Caderno de viagem

 

CARLOS RAMOS


Carlos Ramos, Nasceu em Peniche, Portugal. Licenciou-se em Direito, escritor, tradutor e fotógrafo. Foi sócio fundador da VIRTUAL – Associação de Fotógrafos. Publicou os primeiros trabalhos nos jornais, DN Jovem e no JL – Jornal de Letras, está publicado também nas colectâneas “Nas Águas do Verso”,“Entre o Sono e o Sonho” e em “Hymn to Poetry – International Poetry Festival”. Nas revistas literárias: “Palanque Marginal” – (Brasil), “Abismo Humano” e “Piolho” – (Portugal), “LiteraLivre” – (Brasil), “Proyecto Straversa” – (Colombia), “Oropeles y Guiñapos” – (Espanha), “Literatura & Fechadura”- (Brasil), “Ruído Manifesto” – (Brasil) e nas páginas “Poesia Portuguesa”, “Quem lê Sophia de Mello Breyner Andersen”,  “TheBooksmovie – Fonoteca de Poesia Contemporânea” – (Espanha), “Weixin offcial platform” – (China),   em “Escritas.org” – (Portugal/Brasil),  em “PoemHunter.com” – (França) assim como em diversos blogues, entre outros “Gazeta de Poesia Inédita”, “Canal de Poesia”, etc. Participou como programador no projecto cultural Alcova Org. Foi autor e administrador dos blogues: “Infinito Atlântico” e “As Mãos Por Dentro do Corpo”. Está traduzido para espanhol, chinês (mandarim, dialecto de Shandong e dialecto de Xangai) e inglês. Participou e participa em festivais literários e recitáis de poesía.


Caderno de viagem

 

O muro devorado pelo sol

as pequenas flores fechadas nos refegos

as suas bocas abertas ao azul esperançoso do dia

nos olhos da água

os significados por descobrir

pequenas gotas que cegam pela manhã

e depois desaparecem.

Coloco as mãos no muro

sinto o silêncio dentro

a voz das pedras

a febre do mar

dentro

um mistério no meio

não sei como escrevê-lo

no céu aberto

fecho os olhos

recolho

com as mãos limpas

o poema.


Testamento

 

Com a força do asfixiado

apagas-te na espera de um nome

devolves tudo o que te deram

esperas a pobreza

que desce pelas horas

os degraus dos dias

ao encontro da idade propicia

para morrer

na raiz da luz

a pedra em seu repouso

desejada.

A ave sem medo

da sua claridade

é um sol em busca das palavras

mais perdidas

menos encontradas

o nada

chama-te para os trabalhos finais

fazer tremer uma palavra

no peito do mar

escrever água

deixar sal

para os amigos.


A voz na água

 

Vem a onda escutar-me o poema

digo-o em voz muito baixa

a onda regressa sempre para ouvir um pouco mais

do poema que me devolve

ao mar todo.


Disparo

 

Um chá quente entre as pernas

mãos de concha

a chávena a sorrir

do que te faz feliz

mas a desordem está também aí

na compaixão

das orações frias

a ruína treme

e tu com ela

pronto para cair.

Voltas atrás

à bebida já arrefecida

à branca queimadura

do que resplandece

e à ferida que acolhe o negro

daquela luz que

brilha sem descanso.

 

Tu sem caminho, sem estrada, sem abrigo

tu com o abismo todo na boca

calas o poema

dás o tiro.


Notas para desaparecer

 

Contemplo o rosto

imóvel contemplo

os meus olhos

diluídos na cegueira

alguma espuma

deixada pelo que sobrou da insónia

flutua nas horas da manhã

um deus antigo dá-me a mão

fala-me ao ouvido

e as palavras abrem-se como frutos

ao bosque dos sentidos

a sua voz é um som doce

entra-me devagar na ferida

todos os dias

abre-a um pouco mais

liberta um óxido na língua

com sabor a rendição

silenciosamente

o poema como um balão

eleva-me o corpo

já não nego a desaparição.


Diálogo 

 

Volta a sair a palavra

para queimar de novo o mundo

iluminar-lhe a boca

com o seu relâmpago

se fores pelo centro da noite

o meu olhar

há-de acompanhar-te

abrirei as mãos

baixarei a cabeça

sonharei um poema

onde possa sempre

visitar-te.


Um poema espera que regresses

 

Um poema espera que regresses

para pousar teus olhos

no silêncio.

 

Escreve no vazio a sua limpidez

a noite detida pelo nascer do sol

a luz consentida

pela escuridão.

 

Um poema espera que regresses

de onde nunca chegaste

onde nunca foste

para partir.

 


Carlos Ramos