Mircea Eliade conta-nos que o homem
religioso conhece duas espécies de tempo, profano e sagrado: uma duração
evanescente e uma sequência de eternidades periodicamente recuperáveis
durante as festas que constituem o calendário sagrado [1] - os
participantes da festa tornam-se contemporâneos dos deuses e dos seres
semidivinos e o calendário sagrado regenera periodicamente o Tempo,
porque o faz coincidir com o tempo da origem, o tempo forte e
puro. O autor usa a expressão homo religiosus para abarcar todos
aqueles que atribuem um cunho sagrado ao passar do tempo e recorda que
em várias culturas aborígenes, sejam os yuki ou yokut da
América do Norte, diz-se que o mundo passou para referir que
passou um ano, enquanto que os dakota dizem expressamente: o
ano é um círculo em volta do mundo.
Acontecimento
Einstein, numa conversa com Carnap, diz
textualmente: o tempo não está na física. Prigogine acrescenta a
afirmação de que [2]: escolhendo o ponto de vista da física o tempo
enquanto irreversibilidade é uma ilusão e portanto não pode ser objecto
de ciência. Davies refere-nos que para os físicos o tempo não flui,
apenas é [3].
Um objecto físico é alguma coisa que
tenha energia [4] e a categoria dos objectos físicos não inclui os
objectos da matemática, lógica ou semântica modal ou mais geralmente
qualquer objecto idealizado. Existem os que afirmam que a informação
é física [5] reclamando que existe sempre algum suporte material e
energético nos processos informativos, mas já Saussure, um século antes,
tinha feito a distinção entre significante e significado
[6], e se o primeiro é de ordem física e suporta o segundo, este é de
ordem mental e não é redutível ao primeiro, aspecto que releva do quadro
de uma dualidade interna de todas as ciências que operam sobre valores.
O espaço onde podemos comunicar
reporta-se ao domínio no qual os sujeitos de uma cultura experimentam a
significação [7]: semiosfera, e admitimos aqui que o campo próprio para
falar do tempo é metafísico podendo proporcionar incursões
físicas, biológicas ou matemáticas.
Metafísica e ciência partilham do
objectivo de explicar a natureza fundamental do mundo [8], mas enquanto
que a segunda procede empiricamente ou a posteriori a primeira
procede a priori, e assim distinguem-se no método. Ainda temos os
planos poético e filosófico se quisermos abranger outras dimensões da
semiosfera: Kierkegaard definia o instante como o ponto onde o tempo e
a eternidade se tocam [9].
Platão considerava o instante uma coisa
estranha e Aristóteles dizia que
era o elo do tempo, o que separa o antes do depois, ligado ao tema da
mudança de qualidade [10], onde as qualidades apostas a qualquer porção
material neutra constituem uma substância; e assim o movimento constitui
necessariamente uma mudança de estado em vez de ser um estado. O termo
substância em Aristóteles comporta quatro acepções,
a saber [11]: a essência, o universal, o
género e o substrato.
Para Saussure a língua é forma, não uma
substância. O acontecimento é a manifestação do tempo. Zilberberg [12]
define três modos a propósito do acontecimento:
1. o modo de eficiência, que articula o
sobrevir e o conseguir; 2. o modo de existência, que articula a
focalização projectiva e a apreensão retrospectiva; 3. e o modo de
junção, que articula a concessão e a implicação, sendo estas as
modalidades em que se expressa.
Figuras do tempo
Os acontecimentos podem cristalizar-se
em formas. É assim na biologia, onde dominam as hélices e espirais dos
moluscos ou das árvores [13] ou na mineralogia onde surgem os sólidos e
as malhas cristalinas de silex.
Na descrição matemática das formas o
tempo é geralmente representado por uma variável real: um número
unidimensional que percorre um conjunto ordenado que incorpora os
números racionais e os irracionais, aí incluídos os transcendentes, numa
amplitude, ou extensão, que vai desde menos infinito a mais infinito.
Essa variável, o mais das vezes designada pela letra t, chama-se
parâmetro quando toma valores num certo intervalo e serve de
argumento a funções reais. Neste exemplo de espirais [14] temos uma
convolução de curvas parametrizadas por uma variável real.
Na catástrofe borboleta [15] vimos como
só se acede à bolsa que comporta os três equilíbrios quando o parâmetro
t - a variável real tempo - se torna negativa,
associando-se este modelo morfogenético ao processo de preencher,
esvaziar ou receber, quando interpretado no tempo [16]. Recorde-se que
se designa por catástrofe, no âmbito dos sistemas dissipativos
[17], o desaparecimento de um equilíbrio estável e o aparecimento
doutro, consecutivos a uma modificação contínua do potencial.
A existência de números negativos em
matemática foi um problema que demorou muito tempo a ser resolvido; eles
apareciam nos cálculos como contrapartida algébrica necessária para
garantir a consistência das operações e obter um resultado, mas não lhes
era reconhecido estatuto de números na cultura ocidental, antes eram
considerados artefactos operatórios.
Tal derivava da tradição grega do
problema da medida, onde as áreas ou comprimentos tinham existência
física, portanto positiva, sendo os números negativos considerados como
representantes de objectos impossíveis. Ainda mais impossível aparecia o
cálculo da raiz quadrada de menos 1, a unidade imaginária [18], pois não
há número real que satisfaça essa operação, e no entanto a sua
existência impôs-se por exemplo no cálculo de uma raiz cúbica real [19],
justificando a afirmação de que por vezes o caminho entre duas verdades
no campo real passa pelo plano complexo.
Gauss escrevia em 1831: tivessem sido
+1, -1 e designados
unidade directa, inversa e lateral, ao invés de unidade positiva,
negativa e imaginária e não teria subsistido tanta obscuridade no
assunto [20]. Já em 1806 o abade francês Buée tinha publicado um extenso
artigo onde concluía que era
o signo da perpendicularidade, e formulou o tempo como expresso
através daquela entidade.
O tempo solar é simplesmente cíclico:
nunca exactamente iguais, as estações e os dias que se repetem são
sempre semelhantes aos dos anos passados. A fita de Möbius, descoberta
em 1858, é uma boa figura de um tempo que regressa ao longo de uma
espiral, numa superfície não orientável, com fronteira [21], em que se
percorre os dois lados para descobrir que é um só. |