Canção metafísica

PAULO BRITO E ABREU


ao Max Heindel
ao Percy Bysshe Shelley
à Hermética Irmandade dos Amigos da Luz

IN HOC SIGNO VINCES

Eu vi o Deus perdido em um país inquieto,
O Deus assassinado p’lo mortal Voltaire,
E dentro da capela, já bem ressurrecto,
O negro coração de Charles Baudelaire.

Esse Deus é que fala aos justos e aos heróis,
À Luz imaculada, ao Vate verdadeiro;
Chorando em roucos sons, na vastidão dos Sóis,
Eu vi vertendo pus o sangue do Cordeiro.

Oiçam-n’O respirar; na praia mais abjecta
Há mornas prostrações, delírios de Luar…
E um Anjo me viu e disse: «Ó grado Poeta,
Não faças dessa Luz a larva tumular.»

Mas o Deus projectava na praia uma sombra,
Um misto de Luz e de grande rebeldia,
E eu espreitei e vi, deitado numa alfombra,
O Demo dormitando em minha Poesia.

E eis que Deus lhe disse: «Ó Anjo fulminado,
Tu eras uma vez meu Anjo predilecto;
Porém roubaste a Luz, por causa do pecado
Rastejas como um verme aos pés do Paracleto.

Eu dei-te a esmeralda que tinhas na testa,
O verde rubi dessa grã Sabedoria,
Mas por a tua voz não ser a voz modesta,
Condenado estás ora ao mundo da anarquia.»

E então essa serpente, com voz de trovão,
Encapelou o mar, encapelou a vida,
E disse sob a forma de um vil garanhão,
Com olhos flamejantes e voz de suicida:

«Trabalhei no inferno pra ter Liberdade,
Sou possesso de altura, mas vivo num cabo
Onde os homens do mar, com grã fatalidade,
Encalham os navios e chamam-me Diabo.

Mas cansado da noite, do reino das trevas,
Há muito que já espero uma bela alvorada
Que mude o meu Destino e me leve onde levas,
Ó Deus imarcescível do Império do Nada.

E eu só quero dormir, encostar a cabeça
No seio do meu Pai, minha Luz da quimera,
E não quero que nada no mundo me impeça
De ver os rouxinóis e o Sol da Primavera.»

No Cosmos pois se deu tal coisa grandiosa:
O Sol uniu-se à Lua, o cardo uniu-se à Rosa,
E das químicas bodas do macho coa fêmea
O grão Semeador foi forte e farto e sêmea.

E eu vi, d’Amor-Almar, o liberto e o lírio,
O «liber» da Beleza que é fasto e é fundo,
Como eu vi, numa Rosa, o Sol, o sal, o círio,
E fora duma Cruz, o Cristo para o mundo.

 

Lisboa, 29/ 06/ 1987, Queluz, 28/ 11/ 2018

AD MAJOREM DEI GLORIAM

PAULO JORGE BRITO E ABREU