MEDITANDO SOBRE O PARAÍSO
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A importância da confiança em Deus - parrhesia |
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Após o pecado, Adão e Eva ficam dominados pela vergonha – aiskhynes - , perdem a intimidade com Deus, cobrem-se com cintos de folhagem e escondem-se de Deus. Para Gregório de Nissa esse é o símbolo da perda da familiaridade ou de sentimento filial com Deus , a perda da parrhesia. Antes do pecado, Adão estava impregnado de confiança, gozava da visão da face de Deus. A perda da confiança é desonra e vergonha – aiskhynse – que desenvolve o pecado e dele deixa marcas na alma humana. Para retomar a parrhesia, a alma humana precisa de serenar através da consciência – syneidesis - de ter deixado de pecar ou de ausência de pecado. A parrhesia designava na Antiguidade grega a liberdade de falar em público, por oposição ao de escravatura. No contexto do pensamento cristão, tem muito a ver com o que poderíamos designar a liberdade interior. São Paulo, na epístola aos Gálatas (4, 8-11), reiterou que Jesus Cristo veio não para os homens se tornem escravos mas para que sejam livres. Neste sentido, Gregório de Nissa medita sobre a relação entre a liberdade interior humana e a imagem de Deus, livre de dispor de si próprio, sem obedecer a um senhor, livre de tomar as suas decisões, à imagem de Deus. Trata-se de independência ligada à liberdade que se opõe à escravidão. Seguir Deus e Cristo, servir a Deus e a Cristo é caminhar na liberdade, é perder o caminho da vergonha – aiskhynes – e do medo – phobos-, perseverando na oração de súplica e de louvor a Deus Pai. Não tem sentido perseverar no medo e no temor, se é o caminho de liberdade e de familiaridade com Deus que é prometido e dado ao homem cristão, nestas palavras de Gregório de Nissa: Por que te apresentas cheio de medo, à maneira de escravo, e torturando a tua consciência? Por que impedes a confiança em Deus – parrhesia - que é fundamentada na liberdade - eleutheria - da alma e que dela fez parte desde a sua origem? (XLIV, 1180 A) A liberdade é sobrenatural, é a graça divina que lhe permite participar na vida divina e que fazia parte da natureza humana primitiva, no jardim do paraíso. Regressar à confiança em Deus - parrhesia - é regressar à liberdade – eleutheria –, reencontrar a graça divina pela participação na vida de Deus, através de Cristo, é reencontrar o paraíso interior. O paraíso místico reencontrado pela apatheia, na sua relação com a pureza e as virtudes, pela parrhesia, vencendo a desonra ou vergonha – aiskhynes , resultado do pecado- e o medo – phobos - , pela oração, com a vida em Cristo, é, no pensamento de Gregório de Nissa, caminho para a contemplação – theoria - de Deus – tou theou. A contemplação, além de Deus, tem ainda como objecto, segundo a filosofia neoplatónica e o pensamento de Gregório de Nissa, as realidades visíveis ou seres – onton-, as ideias ou o mundo inteligível – noeton –. Nesta breve síntese, ocupámo-nos apenas da contemplação de Deus, o paraíso místico reencontrado nas modulações da apatheia e da parrhesia. |
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