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JOSÉ CASQUILHO
O Sancy:
mais de cinco séculos de história (2)

Sabe-se que Henrique III usava o diamante num adereço do chapéu. D. António virá a falecer pobre, em Paris, no ano de 1595. Com a morte de Henrique III, em 1589, sucede-lhe Henrique IV, que reinava em Navarra, e que se torna o primeiro rei de França da dinastia de Bourbon.

Nesse tempo a França esteve envolvida em guerras prolongadas entre católicos e protestantes e o diamante foi sucessivamente empenhado para angariar fundos para pagar tropas. Até se conta a história de um homem que transportava o diamante quando foi assaltado e morto; tendo-se ordenado a autópsia assim se volta a descobrir o diamante dentro do corpo.

 



Em 1604 o senhor de Sancy, entretanto feito superintendente de finanças do reino, vende o diamante a Jaime I de Inglaterra. O rei usava-o também num ornamento de chapéu. O diamante era então ainda uma pedra polida numa forma que faz lembrar as quinas do escudo de Portugal.

(Nicholas de Harlay, senhor de Sancy, gravura de Merlleu Cranne, Châteaux de Versailles)

 

(Jaime I de Inglaterra - VI da Escócia -, Scottish National Portrait Gallery, Edingburgh)

 

 

No inventário das Jóias da Coroa de Inglaterra de 1605 refere-se "one dyamonde ... bought of Sauncey" (1). É nesta altura que o diamante ganha o nome que ainda hoje o designa.

Depois o Sancy fica integrado, com o talhe que hoje se conhece em rosa dupla, executado na primeira metade do século XVII - talvez em 1605 -, como pendente numa jóia chamada o Espelho da Grã-Bretanha, simbolizando o desejo de agrupar naquela designação os territórios de Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda, cada um representado por uma pedra, sob a égide dos Stuart.

 

O seu filho, Carlos I, enfrenta a revolta puritana e a guerra civil em Inglaterra e envia a rainha Henriqueta Maria para a Holanda e França para vender as jóias da coroa e conseguir fundos para pagar armas e tropas, em 1644. O diamante deixa Inglaterra pouco tempo depois de ter sido conseguido um marco fundamental na luta pelos direitos humanos: a aprovação pelo parlamento da Petição de Direitos que se referia à Magna Carta, e que veio marcar a emergência do Estado moderno.

(Espelho da Grã-Bretanha, esboço de Thomas Cletcher, Boymans van Beuningem Museum, Rotterdam)

É assim que o Sancy entra, em 1657, na posse do cardeal Mazarino, primeiro-ministro de Luís XIV, ficando designado como o Primeiro Mazarino - o maior diamante da sua colecção. Por sua morte, em 1661, o cardeal deixa os diamantes à coroa. Luís XIV, o rei-sol, herda o Sancy, durante uns tempos o maior diamante da França.

O Sancy participa então na simbólica do Absolutismo e do Barroco. Alguns anos mais tarde o Sancy vai formar a pétala superior da flor-de-lis que encima a coroa de Luís XV; o diamante frontal da coroa é o Regente de França, um brilhante/almofada de 150 quilates, entretanto adquirido.

 

 

 

(A coroa de Luís XV, Museu do Louvre, Paris)

Luís XV é coroado em 1722. O Sancy, depois de indiciar o poder da casa de Borgonha, da casa de Aviz, dos Stuart, vem agora coroar o poder da casa de Bourbon.

A rainha de França Maria Leczinska, mulher de Luís XV, também usa o diamante, como pendente, no colar - é o tempo da soberania das Luzes.

E nas jóias da coroa de França o diamante permanece, até que acontece a Revolução Francesa em 1789, após anos de penúria e de fome; as jóias da coroa são consideradas um bem público e guardadas num edifício chamado Garde Meuble. No inventário das jóias da coroa, efectuado em 1791, o Sancy funcionou como padrão, avaliado em um milhão de libras (francos-ouro); era o terceiro diamante mais valioso de França de acordo com esse inventário, seguindo-se ao Regente (12 milhões) e ao diamante azul (3 milhões).

(Maria Leczinska, de Carle van Loo, sec. XVIII, Château de Versailles)

Em 1795 o Sancy foi penhorado pelo Directório para obter um empréstimo volumoso, avaliado num milhão de francos, em cavalos e armas, junto do Marquês de Aranda em Espanha. Mais uma vez o Sancy abandona um país, na ressaca de uma convulsão social, onde acontecem os marcos notáveis da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Constituição.

Ao marquês de Aranda sucede no governo de Espanha Manuel Godoy, antigo guarda do palácio e favorito da rainha Maria Luísa de Parma, casada com Carlos IV de Bourbon.

Godoy, feito duque de Alcudia e depois príncipe da paz, possuiu o diamante; trata-se presumivelmente da pedra que forma o corpo central do Tosão de Ouro, nesta miniatura.

O Sancy é depois vendido em 1828 a um príncipe russo, que o compra por £35000 e por sua vez o revende em 1865 por $100000; em 1867 o diamante está nominalmente à venda por um milhão de francos, mas realmente vai parar às mãos de um mercador rico de Bombaim pela quantia de £20000.

(Manuel Godoy, Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa)

Sir Jamsetjee ostenta o diamante pendurado no lado direito da capa. O Sancy indicia agora um potentado comercial do império Britânico.

(Sir Jamsetjee, final sec. XIX, gravura de D J Pound, Illustrated News of the World)

 

O comerciante de Bombaim revende-o, pouco depois, ao Maharaja de Patiala. Durante umas décadas o Sancy regressa à sua terra de origem, de novo como símbolo do poder masculino.

Diz-se que em 1905 é adquirido por um americano depois naturalizado britânico e agraciado com o título de visconde de Astor.

O Sancy acompanha a nobilitação dos milionários americanos - a fortuna de William Astor estava avaliada, na época, em 80 milhões de dólares. A viscondessa de Astor, a primeira mulher a sentar-se na Câmara dos Comuns do parlamento britânico, usa o Sancy como pedra central da sua tiara desde 1922, em ocasiões de Estado.

O diamante permanece na família Astor até 1976, quando é vendido, com negociações secretas, diz-se, por um milhão de dólares - mais uma vez o Sancy estabelece um padrão, agora na nova moeda dominante - ao Banco de França e daí passou ao museu do Louvre , exposto desde 1978.

A última etapa corresponde à socialização do Sancy - finalmente está à vista de todos. Nesta sua última viagem, o diamante foi recebido em França com honras de Estado.

(Lady Astor, fotografia da Hulton Getty Picture Collection)

Notas
(1) Tradução: "um diamante... comprado a Sancy".