Hoje passou uma arruada à minha porta,
miúdos e graúdos, gaita de foles e rufar de tambores. Pendurado da
janela, lá fiquei com um cravo vermelho. Foi há 37 anos e eu tinha 16
anos então. Que belos sonhos tivémos na minha geração, um mundo mais
justo, um mundo melhor, utopias claro, mas como dizia o poeta: quando um
homem sonha o mundo pula e avança. E assim foi e parecia ser durante
largos anos. Falo de Portugal.
Portugal hoje, ou melhor: uns tantos
bancos e outras tantas empresas públicas, estão classificadas como lixo
pelas agências de notação, e a dívida soberana está a um passo. Essas
agências foram recentemente consideradas pelo Senado americano como as
principais causadoras da crise financeira que eclodiu em 2008 e por aí
sucedeu como bolhas num sistema em cavitação. Como foi possível termos
chegado a este estado do Estado? Terá sido a nacionalização do BPN que
salvou as fortunas dos poderosos e se espraiou pelas contas públicas em
défices e buracos sucessivos? Seria algo que já estava escrito de longe
e ninguém falou? Não sei, estou por fora de quaisquer meandros
políticos. É verdade que o problema é comum a Portugal, Grécia, e
Irlanda, e esperemos que não alastre, e constitui assim um síndroma: o
lote dos países periféricos que receberam pacotes de fundos comunitários
nos anos oitenta e noventa tinham uma pesada factura escondida à espera,
é o que parece. Capitalismo financeiro no seu esplendor totalitário.
Sei que estou falido, e sei porquê. Em
2005 fui tempestivamente despedido por uma instituição do Estado, sem
ter tido processo disciplinar, sem acusação de incumprimento de serviço,
e nem tive direito a subsídio de desemprego porque, apesar de tal lacuna
na lei ser inconstitucional, não estava previsto então para os
professores universitários. Advogados disseram-me que tal despedimento
seria ilegal, e até inconstitucional, e fui convencido a interpor acção
judicial, para não ser cúmplice por omissão com uma injustiça que
cometida sobre um constituiria uma ameaça sobre muitos. Seis anos
depois, sobre uma questão tão simples como um contrato automaticamente
renovado pouco mais de um ano antes do despedimento, e ainda com quatro
anos pela frente, não conheço a resposta do tribunal.
Ainda hoje não sei qual o motivo maior
desta perseguição. Várias pessoas me disseram então que tinha sido um
despedimento claramente político. Enfim, contrariei de várias maneiras
interesses poderosos mas o que me moveu nessas lutas foi o meu conceito
de bem comum, e, hoje, depois de ter lido muita história reconheço que o
que era o desfecho mais provável: não é impunemente que se ataca
interesses poderosos.
Enquanto procuro construir um futuro
noutro lugar, coisa que parece estar encaminhada, ainda sou investigador
em Portugal, sem vínculo nem vencimento, fica o título, mas está aí o
meu cv para quem quiser julgar [*].
Vejo-me na necessidade de dizer que já
conheço as privações e se ainda tenho abrigo, e
enquanto tenho, já é pela boa vontade de alguém. Se outros me quiserem
ajudar no entretanto, aceito, contactem-me por email. Dantes, quanto
mais não fosse por orgulho, ser-me ia impossível escrever isto, agora
não.
[*]http://www.triplov.com/casquilho/Curriculum/index.htm |