No mês passado surgiram várias notícias que indicavam que Portugal poderá chegar ao período de aplicação do Protocolo de Quioto (2008-2012), a emitir mais 42.2 por cento do que poluia em 1990 (ano de referência) em emissões de dióxido de carbono (CO2), quando não deveria ultrapassar 27 por cento desse montante. Esta diferença de 15.2 por cento faz-nos o país europeu campeão do provável incumprimento. Essa previsão coloca Portugal sob o horizonte de uma dupla penalização, não só porque ficamos obrigados a compensar o não cumprido transferindo-o para o período subsequente (posterior a 2012), como podemos ter de vir a comprar centenas de milhões de euros em créditos de emissão para compensar o excesso das emissões como decorre do processo que a EU pondera instaurar a Portugal pela derrapagem em curso.
Sobre o lado das emissões não creio que haja saída sustentável fora de uma transformação profunda na política energética portuguesa, onde além do apoio às energias renováveis, sou hoje liquidamente a favor da energia nuclear, muito mais limpa em gases de efeito de estufa, recordando que Portugal é um dos maiores produtores de urânio do mundo, a que acresce hoje o advento dos reactores de neutrões rápidos e a tecnologia em que o lixo nuclear é quase completamente reciclado (v. Scientitic American, ano 4, nº 46, Março de 2006). Penso que é tempo de abrir o debate lúcido e sem preconceitos sobre esta tema em Portugal.
Nas emissões de CO2 os fogos florestais são um fenómeno preocupante. Por exemplo, o Brasil é dos 10 maiores emissores de CO2 do mundo à conta das queimadas da floresta amazónica. E em Portugal dir-se-ia que se instalou uma cultura pirófila, com as mais de 30 000 ignições intencionais por ano e os cerca de 300 000 hectares de área ardida só no último ano, valor que coincide com o da média dos últimos 3 anos. Este panorama releva de uma cadeia multivariada de interesses, onde ressalta que na última década as áreas totais ardidas têm uma correlação elevadíssima com as áreas de eucaliptais ardidas no mesmo período.
Na economia do Carbono existem várias valências a atender. A maravilhosa tecnologia da Natureza permite, através da fotossíntese realizada nos cloroplastos, que a luz alimente a maquinaria enzimática que permite transformar CO2 em unidades de açúcar, que depois serve em parte para queimar na respiração celular ou constituir materiais da parede celular que expressam o crescimento em biomassa. O crescimento anual dos arvoredos é assim proporcional à fixação anual de carbono, processo que é designado como produtividade primária líquida (ppl), a diferença entre o Carbono fixado pela fotossíntese e o que é libertado na respiração celular, por unidade de área, à escala de um ano..
Com os fogos florestais não só arde parte substancial do que existe, e assim se emite muito CO2, mas também é afectada a ppl dos próximos anos, que é máxima em arvoredos jovens, e assim demora cerca de 5 a 7 anos a recuperar. Este tempo de recuperação traduz-se numa perda oculta da fixação do Carbono em Portugal que valeu bastantes milhões de toneladas na última década.
Baixando drasticamente as áreas ardidas por ano, reconvertendo interesses e mentalidades na perspectiva do bem comum - o que aliás me parece ser o eixo do conjunto de medidas que o Governo tem estado a anunciar neste domínio – consegue-se automaticamente aumentar muito o sequestro de Carbono e assim compensar parte do excesso das emissões, nalguns milhões de toneladas de Carbono por ano de acordo com os meus cálculos.
Trata-se apenas de deixar crescer os matos, compartimentados em faixas com folhosas resistentes ao fogo, junto com outros povoamentos florestais, em mosaicos regrados na paisagem, na tripla perspectiva da produção de bens e serviços, da sustentação da biodiversidade e da resiliência do sistema. Tal não obsta a que se deva utilizar fogos controlados para obviar a grandes incêndios. Assim possam os proprietários e agentes compreender este horizonte global que, creio, a todos aproveitaria.
Pode-se ainda promover adicionalidade no sequestro de Carbono - uma das palavras-chave do Protocolo de Quioto. Existem soluções biotecnológicas que intervêm na rizosfera e que mostram resultados surpreendentes, operacionalizando o conceito de simbiose na natureza, e que deviam ser utilizadas nos processos de reflorestação.
A integração de Portugal no cumprimento do Protocolo de Quioto passa por atender a esta multiplicidade, reencontrando o espírito do artº 66º da Constituição da República Portuguesa onde se afirma não só o direito de todos a um ambiente equilibrado como ainda o dever de defendê-lo.
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