley escreveu da Pensilvânia: "Eu acredito que a Revolução Política será mais estável que a Revolução Química", referindo-se à Revolução nos Estados Unidos. O Professor Thomas Hope, da Universiadde de Edimbourg, foi o primeiro a adoptar a nova nomenclatura nas suas lições públicas (Jaffe 1967, 75). Em Edimbourg, Black aceitou a sua explicação e passou-a aos seus estudantes. Itália e Holanda puseram-se em linha ao mesmo tempo. Da Suécia, Bergman escreveu a Lavoisier a oferecer o seu apoio. A Academia de Berlim adoptou as ideias de Lavoisier em 1792. A Rússia inaugurou o novo sistema com Lomonosov (Jaffe 1967). Em Coimbra, com Rodrigues Sobral (1759-1828) e Vicente Coelho de Seabra (1764-1804) o Laboratório Químico da Universidade, criado pela Reforma Pombalina de 1772, foi um dos baluartes de vanguarda desta Nova Química. Aliás, Vicente Coelho de Seabra, publica um livro intitulado "Elementos de Chimica" em 1788 (um ano antes da publicação do próptio Traité) e uma segunda parte em 1790. O Departamento de Química reproduziu-o, recentemente, em edição fac-similada. Existem na Biblioteca do Departamento de Química Obras de Lavoisier, em francês, com a data de 1864, da Imprimerie Imperial e um belo exemplar do Traité. Esta alteração de paradigma científico terá sido uma das maiores de todos os tempos na História da Química. Lavoisier explicou a combustão como oxidação (combinação química de um combustível com o oxigénio), identificou a água como um composto de hidrogénio e oxigénio, reconheceu o que são e não são elementos químicos e estabeleceu a lei da conservação da massa com o contributo da balança num diferente quadro teórico. A sua vida e a sua imagem estão sempre ligados à balança. Mas tal não teria sido possível sem os anteriores legados que foram sendo acumulados. Efectivamente foi uma longa caminhada que começou com a história da humanidade e que a alquimia alimentou, sempre acompanhada pela balança em lugar de destaque. Bibliografia Amorim da Costa, A.M. 1987. Fermentação, o emblema filosófico de Becher. Boletim da Sociedade Portuguesa de Química, 30 (Série II), 27-32. Amorim da Costa, A.M. 1988. Da farmácia galénica à farmácia química no Portugal setecentista. Boletim da Sociedade Portuguesa de Química, 32/33 (Série II), 23-28. Amorim da Costa, A.M. 1992. Alquimia em Portugal: O rei Alphonso. In Dias, A.R. & Ramos, J.M. Química e Sociedade. A presença da Química na actividade humana, 2. Lisboa: Escolar Editora e SPQ, 115-132. Barreira (sd). Stahl. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 17. Lisboa: Editorial Verbo. Bensaude-Vincent, B. & Journet, N. 1993. Rien ne perd, rien ne se crée: tout se pèse. Les Cahiers de Science et Vie. Les pères fondateurs de la science. Lavoisier, 42-62. Crato, N. (2001). Zodíaco: Constelações e mitos. Lisboa: Gradiva. Debus, A.G. 1984. Science and history. A chemist' appraisal. Coimbra: Serviços de Documentação e Publicações da Universidade. Glashow, S.L. 1994. From alchemy to quarks. The study of physics as a liberal art. Pacific Grove, California: Brooks/Cole Publishing Company. Jacomy, B. (1994). Le laboratoire de Lavoisier. La Revue. Musée des Arts et Métiers, 6: 17-22. Jaffe, B. 1967. Crucibles. The story of chemistry. New York: Fawcett World Library. Lavoisier, A.L. 1864. Ouvres de Lavoisier. Paris: Impremerie Imperial. Paixão, M.F. (2000). De quando se considerou a água constituída por oxigénio e hidrogénio e a adesão dos químicos portugueses às novas teorias do século XVIII. Cadernos de Cultura. Medicina na Beira Interior, da pré-história ao século XXI, 14, 80-86. Poirier, J-P (1994). Le couple Lavoisier sous l’œil de David. La Revue. Musée des Arts et Métiers, 6:26-29. Reeves, H. 1990. Malicorne ou Reflexões de um observador da natureza. Lisboa: Gradiva. Reichen, C-A. 1966. História da Química. Lisboa: Morais Editora. Santos, A.M.N. & Costa, P.F. 1992. A contribuição de Lavoisier para os fundamentos da Química moderna. In Dias, A.R. & Ramos, J.M. Química e Sociedade. A presença da Química na actividade humana, 2. Lisboa: Escolar Editora e SPQ, 185-213. Salzberg, H.W. 1991. From Caveman to Chemist. Circumstances and achievements. Washington: American Chemical Society. Seabra, V.C. 1788/1790. Elementos de Chimica. Reprodução fac-similada em 1985 da edição impressa em Coimbra, na real oficina da Universidade. Coimbra: Universidade de Coimbra. Taghard, P. 1993. Conceptual revolutions. Princeton: Princeton University Press. _______________ Escola Superior de Educação. Instituto Politécnico de Castelo Branco
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