C. Ronald em final de uso

 

MARIA ESTELA GUEDES
Dir.Triplov


Não tive tempo de ler na íntegra o último livro de C. Ronald, Final de uso. Andava com ele na bolsa, ia petiscando, à espera da melhor ocasião para alinhar dois ou três tópicos, dois ou três poemas, para material de um artigo. Tal não aconteceu pois a morte do poeta chegou antes do que eu estava longe de esperar.

C. Ronald é um dos autores do Triplov, embora a sua colaboração se limite a uma pequena antologia de poemas (1). Despertou entretanto interesse a sua obra quer a Nicolau Saião (2) quer a mim (3). De facto, é inescapável a ninguém a importància da sua poesia. Em posfácio ao livro em referência, Henrique Dória, diretor da revista eletrónica Incomunidade, e Fernando Py, jornalista brasileiro, dão peso ao nosso interesse e consubstanciam a declaração de que se tratava de «um dos mais importantes poetas vivos de todo o mundo». Uma vez desaparecido do mundo dos vivos, ontem, domingo, dia 25 de Outubro de 2020, nem por isso o poeta de Santa Catarina deixa de poder considerar-se grande. Poeta da limpidez, da luminosidade, como escreve Henrique Dória. Poeta lúcido, clarividente a respeito do Brasil, que melhor do que ninguém devia conhecer, na sua qualidade de juiz. Com efeito, respigando da nota de falecimento assinada por Carlos Damião, seu conterrâneo e amigo, ficamos a par de alguns dados biográficos:

«O poeta estudou no Colégio Catarinense, formou-se em Direito em 1958 e passou no concurso para juiz em 1966. Na última comarca em que atuou, Biguaçu, construiu a casa definitiva de sua vida, onde morou por quase 50 anos.».

[…] «Renegava os primeiros livros, “Poemas” (1959) e “Ariel” (1960), por considerá-los muito imaturos. Publicou mais dez obras, sendo “As Origens”, de 1971, uma das mais festejadas pela crítica.».

[…]  «Ronald fez parte do Grupo Litoral, uma dissidência do Grupo Sul, surgida no final dos anos 1950, que se propunha a praticar “arte pela arte”, em contraponto à visão engajada e progressista do Sul. […]  Num dos últimos encontros com ele, no restaurante de seus filhos, apresentei-o à minha filha mais nova, Carolina. “Este é o Ronald, poeta e ex-juiz de Direito”. E ele, recorrendo ao sarcasmo habitual: “Hoje eu sou apenas um velho”.» (4)

Dessa lucidez sem condescendência com sentimentalismos, fiquemos com os derradeiros versos de um poeta discreto, que decerto só virá a ser conhecido nas próximas décadas, quando uma das mais poderosas máquinas de assimilação de valores, as universidades, o divulgarem na academia como tema de teses de mestrado e doutoramento. É a última estrofe do último poema de Final de uso, significativamente intitulado “À guisa de epílogo», com inscrição em terminal de vida a garantir que a criação se faz dentro do nada: “É DENTRO DO NADA”.

 

 

(1) Diretório de C. Ronald no Triplov: https://www.triplov.com/poesia/C-Ronald/index.htm

(2) Nicolau Saião, “C. Ronald ou os fogos na noite”. Triplov, em:
https://www.triplov.com/letras/nicolau_saiao/2006/C-Ronald.htm

(3) Maria Estela Guedes, “Bichos e outros temas a propósito de C. Ronald”, em:
https://novaserie.revista.triplov.com/numero_31/estela_guedes/index.html

(4) Carlos Damião, «Santa Catarina perde o poeta C. Ronald», 26.10.2020. Em:
http://www3.carosouvintes.org.br/santa-catarina-perde-o-poeta-c-ronald/

 

C.RONALD

Final de uso

Bernúncia Editora

Florianópolis, Brasil, 2020