VIAGENS NA CIMBEBÁSIA / O RIO CUNENE
PADRE CHARLES DUPARQUET
28-07-2003 www.triplov.com
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Mulher dámara

Quarta-feira, 4 de Agosto - Do lado da tarde chegam do país dos Chavícuas os snrs. Bawer, Bussel e Almeida. Este último, que não está habituado às fadigas da caça, parece esgotado e vem com febre. Mataram duas avestruzes, cinco zebras e vários outros animais, com grande satisfação dos indígenas que com eles se banquetearam.

Esta tribo dos Chavícuas é da raça dos Cimbebas. Possui uma grande quantidade de gado e cultiva a terra. Não há omarambas deste lado norte do rio, mas as terras, se bem que planas, vão-se elevando imperceptivelmente. Os caçadores encontram nesta tribo afastada gente da Ondonga, ocupada na caça de avestruzes. Os Chavícuas, muito pacíficos e afáveis, não parecem merecer a má reputação criada pelos Portugueses do Humbe. Todavia é muito difícil estudá-los bem numa visita tão curta.

O snr. Dufour regressou também da sua viagem aos Evares, mas sem ter atingido essa tribo. Achou a floresta muito cerrada e parou junto do vagão do snr. Vanzyl, que acabava de matar duas girafas. Este último tinha chegado até à residência de Quilula, soba da Ombandja Pequena, que o recebeu bem. Esta Ombandja Pequena dista apenas duas ou três horas do rio. Neste sítio o Cunene não é marginado por cliffs, mas diz-se que reaparecem mais longe.

À noite o snr. Erickson reuniu todos os caçadores para resolverem sobre a direcção que devia tomar a expedição. Os snrs. Bawer e Bussel declaram que não há na margem setentrional do rio elefantes nem avestruzes suficientes para ocupar activamente todo o pessoal. Os caçadores pôem grandes objecções à ida do snr. Erickson a Moçâmedes ; dizem que perderão um tempo precioso a esperar o seu regresso, que a estação da caça vai acabar sem um resultado aceitável, que todos os elefantes devem ter-se retirado para entre o Cunene e o Cubango, e que é para aí que devem dirigir-se imediatamente, sem perder mais tempo em volta do Humbe. Todas estas considerações impressionam o snr. Erickson que, em consequência disso, renuncia à sua viagem a Moçâmedes e anuncia para o dia seguinte a partida da expedição para o Evare.

Quinta-feira, 5 de Agosto - Como devo separar-me aqui da expedição para retomar o caminho da Dâmara, faço os meus preparativos para a partida e expeço o meu correio para a Europa pelo snr. Almeida que se encarrega de o enviar para Moçâmedes. Contém uma carta para o Conselho da Propagação da Fé. O snr. Erickson pede-me que lhe leve para Omaruru duas caixas com aves empalhadas e uma com penas de avestruz e depois junta à minha atrelagem dois grandes bois, o que faz com fique com 17 ao todo. O snr. Dufour toma a dianteira ; faz-me as suas despedidas e parte nessa mesma noite.

Sexta-feira, 6 de Agosto - Os carros pôem-se a caminho logo de manhã, mas nem todos tomam a mesma direcção. Um deles é enviado ao snr. Botha, comandante dos Boers do Caóco ; um segundo, dirige-se à tribo dos Ondonga e à dos Vahinga ; os outros tomam a direcção do Evare e eu deixo a expedição às sete horas da manhã, para voltar à residência do soba Iquera.

Não posso tomar o caminho de Omuparora que seguimos para chegar aqui. Ser-me-ia, com efeito, preciso dar uma grande volta. Resolvo-me por isso a ir directamente de Ololica a Iquera ; dar-me-á alguns trabalhos, mas ser-me-á util mais tarde, assim como aos outros missionários.

O rei Iquera mandou comigo um guia, que deve reconduzir-me à sua residência. Este guia encontra vários amigos seus da Ombandja Pequena, um dos quais me diz conhecer a melhor direcção a tomar e se encarrega da indicação do novo caminho.

Avançamos lentamente, cruzando altemadamente omarambas e florestas, através das quais é preciso abrir caminho a machado. A noite chega sem que tenhamos alcançado a primeira povoação. Os Ombandjas que nos acompanham vão carregados de carne que lhes deram os caçadores ; para mim tenho ainda uma côxa de zebra ; paramos portanto na orla da floresta, preparamos uma boa refeição e aí passamos a noite.

Sábado, 7 de Agosto - Pelas dez horas da manhã, chegámos a uma povoação da Ombandja Pequena, chamada Lando, e onde é a residência do meu segundo guia. Suspeito que nos tenha conduzido muito para leste, só para nos fazer passar na sua habitação, o que me contraria fortemente. Com efeito, se o rei Quilula vem a saber que eu atravesso assim incógnito o seu território, é capaz de se zangar ou arrisco-me, pelo menos, a ter de lhe dar algum presente, cerimónia que se torna dispendiosa quando se repete muitas vezes. Testemunho ao guia o meu descontentamento e escolho outro. O meu novo guia não tarda a conduzir o vagão para uma vasta omaramba, que logo me assinalam como sendo a que nos levará a Iquera e que se prolonga até ao Cuambi. Estamos evidentemente no bom caminho. À tarde chegamos à primeira povoação da Ombandja Grande e aí passamos a noite.

Domingo, 8 de Agosto - Depois de três horas de marcha través da omaramba, chegamos a Iquera. De caminho passamos na granja de Dimozito, seu filho, que se apressa a acorrer ao vagão. Diz-nos que o caminho que seguimos é o mais curto, mas que há muitos outros que levam também ao rio. Poderiamos, a rigor, chegar lá no mesmo dia ; mas, para não fatigar os bois, o melhor é irmos dormir a Lando, chegando ao Cunene no dia seguinte pela manhã.

Segunda-feira, 9 de Agosto - Continuei a limpeza e capinação do terreno destinado à missão, para que, no meu regresso, as árvores abatidas estejam já secas e possam ser queimadas fàcilmente. Traço uma grande avenida desde o local das futuras construções até às belas nascentes de Ovare. O rei pede-me com tanta insistência uma das minhas grandes galinhas portuguesas, que não tenho outro remédio senão dar-lha. Estas galinhas fornecem-me uma grande quantidade de ovos. Todas as vezes que o carro pára, abre-se-Ihes a porta da gaiola e elas vão passear em volta, sem se afastarem muito, sem se perderem e sobretudo sem nunca se atreverem a pôr os ovos fora da gaiola; no momento da partida, retomam o seu lugar no vagão. Desta forma teremos ovos frescos durante toda a viagem, o que é um bem precioso. Muitos caçadores usam o sistema de as instalar num grande saco de couro, suspenso por baixo do carro.

Terça-feira, 10 de Agosto - Esta manhã acabei as limpezas necessárias para a instalação das primeiras construções e o soba prometeu-me velar de forma a que ninguém se estabeleça naquele terreno durante a minha ausência. Antes da minha partida para o rio, tinha-lhe confiado a guarda de um certo número de objectos, que atravancavam inutilmente o meu carro. Restituiu-me tudo, sem que se tivesse perdido ou extraviado fosse o que fosse. Trazem-me grandes quantidades de sorgo e de feijão, dos quais faço uma boa provisão para Omaruru e, à noite, vou dizer adeus ao soba, comunicando-lhe a minha partida para amanhã de manhã.

O sol aumenta, com efeito, de intensidade de dia para dia e as nascentes vão secando; o regresso vai tornar-se, dia a dia, mais penoso e difícil. Não quero, como no ano passado, ver-me obrigado a esperar a estação das chuvas.

Sexta-feira chegamos a Orendieno e domingo de manhã ao poço de Nimézia, onde passamos o dia.