A TRANSMUTAÇÃO NA MEDICINA TRADICIONAL CHINESA (1)
A.M.C. Araújo de Brito

Falar de transmutação tendo como referência a Medicina Tradicional Chinesa ( MTC ), é, para um velho acupunctor como eu, não só um prazer como a oportunidade de realizar um preito de homenagem ao meu Mestre de Acupunctura, Prof. Araújo Ferreira que espero reencontrar no Oriente Eterno para onde já foi há uns anos. É em sua memória e ao interesse que sempre mostrou pela Alquimia interna que vou tentar elaborar e alinhar algumas ideias, sabendo que nenhuma poderá ser nova, sobre assunto tão aliciante.

Respeitar, honrar e lembrar os Mestres, é o mínimo que qualquer discípulo pode e deve fazer, porque isso em si mesmo é desde logo uma operação alquímica de transmutação, incidente nos diversos planos energéticos existenciais.

Por outro lado, é-me disposto o prazer de chamar a atenção para uma das mais antigas propostas de transmutação da Humanidade que nos é oferecida pelo modelo filosófico subjacente à MTC e pelas suas acções alquímicas, ainda tão mal compreendida e vilipendiada pelos que se julgam arautos da Ciência e detentores da Verdade.

Por tudo isto, obrigado.

A MTC vai mostrar-nos caminhos que implicam o conhecimento Alquímico (externo e interno ), Astrológico, Geomante, e muitos outros para além dos que no Ocidente se convencionou relacionar à Medicina positivista.

A “ Bíblia “ da Acupunctura é o Huang Ti Nei Tsing Su Uêne, um texto que se compõe de duas partes, o Su Uêne e o Ling Shru. Desconhecendo-se a sua exacta datação, supõe-se estar no intervalo 1000 e 400 AC. Refere como autor o Imperador Hoang Ti ( Imperador Amarelo ) que teria vivido cerca de 2700 anos antes da nossa era.

Tal como outros livros é a passagem à escrita dum ensinamento oral passado durante séculos de mestre a discípulo, no maior segredo ( O livro III do So Uene tem como título : “Tratado sobre o engenho e a subtileza dos registos secretos “ ). 

No séc. V AC, pela época de Hipócrates, surge-nos o 1º comentário escrito ao Nei Tsing realizado por Pien Tsiô ( ou Ch’ueh ) que é ainda associado ao estudo e desenvolvimento do diagnóstico pelos pulsos. 

Contemporâneo de Galeno, Chang-Chung-Ching ( Chang Chi ) escreveu dois livros em que detalha com maior precisão aspectos da acupunctura, da moxabustão, da respiração terapêutica, da fisioterapia e da massagem.

Por esta época viveu Hua T’o que foi pioneiro em anestesia e cirurgia. Falou de um anestésico chamado “ vinho borbulhante “ que se julga ter contido ópio, publicou cartas anatómicas e parece ter conseguido realizar actos cirúrgicos tão complexos como os transplantes.

(De notar que no princípio do séc. XX um médico ocidental assistiu ao transplante de pele na face duma criança queimada, sem perceber exactamente do que se tratava ).

Para a MTC, o cirurgião não é propriamente um médico, encontra-se num patamar diferente, dado que a sua acção só se torna necessária perante a incapacidade da Medicina resolver a situação patológica.

É interessante, como nota de rodapé, verificar a ignorância de certos autores ligados à Medicina Oficial que ainda hoje manipulam a informação pública , publicando em revistas de grande impacto e com responsabilidade de veracidade, que não havia cirurgia na China, que os médicos desconheciam a anatomia humana e que a MTC se encontrava numa fase pré-científica!

Actualmente, pela facilidade de divulgação do conhecimento, há cada vez mais interesse em analisar, reconhecer e experimentar à luz do conhecimento ocidental, a sabedoria milenar oriental ( China, Índia, Tibete ) pondo até em questão se não estaremos perante uma redescoberta da “Palavra Perdida “.

Baseando-se em investigação histórica há quem defenda que esta Medicina já era exercida há cerca de 8 mil anos, com alguns indícios de se estender à Europa.

Porque me interessa a referência tradicional para a reflexão que desejo expressar aqui, serão estes os principais textos de suporte invocados, limitando-me aos conceitos tradicionais, seguindo naturalmente os comentários e desenvolvimento dos Mestres Chineses e Tibetanos que se dedicaram à exegese dos textos referenciados.

As correntes filosóficas e religiosas Confucionista e Taoísta tiveram uma significativa incidência no modelo da MTC, tal como aconteceria no modelo social.

Por isso não posso deixar de mencionar o I Ching ( Yi Jing ), o livro das (trans)mutações cuja versão mais antiga conhecida é de cerca de 200 anos AC e o Dao-de Ching de Lao Tzu, cerca de 600 anos AC que se reporta ao Taoísmo místico.

A MTC ainda viria a ser influenciada pelo Budismo, tal como todo o modelo comportamental chinês. 

Entremos agora pelos caminhos que nos são oferecidos pela MTC. 

Leia-se o Nei Tsing.

Pergunta o Imperador Amarelo :

- “ Pode fazer-se alguma coisa para harmonizar e misturar esses dois princípios da Natureza (Yin e Yang) ? “

Chi Po responde :

- “.... No entanto diz-se: os que possuem a verdadeira sabedoria permanecem fortes, enquanto os que não têm conhecimento nem sabedoria envelhecem e debilitam. Portanto, as pessoas deveriam compartilhar esta sabedoria e os seus nomes tornar-se-iam famosos. Os sensatos inquirem e investigam juntos, enquanto que os ignorantes e estúpidos o fazem separados uns dos outros. Os estúpidos e ignorantes não se esforçam o suficiente na busca do Recto Caminho, ao passo que os sensatos procuram para além dos limites naturais.... “

Desejo ser sensato e venho juntar-me a vós no intuito de pensarmos juntos o que nos é transmitido. 

Cerca de 500 anos antes da descoberta no Ocidente, por volta do séc. IV AC, já na China havia o conceito de VAI DAN ou seja o da Alquimia externa. O que se pretendia por esta via era a imortalidade física no plano denso em que nos encontramos. Mais tarde, surgiu a versão esotérica da busca da imortalidade da personna numa componente de suporte material que se desloca nos diferentes planos, atingidas pelo regresso à origem da força-vital, usando técnicas de meditação e de práticas de circulação de energia. Da união das duas era possível atingir a imortalidade e a identidade, bem como o domínio da Natureza.

Para qualquer destas vias, a energia vital que se deve manter em equilíbrio e desenvolver é o CH’I ou KI.

O mais célebre Mestre a tratar directamente desta Alquimia foi Ge Hong que viveu entre o séc. III e IV D.C. Escreveu o Baopu-zi nei pian que é um tratado de Alquimia externa mas onde dissimuladamente, de acordo com o secretismo exigido, se encontram já referências à interna. Era simultaneamente, alquimista, médico, astrólogo, mágico e farmacêutico. Ao mesmo tempo, era crítico de alguns preconceitos do Confucionismo, das superstições populares, mantendo-se um livre-pensador e algo racionalista.

É interessante referir que para “ uma fase pré-científica da MTC “, este Ge Hong, há 1700 anos, defendia vigorosamente a experimentação e a verificação dos dados e dos resultados das experiências, médicas e alquímicas, conforme o Taoísmo. Criticava a ignorância da gente vulgar que se baseava na fé e na intuição para aceitar como verdade o que lia, fazia, e o que lhe era dito, recusando assim atingir a cura das suas doenças ou a imortalidade por não aceitar a verdade que lhe era dado experimentar.

Leis
 

III Colóquio Internacional Discursos e Práticas Alquímicas (2001)
IN: MACHADO, Maria Salomé Machado, A.M. Amorim da Costa, A.M.C. Araújo de Brito & António de Macedo (2005) - A Palavra Perdida. Colecção Lápis de Carvão (dir. Maria Estela Guedes), nº1. Lisboa, Apenas Livros Editora.

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