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MARIA ESTELA GUEDES - COMO ESCREVER COM ÊXITO? |
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Socorrendo-se de textos nos mais diversos registos, desde os burocráticos aos literários, os autores de "A Dinâmica da Escrita" ensinam como escrever com êxito. Ensinam outras matérias também, ligadas à comunicação, pois a vocação da obra é sobretudo didáctica. O resultado é um êxito como livro, mas cumprirá ele a missão de levar outrem a escrever com êxito? Isto é: o êxito ensina-se? Escrever bem, sabem-no os autores, não é ensinável, se por tal entendermos a arte da escrita, que não seria inteligível como arte sem transgredir ao menos algumas regras. E uma escrita absolutamente conforme com as regras não passará nunca disso - uma escrita conformista, mangas de alpaca. Por princípio, todo o utente goza de competência na sua língua materna, desde que se faça entender. Para se fazer entender, pode violar todas as normas, quem lhe pediria contas? Aqueles que não entendem a sua língua materna nem conseguem fazer-se entender nela, não diria que são incompetentes, sim doentes. Mas o utente que, na sua competência de se fazer entender, enrodilha os verbos e atropela as concordâncias, não viola as regras como o escritor. São modos muito diversos de ser competente, um com arte e outro sem ela. Em que consiste a diferença? Supondo que o escritor queira muita verosimilhança na sua personagem, um juvenil que fala bué de fixe, e então escreve com muito bué de fixe frases que nem acaba - qual a diferença? Esqueçamos este capítulo da diferença, que existe certamente, pelo menos quanto à consciência do facto - o escritor sabe o que diz (às vezes) - e passemos a outro, em que a obra é bem mais útil e se legitima nessa utilidade: é preciso escrever bem para passar nos exames, progredir na carreira, ser convidado para festas importantes, etc.. Este é o domínio da linguagem em que escrever bem ou mal qualifica e desqualifica socialmente o utente. Porque escrever bem ou mal diagnostica um grau intelectual, podendo embora não diagnosticar graus de inteligência. Escreve bem quem leu muito e bons livros e isto é já uma recomendação, quem a tem é pessoa de confiança que pode assim vencer outra num concurso. É pessoa de confiança verbal, que podemos convidar para nossa casa, na certeza de que não nos envergonhará, dizendo, na frente de visitas de cerimónia, que ela e demais membros da família "há-dem voltar noutro dia", por suposição. É este o alvo que explícita ou implicitamente buscam "A Dinâmica da Escrita" e o Prontuário - fornecer instrumentos que evitem vergonhas. Agora ensinar a escrever como Van Gogh pintava campos de girassóis, isso não é possível, não se ensina - ao seu tempo, os campos de girassóis de Van Gogh foram certamente por muitos considerados uma vergonha, socialmente falando, tal como a geração do "Orpheu" obteve carta de recomendação para Rilhafoles dos seus contemporâneos. E no entanto... "Não é verdade de que?" |
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