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JOSÉ CASQUILHO..
O mesmo de sempre

No editorial de 20 de Setembro de 2002, o director do Público José Manuel Fernandes tomou partido inequívoco sobre a legitimação da iniciativa de agressão militar contra o Iraque. Finalizou o texto dizendo que “os mesmos de sempre estarão contra”. Como eu estou contra, venho dizer-lhe as minhas razões.

É triste ver a retórica “civilizada” que visa legitimar o ataque ao Iraque: Saddam Hussein é um mauzão que ameaça os vizinhos e toda a gente e como tal deve ser neutralizado, no mínimo. Como se os arsenais de armas de destruição maciça de Israel ou do Paquistão e, à cabeça, dos EUA, não fossem bem mais preocupantes… e actuantes. Ou ainda se invoca o argumento que no Iraque se vive uma ditadura, como se tal não fosse o caso na Arábia Saudita, por exemplo. O mais clarificador da hipocrisia da argumentação é que não são os vizinhos do Iraque a pedir uma intervenção, mas antes os soberanos EUA que imperialmente o decidem.

Porque a decisão está tomada, obviamente. No pensamento rasca da pragmática americana isto é assim: é preciso fazer guerra para animar a economia, controlar os recursos estratégicos, elevar a popularidade do presidente e consolidar o sentimento de identificação nacional; depois desta conclusão, há que escolher a vítima mais palatável para a opinião pública, construir o invólucro de legitimação retórica e sossegar, na contemplação narcísica de um grande espectáculo movido pela primeira potência mundial. Eu entendo o gozo masculino com um espectáculo de guerra.

Os actores principais do lado do mal do filme do princípio do novo milénio são, a meu ver, os srs Bush, Blair e Sharon ; ainda se perfilam no horizonte outros actores secundários, servis do lado do mal, entre os quais um chamado Durão Barroso. Porque a guerra é um mal e a iniciativa da agressão esclarece a responsabilidade dos agentes: está em curso a tecno-barbárie do novo milénio.

Contrariamente a José Manuel Fernandes penso que a agressão se fará sem a legitimação das Nações Unidas apenas com o apoio da Grã-Bretanha e da corrupta Europa mediterrânica e mais alguns. Honra seja feita à reserva francesa e à distância alemã. Eu que tenho orgulho lusitano, tenho agora que engolir esta vergonha. Mas ainda acrescento que no terrível espectáculo que vai vir, penso que se voltará o feitiço contra o feiticeiro.

José Casquilho
Aderente do Bloco de Esquerda

 
Publicado em 2002 no Público