O itinerário de António Telmo é o seguinte: começa por apresentar, na arte poética, uma explicação dos seus propósitos, e acaba depois, na parte final, quando escreve O Bateleur e os Contos, por abandonar qualquer tentativa de explicação, por mais inteligente ou argumentativa que seja, tornando-se um poeta, que opta por escrever os seus poemas sob a forma de contos.
Será a obra estritamente poética de António Telmo mais ou menos importante que a sua obra de pensamento? Será a sua inteligência superior à sua imaginação? São vãs as perguntas deste teor pois este autor teve desde o início a preocupação de se afastar quer do intelectualismo rígido, quer da literatura como distracção ou divertimento. Os seus contos não são, por isso, vazios de inteligência; as suas obras explicativas, como o livro de estreia ou a Gramática, são, por sua vez, criações.
Não esqueçamos que se para ele há, na linha do criacionismo mental, uma verdade superior aos sentidos, também para ele há uma verdade mais operativa que a inteligência abstracta. Dito de outro modo: a mentira, que é a efabulação poética, pode afinal ser mais operativa, no conhecimento da verdade, que a verdade, que é o conhecimento abstracto do impensado, sem palavras.
Daí o estudo que Telmo fez sobre a Ilha do Amor de Os Lusíadas, no livro Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões (1982), constituir talvez o coração da sua obra, pois nunca como aí a natureza foi tão bem entendida como imagem, imagem do Jardim, e os sentidos, os sentidos imediatos e materiais, tão necessários ao voo da imaginação. Nesse livro, que tanto é o de Camões como o de Telmo, podemos dizer que a linguagem verbal não formaliza nem conceptualiza, mas, através de sucessivas imagens sensíveis, que se prendem com o paladar, o olfacto, o tacto, a audição ou a visão, ela realiza, realiza a realidade, que, no caso, é a Ilha pintada e imaginada ou o Paraíso.
Junho de 2002 |