JONAS PULIDO VALENTE
Budista da orla do mundo, quando era pequeno gostava de se atirar para a rebentação quando esta estava feroz, gostava de quase apanhar pancada, de ser enrolado de todas as formas possíveis pelas ondas e pela a areia até estar de novo na praia. Era semelhante ao seu passatempo de se atirar das escadas do primeiro andar da boa casa onde vivia, dobrando-se, esticando-se, rebolando escadas abaixo até recomeçar tudo de novo.
Será que era eu? Será que alguma vez fui eu mesmo?
Ontem, estive sozinho nesta praia. As gaivotas já eram mais que as pessoas, todas à procura do Leonard Cohen. Estão muito longe da praia certa, só o encontram na neblina e a ideologia aqui vai e vem, um compasso sobre o ciclo das ondas.
Aqui não há neblina mas frequentemente o Sol poente é parcialmente eclipsado por uma bola de ténis, a costa sob esta luz intimista parece mais completa. “The West is the best”.
E faço a promessa, sempre depois de um ou quarenta mergulhos que quebram a minha anestesia, que quando voltasse a Lisboa iria ao mar todos os dias, onde quer que fosse, nas imediações da cidade. Nem que tenha que me tornar um acólito de um freak cheio de tataus havaianos. Já fiz esta promessa muitas vezes, sempre que dou por mim curado pelo mar, mas nunca a cumpri. Sempre que chego a Lisboa dou com uma viela decadente ocupada pelo Lou Reed. Há muitas Lisboas, mas essa engole os meus outros pequenos refúgios.
Promessas à parte e beatas no cinzeiro, curto o resto do Sol poente, visto a t-shirt de Beatnik beato e deixo que o meu corpo gradualmente arrefeça, afectando-me como a um organismo vegetal, sob a tutela da árvore Bodhi.
Depois de jantar com a família estou de novo sozinho. O 日 foi substituído pela 月, a praia à sua maneira continua iluminada. Encontro uma cadeira de plástico e pergunto-me se algum dia irei surfar. Sento-me na orla da rebentação e a maré sobe entre as pernas. Depois fiz um vídeo e estraguei tudo.
Esqueci-me da prancha de skim, nos últimos 15 anos. É um bom treino de equilíbrio para começar a surfar. Foi o que pensei há 15 anos. O verão voltou sempre e o mar ainda não esqueceu as promessas.