“...Os nossos, como iam crentes ser aquela gente dos convertidos pelo apóstolo São Tomé, segundo a fama que cá nestas partes havia e eles achavam per dito dos mouros, alguns se assentaram de joelhos a fazer oração àquelas imagens, cuidando serem dignas de adoração. Do qual acto o gentio da terra houve muito prazer, parecendo-lhe sermos dados ao culto de adorar imagens, o que eles não viam fazer aos mouros.”
João de Barros (chegada a Calicut), 1498 |
Talvez tenha sido por este bonito equívoco, relatado por João de Barros, e por outras razões, que Damão e Diu ainda hoje constituem uma unidade territorial administrativa da Índia, a segunda mais pequena daquele grande país. Os impressionantes fortes portugueses, de basalto talhado, cimentados por argila e cal, estão bem conservados, e até em recuperação, com materiais naturais - como no caso de Diu, ainda ornado pelos potentes canhões portugueses, exemplares expostos da dinastia de Aviz.
Não faço idéia das peripécias diplomáticas e políticas necessárias para promover os núcleos históricos de Damão e Diu a Património da Humanidade (PH), apenas sei que bem merecia, e por certo que seria uma justa e boa idéia. Não consigo divisar por que razão o Governo da Índia poderia não gostar dessa iniciativa, que por certo fomentaria plataformas turísticas e culturais de intercâmbio e acesso à Europa. O último item classificado na Índia como PH, com data de 2007, é uma fortaleza, mas não é portuguesa. A classificação dos conventos e igrejas de Goa data de 1986, já lá vão mais de 20 anos.
Pude observar, em Damão e Diu, a convivência pacífica entre rituais hindús, islâmicos, cristãos, e outros. Pude sentir a simpatia das gentes, e a bonomia das vacas, os veículos de Shiva. Tive a sorte de conviver com quem ainda fala português, cada vez menos, em qualquer dos lugares, à medida que as gerações subsequentes vão perdendo o acesso e o contacto com a língua portuguesa, ainda salvaguardada nas preces cristãs. Não quero pensar que o nosso Governo não cuide deste aspecto - por certo alguma coisa estará a ser pensada por forma a acudir a tão sentido e relevante apelo daquela ponta da lusofonia.
Se a proposta de classificar os fortes de Damão e Diu como Património da Humanidade ainda não foi feita, e parece que não, pois fica aqui formulada - seria um belo presente para muitos, e uma mensagem de paz e multiculturalismo.
José Pinto Casquilho
S. João do Estoril |