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JOSÉ CASQUILHO
Matemática...

Mais uma vez, num exame nacional, os alunos do secundário tiveram nota média inferior a seis valores, num total de vinte. Este número é um índice de um sistema – o sistema de avaliação da matemática no secundário em Portugal – que merece investigação.

Dantes culpavam-se os alunos, que não queriam estudar, agora demonizam-se os professores, que não sabem ensinar. Será assim?

Vejamos: o resultado de uma prova classifica antes do mais quem a faz - é uma inevitabilidade que deriva da autoria. O(s) autor(es) efectivo(s) permanece(m) sempre mais ou menos secreto(s), pelo que resta, junto da opinião pública, o responsável político - a ministra, no caso.

A palavra matemática deriva de “matesis”, que em grego significa demonstração, e portanto a matemática é o exercício dessa técnica, onde se parte de hipóteses e deduz-se consequências. Os resultados matemáticos provêm desta forma, mesmo quando se computam soluções práticas de problemas, seja por dedução construtiva ou indução.

Parece que matemática está hoje em revolução epistemológica. Depois do sonho de unificação de Hilbert, veio o Teorema de Godel, por volta de 1930, mostrar a existência de proposições indecidíveis num sistema axiomático. Mais tarde, a Teoria do Caos, nos anos sessenta e setenta, veio revelar que sistemas determinísticos não se distinguem, nos seus efeitos estatísticos, de comportamentos aleatórios. Entretanto emerge a Geometria Fractal que introduziu o conceito de espaço de dimensão fraccionária como categoria operativa e modelo do real. Finalmente, em Março deste ano, Gregory Chaitin – um autor da área da complexidade computacional - refere que existem infinitos teoremas matemáticos que não podem ser demonstrados a partir de um conjunto finito de axiomas. Ora isto é uma contradição nos próprios termos, porque teorema exige demonstração. No entanto Chaitin esclarece o alcance do problema, com o exemplo do número Ómega, e sugere que, em face deste resultado, a única maneira de progredir é poder ser-se livre de acrescentar mais axiomas no ponto de partida...

Ora fica mais em aberto uma nova maneira de fazer e ensinar matemática, que já estava em curso há décadas, apelidada de procedimentos heurísticos, onde o lugar criativo de todos está agora mais promovido. E assim se poderia olhar para a matemática em Portugal, como uma ginástica é certo, mas também uma poesia da descoberta das formas e proporções do mundo, visível e invisível. É, no entanto, necessário disciplina e treino, de par com a criatividade, para contrariar a redundância ou a irrelevância, e sobretudo para evitar erros.

Têm os portugueses um traumatismo identitário com a matemática? Não, como fica por demais provado com as fortalezas, os canhões, as naus e caravelas, os sextantes e as bússolas. Ou ainda hoje em dia: os moldes, por exemplo. O que se passa, a meu ver, é que no domínio das matemáticas em Portugal permaneceu algo substancial da herança salazarenta, da técnica da hiper-selecção, como sensação de poder e filtro punitivo. É tempo de mudar esta sinfonia, esta mentalidade persecutória e castigadora. O resultado numérico acima mencionado, menos de seis em vinte, entendido como índice de um sistema de política educativa de um sector, dir-se-ia que chumba os responsáveis, e as responsabilidades maiores são as de topo, como é óbvio.