O MAGO, METÁFORA DO POETA (3) 3. Poesia, ocultismo e sua dimensão política É preciso rejeitar a qualificação, tão freqüente, da criação poética fundada no pensamento analógico em geral, e no ocultismo em especial, como “irracionalismo”. Trata-se antes de um outro pensar, de um modo alternativo com relação à razão discursiva. Entre tantos outros de seus defensores, cabe citar André Breton, no prefácio á coletânea de poemas Signe ascendant:
Uma de suas derivações é a crença, não só nas correspondências em geral, mas em uma relação especial, aquela entre macro e microcosmo, e, por decorrência, o que está “no alto” e “em baixo”, como é dito no texto atribuído a Hermes Trimegisto, a Tábua Esmeralda:
Tudo isso emerge em um contexto de especial importância, freqüentemente obscurecido ou deixado de lado por análises exclusivamente formais: aquele da rebelião, da expressão enfática da contradição entre poesia (e o poeta) e sociedade. Poetas foram a favor do ocultismo, da visão mágica do mundo, por serem contra seu tempo e sua sociedade. A politização, até mesmo de autores mais reacionários sob o prisma de doutrinas propriamente políticas, é sugerida por Octavio Paz em O Arco e a Lira, e examinada em maior detalhe, na obra que o prossegue, Os Filhos do Barro. E isso, já no prefácio desse ensaio sobre a tradição da ruptura:
As mitologias mais ou menos pessoais, feitas de retalhos de filosofias e religiões, como diz Paz, também em Os Filhos do Barro, apontam para a unidade dentro da diversidade:
Retomando o que havia dito em O Arco e a Lira sobre a situação marginal do poeta na sociedade contemporânea, prossegue, equiparando os poetas-magos a uma cultura underground:
Enquanto em O Arco e a Lira há uma comparação geral entre poetas e magos, convertendo, conforme observado, uns em metáforas dos outros, em Os Filhos do Barro, apesar desta obra não se propor a ser uma história da literatura, é apontado onde e quando tais relações ocorrem:
Portanto, é na adoção do que Paz chama de estética ativa, e não apenas em componentes formais, em modos de versificar, ou temáticos, como a recuperação da Antiguidade e Idade Média, ou ainda na utilização de um vocabulário mais amplo, popular ou folclórico, que reside o corte, a ruptura e diferença fundamental entre romantismo, de um lado, e o Barroco e classicismo, de outro:
Semelhante conceito de poesia romântica e romantismo reescreveu a história da literatura. O romantismo deixa de ser, nessa ótica, mais um movimento circunscrito no tempo, cobrindo o período que iria das Noites de Young e do Sturm und Drang até, possivelmente, Baudelaire, porém uma postura. E, como tal, um continuum que se estende até a contemporaneidade:
A mesma revisão havia sido proposta no Segundo Manifesto do Surrealismo de André Breton. Ao referir-se a
Breton propõe erigir em lei essa insalubridade. Afirmava ainda, a propósito do centenário do romantismo, que:
Tanto Paz quanto Breton acentuam, portanto, a negação ou negatividade do romantismo como seu traço distintivo. Conseqüentemente, politizam-no: Com toda a sua diversidade de autores e fases, em seu fundamento foi um movimento, crença ou atitude contra a ordem estabelecida. Há indicações de que esta seria uma visão moderna do romantismo, pelo que sustentam em um livro mais recente os estudiosos de Baudelaire, Pichois e Ziegler, sobre a origem romântica do socialismo:
Em seguida, Pichois e Ziegler tocam nas noções de unidade e harmonia em Fourier, antes de entrarem no que os interessa diretamente, a participação de Baudelaire em clubes e associações de orientação socialista antes de 1848. Nessa perspectiva histórica ampla, que repensa o romantismo, vê-se um trajeto das manifestações e metamorfoses da analogia ao longo dos tempos. Vai da magia “primitiva” e da Antiguidade, passando por gnósticos, até românticos e simbolistas. Retornando a Os Filhos do Barro de Octavio Paz:
Octavio Paz não está sozinho ao propor esse traçado histórico e essa genealogia, do gnosticismo à poesia. Acompanha André Breton, no ensaio-manifesto Flagrant délit (na coletânea La clé des champs) ao registrar a importância da então recente descoberta dos “evangelhos gnósticos” no Egito (em 1949), e observar:
Nesse comentário, Breton faz alusão, ou parece fazer, a La poésie moderne et le sacré, de Jules Monnerot, obra precursora (de 1945) ao salientar a importância dos gnósticos, especialmente dos dissolutos, e sua presença na poesia moderna. Monnerot chega a fazer um inteligente paralelo entre, de um lado, cristãos e gnósticos, e de outro comunistas e surrealistas, no qual os comunistas soviéticos estariam para os cristãos assim como os surrealistas estariam para os gnósticos dissolutos. Falar de poesia romântica, nesse sentido amplo, seria falar da relação entre poesia e filosofias ocultas, conforme, novamente, observa Octavio Paz, desta vez citando, com total propriedade, o Breton de Arcane 17:
Um percurso histórico como este desemboca forçosamente em dois herdeiros de Swedenborg, o cientista e visionário que pensou o universo como unidade e organismo vivo. Um deles, um pensador político; outro, um poeta: Fourier e Baudelaire. Em Os Filhos do Barro, Fourier é o passo
E Baudelaire é quem fez da analogia o centro de sua poética. Na discussão sobre ocultismo e literatura, Baudelaire é mesmo a figura central, assim como o é com relação a tantos outros temas: crítica, estética do horror, o específico da modernidade, o poeta na metrópole, o primado da imaginação, a obra de arte como sistema de relações e não como representação, etc. O paralelo entre Fourier e Baudelaire é correto, assim como é situá-los, aos dois, na genealogia swedenborguiana, e, ainda, acrescentar as indicações dos estudos citados acima. São trabalhos, esses aqui utilizados, que contribuem para cobrir a lacuna, observada por Sarane Alexandrian em seu apreciável História da Filosofia Oculta, e que consiste na falta de estudos abrangentes da relação da literatura com ocultismo. Mostram que ainda há muito a ser dito sobre as relações entre criação literária e o interesse ou efetiva participação de escritores em grupos de estudo, doutrinas, ordens e seitas vinculados à Filosofia Oculta ou Ciências Herméticas.
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