Bunker

 

JONAS PULIDO VALENTE


Ia de beco em beco, como me era costume, até que dei com uma porta que dava para uma janela de cave. Tinha escrito na parede ao lado, em letras grandes mas despercebidas: Os Cavaleiros do Apocalipse.

Não passei a ir lá religiosamente, de todo, mas, sempre que passava por aquele bairro, fazia umas curvas extra e acabava por chegar lá. Sempre pensei que lá conheceria Hemingway ou Tolstoi.

Já o Siddartha dizia isso, o mundo é sofrimento. Nã… na.. não puto, não é como religião, é como, imagina, sofrimento, vezes e vezes. Punha-te lá, em 31 antes de Cristo, acima de uma colina, com fome, para tu me dizeres que o mundo não é sofrimento”

No início ouvia conversas destas, o dono do bar, um italiano, era também um grande conversador. Como as pessoas iam e vinham, às vezes encontravam-se lá grandes cabeças.

“Tens bilhete?”

“São precisos bilhetes para esta coisa?”

“Nah, dois euros para entrares com cerveja, um e trinta sem nada”

“E por me atirar a ti?”

“Vá, entra lá”

Fiquei a falar com a porteira da festa. Era uma rapariga nova, esperta e bonita.

“Vens de onde?”

“Los Angeles.”

“LA.. sempre quis lá ir, dar umas voltas’

“É a minha terra, mas aqui estou eu, a deixar entrar pessoas na festa. A música está boa. Eu nem sou do bar, sou do promotor”

Dancei com ela até ser distraído por duas miúdas. Estavam a dançar casualmente junto ao bunker.

“Qual de nós preferirias beijar?”

Cheguei-me a uma e dei-lhe um peck on the cheek. Depois dei à outra.

Nós estamos juntas, somos um casal”

Ri-me.

“Então deviam-se beijar uma à outra”

E beijaram-se. Passei o resto da noite a brincar e a dançar com elas.

Noutros dias estava calmo.

Isto de descerem os impostos só atrai empresas da cucaracha, ou filiais. Com a nossa lentidão na justiça nenhuma grand empresa vai querer saltar para uma piscina de papel”

Olhei para ele, depois para um habitué que bebia o seu copo de três.

“Vão ser eles a salvar Lisboa, vais ver, vão pô-la no mapa e trazer para cá as suas hortas orgânicas”

“Espero bem que sim”

De vez em quando juntavam-se lá agarrados que iam a meia-dose. Pediam vinhos tímidos e diziam que a fruta, e tudo o resto, estava a mudar para pior.

“Quem é que pensas que deu o nome a este sítio? Os Cavaleiros do Apocalípse, agora só serves moscatel e mandas pessoas ao multibanco”

Muitas vezes por lá fiquei, a entrusar com estes e outros, até que um dia fico como um coelho a olhar uns faróis que avançam na sua direcção.

“Os hackers estão em fuga! Estão a criar uma nova ordem orwelliana, façam o vosso trabalho e quando puderem sigam o meu exemplo”

“Cala-te. Bebe um copo”

“Ofereço um copo a esse homem”

Olhei-o nos olhos.

“”Nascer pequeno para morrer grande, para nascer, Portugal, para morrer, o mundo”, esta é do Padre António Vieira”

Pousei o meu copo, despedi-me e saí de encontro à americana.