Clauder Arcanjo: tributo à mulher nordestina

 

ADELTO GONÇALVES


Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage, o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012),  Direito e Justiça em Terras d’El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. (E-mail: marilizadelto@uol.com.br


 I

Mulheres fantásticas (Mossoró: Sarau das Letras Editora; Fortaleza: Edições Poetaria, 2019), reunião de dezoito pequenos contos, do cronista, romancista, crítico literário e contista Clauder Arcanjo (1963), que constitui um tributo ao realismo fantástico tão presente nas histórias do Nordeste brasileiro, na definição do próprio autor, tem como figura central a mulher e suas habilidades únicas, que tanto intrigam os homens, que, muitas vezes, buscam em vão explicações para o seu comportamento. Não foi para tentar encontrar essas respostas que o Clauder Arcanjo escreveu estes contos, mas, principalmente, para realçar estes mistérios.

Para tanto, tratou de imaginá-las como elementos da natureza, objetos e até animais, como galinha, sapo, abelha, mas sem cair no tratamento chulo das palavras, ou ainda forças naturais, como ventania, maré e nuvem, ou sentimentos, como saudade, mostrando com leveza e bom humor os dramas que ocorrem no relacionamento entre homens e mulheres. Na visão do autor, os homens se mostram frágeis e incapazes de compreender a sensibilidade delas.

As histórias – ou causos, no linguajar popular nordestino – se dão num vilarejo, Licânia, que seria encravado no sertão do Ceará e que aqui funciona como a Yoknapatawpha, de William Faulkner (1897-1962), a Macondo, de Gabriel García Márquez (1927-2014) e a Santa Maria, de Juan Carlos Onetti (1909-1994), cidades fictícias que atuam como núcleo vital de assuntos literários ou ainda entidades míticas. Licânia, aliás, é o título do primeiro livro de Clauder Arcanjo, publicado em 2007, que reúne contos que já trazem essa ideia de reunir num local mítico histórias e personagens que se movimentam num mundo picaresco, habilidade que o autor haveria de sedimentar em Cambono (2016), romance em que presta homenagem a esse gênero tão ibérico.

No prefácio, Dimas Macedo, professor, jurista e membro da Academia Cearense de Letras, observa que Mulheres fantásticas “pode ser lido como uma reunião de crônicas e memórias, quanto fragmentos daquilo que se pode fazer com a magia das mulheres e com a áurea de suas fantasias”. E acrescenta que, para a Literatura, “as mulheres e seus arquétipos são fontes de inspiração que nunca se esgotam, especialmente quando concertadas por um escritor de talento, como é o caso do autor deste livro”.

II

No texto de apresentação, a poeta Kalliane Amorim ressalta a adesão de Clauder Arcanjo ao realismo fantástico, gênero que despontou na América Latina na década de 1940, mas encontrou o seu auge nas décadas de 1960 e 1970, e que, no Brasil, não alcançou o mesmo impacto, embora tenha influenciado escritores importantes como José J. Veiga (1915-1999), Moacyr Scliar (1937-2011) e, especialmente,  Murilo Rubião (1916-1991), cujos contos combinam uma visão realista do mundo com elementos mágicos que são inseridos em cenários cotidianos.

Diz Kalliane: “A incredulidade e o espanto do homem diante da mulher que se transforma em sapo, que acende uma cidade inteira, que é portal para as travessias da vida, ou diante do mais fantástico que é, nesses dias em que vivemos, estar diante de uma mulher que acolhe, escuta e alimenta, na certeza de que essa mulher pode ser qualquer uma de nós – eis a beleza do fantástico que emerge no trivial da vida, sob a pena de Clauder Arcanjo”.

O livro foi escrito em homenagem à professora potiguar Aíla Sampaio (1965-2017). Arcanjo pretendia fazer um livro em coautoria com ela, cada um escrevendo seus contos. Ele já havia escrito o primeiro e mostrado a ela, que já estava escrevendo o segundo conto, quando veio a falecer em novembro de 2017, de câncer. Por isso, o livro é dedicado a ela in memoriam.

 III

Antonio Clauder Alves Arcanjo, ou apenas Clauder Arcanjo, nascido em Santana do Acaraú-CE, é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará, Ao lado do romancista e jurista David Medeiros Leite, é um dos fundadores da editora Sarau das Letras, de Mossoró-RN, que já lançou mais de 300 livros. Produz e apresenta na TV a cabo Telecom (Mossoró) o programa cultural Pedagogia da Gestão. É membro da Academia Mossoroense de Letras, da Academia Norte-rio-grandense de Letras e da Academia de Letras do Brasil. Mora em Mossoró desde 1986. Em 2017, recebeu o título de cidadão norte-rio-grandense, que lhe foi concedido pela Assembleia Legislativa.