O SEGREDO DEBAIXO DE UMA PEDRA
José Manuel Anes

Existem algumas passagens de tratados clássicos de Alquimia que referem, o papel central que a imaginação criadora teria nesse processo místico de transformação espiritual que muitos reclamam - vide o caso de M. Eliade . Um exemplo interessante é o do Rosário dos Filósofos (obra de alquimia operativa que surgiu na Idade Média e no Renascimento, como sendo atribuida ao alquimista catalão do século XIII, Arnaldo do Vilanova), podemos ler: A Natureza efectua a sua operação pouco a pouco. E quero que tu actues assim, e sobretudo que a tua imaginação se conduza segundo a natureza. E deves ver segundo a natureza, graças à qual os corpos são regenerados nas entranhas da terra. Imagina-o por meio da imaginação verdadeira e não fantástica63 . Paracelso distingue a fantasia  da imaginação - a fantasia não é imaginação mas um jogo do pensamento64 - não tendo a primeira, como refere Alexandre Koyré, fundamento na natureza  e sendo apenas puramente intelectual, onde as imagens flutuam no nosso espírito sem ligação profunda entre elas e entre elas e nós próprios65 . Pelo contrário, a imaginação é criadora, no sentido em que ela é a produção mágica de uma imagem66 .Ora esta actividade imaginativa é muitas vezes - como refere Yvette Centeno no seu prefácio ao ENNOEA67  - expressa sob a forma relatos de sonhos, de visões, pelos próprios autores alquímicos. É o caso de Anselmo Caetano de Castelo Branco, com o seu Sonho Enigmático, descrição simbólica, onírica, visionária e altamente imaginativa que vem, no fim de ENNOEA - portanto numa mesma obra de um mesmo autor-, suceder a discursivas e racionais aplicações do entendimento, embora de uma racionalidade simbólica, sobre a teoria e a prática da alquimia operativa. Vejamos o seu texto:

Tendo examinado todas as opiniões dos Filósofos Herméticos, e ponderado todos os enigmas com que os Adeptos explicaram a maior obra, que a Natureza produz com os instrumentos da Arte, cançado já de tão grande trabalho, adormeci e comecei a sonhar, que estava embarcado, e dava logo à vela, navegando com bonança, pelas inquietas ondas do Oceano. Como não descobria mais que Mar, e Céu, desejava avistar, ou descobrir terra..

Tendo chegado à Cidade Morgana, ele vislumbra depois um vale, que ficava entre dois montes muito altos e um admirável e delicioso bosque, onde as cores dos frutos são ascores da Obra. Encontra aí uma Poderosísima Imperatriz, e um Filósofo, cuja ocupação era ensinar ignorantes Peregrinos (como ele) e, que de um modo enigmático e alegórico lhe ensina os Mistérios da Arte que conduzem ao talo precioso - ver texto completo a pp. 67-70.

 

 

I Colóquio Internacional Discursos e Práticas Alquímicas (1999)

"Discursos e Práticas Alquímicas". Volume I (2001) - Org. de José Augusto Mourão, Maria Estela Guedes, Nuno Marques Peiriço & Raquel Gonçalves. Hugin Editores, Lisboa, 270 pp. hugin@esoterica.pt

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