O JARDIM BOTÂNICO DE LISBOA (3)
O governo autorizou o contrato deste jardineiro nas mesmas condições do que fora assinado por DAVEAU. Em 16 de Dezembro de 1892, foi firmado o contrato, mediante o qual CAYEUX receberia 800$000 réis de ordenado anual e teria direito a casa para habitação. Este contrato foi sucessivamente renovado até 1909. Neste ano, por motivos de carácter puramente particular, deu por findo o seu cargo, passando a ocupar o de director dos serviços municipais de jardinagem do Havre. A actividade deste jardineiro incidiu, em parte apreciável, no embelezamento do Jardim Botânico, mediante a introdução ou criação de plantas ornamentais (1), algumas de reconhecido valor, como é o caso de Dombeya Cayeuxii E. André, ainda muito recentemente incluída no Botanical Magazine. Em 1894, iniciou a cultura de crisântemos de capítulos grandes e deu início à realização de exposições anuais destas plantas na estufa do jardim. Estas exposições foram repetidas até 1898. Deve-se, também, a H. CAYEUX a introdução das dálias-cactos e, em 1899, promoveu, igualmente no Jardim Botânico, uma exposição destas plantas. Enquanto permaneceu em Portugal, este jardineiro foi encarregado de dirigir ou de superintender em culturas ou plantações importantes, não só em Lisboa como na província. Prestou serviços nas quintas e jardins do conde de BURNAY, de Luís SOMMER e de HENRIQUE DE MENDONÇA, entre outros. A projectada comunicação do jardim com a Avenida da Liberdade voltou, antes de findar o século, a chamar a atenção da Escola Politécnica. Em Abril de 1898, o Presidente da Câmara Munnicipal de Lisboa dirigiu-se ao Director da Escola para pedir um parecer sobre um requerimento da Companhia dos Ascensores e Construções, proprietária de dois prédios, um com os n.ºs 95 e 97 na Rua do Salitre, outro na Travessa do Salitre com o n.º 37 e também de um quintal anexo, resultante do desmanchar de um prédio sito na Rua da Alegria. Segundo o referido requerimento, a Companhia mencionada declarava-se pronta a ceder à Câmara, mediante certas condições, a parte de terreno que fosse necessário cortar da referida propriedade para abertura de uma rua com a largura máxima de 20 metros. Esta rua destinava-se a facultar a comunicação do Jardim Botânico com a Avenida da Liberdade. De acordo com o anteprojecto desta obra, a Escola teria de ceder, em troca de certas concessões, metade do terreno indispensável para a construção da escadaria que deveria ligar a referida rua com o jardim. Não seria, no entanto, este o último ensejo que se apresentou à Escola para o estabelecimento da ligação com a Avenida da Liberdade, mas, tal como sucedeu com anteriores diligências, as dificuldades surgidas e a deficiência de meios para as superar não permitiram concretizar uma obra que, no parecer de muitos, seria de gande interesse para o jardim. A estufa, que durante longos anos prestara bons serviços, apresentava, já nos primeiros anos deste século, evidentes sinais de ruina. Em Julho de 1903, o Director do Jardim Botânico, Prof. A .X .PEREIRA COUTINHO, nomeado lente catedrático em 7 de Maio do mesmo ano, e que desempenhava aquelas funções desde 1901, ainda na qualidade de lente substituto, informou o Director da Escola que a estufa se encontrava em estado deplorável: "... as construções têm dado de si tanto, que várias, portas já se não podem fechar. Todas as armações de ferro expostas constantemente num meio tão quente e tão húmido estão muito oxidadas e demandam limpeza e pintura imediata. Uma das caldeiras está incapaz de serviço bem como a canalização respectiva». (2 ) Em Outubro de 1903 ainda nâo tinham sido tomadas providências e era chegada a época de se aquecer a estufa. Só em Dezembro foram dadas ordens pelo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria para se proceder às obras de reparação que se impunham. Para este resultado muito contribuíram as diligências do próprio Director da Escola, Prof. L. DE ALMEIDA E ALBUQUERQUE que, pessoalmente, se interessou pela solução deste problema. Desde então, e até 1962, não deixou esta estufa de sofrer numerosas reparações, de maior ou menor monta. Os prejuízos causados às colecções botânicas exigindo aquecimento foram por vezes importantes, em consequência do estado de insuficiência a que chegou esta dependência do Jardim Botânico. A exiguidade da verba que então era atribuída a este sector da Politécnica não permitia, muitas vezes, acudir a certas despesas de rotina como a compra de panos para ensombramento dos corpos da estufa. Compreende-se a necessidade de intervenção das Obras Públicas para solucionar os problemas de maior vulto. Com a demissão de H. CAYEUX, tornou-se urgente conseguir, de acordo com o despacho de 2/II/1892 um português habilitado para o cargo de jardineiro-chefe, porém tal não foi possivel ao Prof. PEREIRA COUTINHO, que decidiu pedir àquele jardineiro a indicação de uma pessoa da sua confiança. H CAYEUX sugeriu o nome de HENRI NAVEL, também francês e igualmente diplomado pela Escola Nacional de Horticultutura de Versailles. Em Junho de 1909, recebeu o Director da Escola uma carta de O. LABROY, chefe do serviço das estufas do Museu Nacional de História Natural de Paris candidatando-se ao lugar de jardineiro-chefe, mas quando esta proposta foi recebida já fora decidido fazer o contrato com NAVEL, que havia adquirido apreciável prática na Grã-Bretanha, nomeadamente nos Jardins de Kew. H. NAVEL foi nomeado por alvará de 31 de Julho de 1909 e as condições do respectivo contrato foram as mesmas que vigoraram em relação a CAYEUX. A Escola facultou-lhe também residência, em casa pertencente ao património deste estabelecimento e que fora anteriormente ocupada por outros jardineiros-chefes. Esta residência situava-se à esquerda da entrada da actual alameda das palmeiras. O serviço deste jardineiro, quanto a assiduidade, foi muito prejudicado por repetidas e demoradas licenças que o mantiveram afastado do Jardim. Uma destas ausências ocorreu por motivo da guerra de 1914. Foi, então, encarregado de o substituir LUÍS JOSÉ FERNANDES que, em 16 de Dezembro de 1907, havia sido assalariado para o jardim. Finda a guerra, H. NAVEL, que se havia mantido na situação de licença com vencimento mediante despacho ministerial de 13 de Agosto de 1914, regressou a Portugal, mas de novo solicitou a permissão para se ausentar para S. Tomé em missão ordenada pelo Ministério do Ultramar. Esta ausência demorou de 29 de Março de 1919 a 12 de Abril de 1920. Em 26 de Maio deste último ano, após novo pedido de licença, requerido em 5 do mesmo mês ao Ministro da Instrução (3) , e rejeitado pela Faculdade de Ciências, H. NAVEL pediu a demissão, que lhe foi concedida em 16 de Setembro de 1921. Na ausência de H. NAVEL, depois de terminada a guerra, foi também L. J. FERNANDES quem desempenhou as funções de jardineiro-chefe. Para corresponder ao apreciável aumento dos serviços da secção botânica, a cargo do Prof. PEREIRA COUTINHO, aumento que reclamava uma ampliação de instalações, este professor propôs, em Dezembro de 1910, que a Direcção das Obras Públicas e Minas construísse uma pequena casa com quatro divisões que se destinaria a escolha, distribuição e arrecadação de sementes, ao expurgo dos exemplares de herbário, à preparação das plantas para as colecções, à guarda de duplicados e para outros fins. Havia espaço no jardim, em frente às instalações da direcção e administração da Faculdade de Ciências que, com vantagem, poderia ser destinado àquelas finalidades. Poucos anos depois concluía-se a chamada «casa das sementes», que, no entanto, volvidos anos, foi utilizada para a instalação de um laboratório de micologia. Durante a direcção do Prof. PEREIRA COUTINHO, a expansão das funções do Jardim Botânico foi em parte prejudicada pela insuficiência das verbas e também por deficiências de pessoal, nomeadamente as que resultaram das ausências do jardineiro-chefe. Em 1910, este professor, perante os danos causados nas culturas, chegou a propor que, à semelhança de outros hortos botânicos, a «classe» fosse isolada por um gradeamento de ferro, por forma a não prejudicar a passagem do público para a parte inferior do jardim. Constantemente apareciam plantas arrancadas, muitas delas valiosas e de difícil substituição, trocadas as etiquetas, cortadas flores e outros prejuízos. No ano imediato voltaram a repetir-se vários desacatos e o Conselho da Faculdade deu plenos poderes ao Prof. PEREIRA COUTINHO para proceder como melhor entendesse para pôr cobro aos frequentes desmandos, podendo mesmo mandar proibir o acesso ao Jardim Botânico. O antigo projecto camarário de estabelecimento de uma nova entrada pela Rua do Salitre foi, uma vez mais, posto à consideração do Director do Jardim que, na sua resposta de Janeiro de 1913, o reputou prejudicial por vários motivos, entre os quais a destruição de parte do viveiro e de muitas árvores de certo valor. Por iniciativa do respectivo Director foi substituído o regulamento do Jardim Botânico. O que até então vigorava já não satisfazia. O projecto do novo regulamento foi lido e aprovado na sessão do Conselho de 30 de Maio de 1913. Na estufa, que requeria constantes cuidados e substituições mais ou menos dispendiosas, foi feita em 1915 a cultura de plantas africanas dos domínios portugueses. JOHN GOSSWEILER, que nesse ano se encontrava em Angola ao serviço do Ministério do Fomento, enviou por diferentes vezes sementes de vegetais desta província ultramarina, parte das quais chegou a germinar. As relações amistosas então iniciadas com este distinto colector e estudioso da flora angolana prolongaram-se durante anos. J. GOSSWEILER (4) foi mesmo proposto, em Junho de 1920, para o exercício das funções de jardineiro-chefe, após H. NAVEL se ter demitido. Entre as alterações que foram determinadas pelo Prof. PEREIRA COUTINHO nos anexos do jardim, conta-se a substituição total dos plátanos das entradas do edifício da Faculdade de Ciências. Estas árvores haviam sido plantadas por ordem do conde de FICALHO, mas reconheceu-se então que causavam falta de luz nas salas do primeiro andar da Faculdade e outros inconvenientes. Na sessão do Conselho de 24 de Janeiro de 1917 foi deliberado o seu abate e substituição por outras plantas de menor porte, mas a breve trecho reconheceu-se que estas não satisfaziam pelo que se decidiu o emprego de exemplares de Washingtonia robusta H. WENDL., que ainda subsistem. Em 9 de Junho de 1921, no seu último relatório apresentado à direcção da Faculdade de Ciências, o Prof. PEREIRA COUTINHO aludiu às dificuldades que tolhiam a administração do horto botânico. As deficiências verificadas durante a guerra de 1914-1918 continuaram a afectar os serviços. O aumento do custo do carvão, quer de hulha, quer de coque, foi de tal amplitude que em 1921 o aquecimento da estufa se fez principalmente à custa das árvores de menor valia do próprio jardim. Neste relatório, o mesmo professor exprimiu as suas preocupações quanto ao futuro nos seguintes termos: «É de advertir que o nosso Jardim Botânico goza de bem merecida consideração entre os estabelecimentos similares estrangeiros, que é muito valiosa a colecção das suas plantas, e que seria para lastimar a sua decadência ou mesmo perda» (5) . Este professor, atingido, em 11 de Junho de 1921, pelo limite de idade, foi substituído interinamente na direcção do Jardim Botânico, pelo Prof. R. T. PALHINHA, que, desde o início da sua gerência, teve de lutar com as já crónicas faltas de verba e de pessoal jardineiro. Dada a impossibilidade de se contratar um novo jardineiro-chefe, o novo Director propôs que, sem qualquer acréscimo de vencimento, passasse a desempenhar aquelas funções o herborizador L. J. FERNANDES, que havia feito o seu aprendizado de jardineiro no tempo de H. CAYEUX. Em 17 de Junho de 1921 foi sugerido que a verba destinada à compra de combustível não fosse inferior a 3000$000, dado o encarecimento do carvão. Durante os meses de Outubro a Maio era necessário manter a caldeira acesa e cada tonelada de combustível custava, nessa época, 180$00. A verba destinada ao pagamento do pessoal assalariado também era insuficiente para as necessidades do jardim. Este pessoal recebia 2$20 ou 1$80 por dia, numa altura em que os jardineiros camarários eram pagos a 4$00 e 3$00 diários. A nomeação definitiva do Director do Jardim foi publicada em 29 de Novembro de 1921 e a posse verificou-se a 15 do mês seguinte. Uma das deliberações tomadas pelo Prof. PALHINHA, nos primeiros meses da sua direcção, foi a construção de um palmário, isto é, um abrigo para cultivo de plantas ornamentais, nomeadamente palmeiras. O abrigo que até então existia no viveiro encontrava-se arruinado e já em Outubro de 1921 fora solicitado ao Administrador-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais o fornecimento do material necessário para o efeito. Esta construção foi muito demorada a despeito da sua simplicidade. Em Fevereiro de 1924 o antigo abrigo fora completamente derrubado pelas intempéries, pelo que, em 23 de Outubro do mesmo ano, foi pedida a sua reconstrução e transferência para melhor local, junto à escadaria de acesso à parte inferior do jardim. Em 1926 estava concluída esta pequena obra que, com sucessivas reparações, ainda se mantém, servindo principalmente para abrigo de exemplares de Kentia e de outras plantas de sombra. O comportamento reprovável de alguns frequentadores do jardim e a falta de vigilância determinaram que o Conselho da Faculdade de Ciências, mediante proposta do Prof. PALHINHA, resolvesse encerrá-lo ao público, a partir de 1923. Isto deu azo a uma proposta do Dr. ALFREDO PEDRO GUISADO, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, no sentido de se prestar auxílio à Faculdade de Ciências para que o jardim voltasse a estar franqueado. Esta proposta foi discutida no Conselho de 11 de Dezembro de 1924 e foi encarregado o Director do jardim de elaborar o projecto da resposta a remeter à Câmara Municipal. Nesta resposta salientava-se que o pessoal operário que até 1916 era de 22 homens e 2 aprendizes se foi reduzindo a ponto de ser inferior a metade e, como consequência, deixaram de se executar todos os trabalhos extraordinários e houve que adiar numerosas tarefas. O policiamento foi-se tornando também cada vez mais difícil «com a modificação por que passou o espírito colectivo da sociedade portuguesa» (6) e também com a falta de guardas. A direcção da Faculdade resolveu que o Jardim Botânico fosse encerrado. Outro ponto focado na mesma resposta foi a reafirmação de um princípio sempre defendido: «O auxílio a dispensar pela Câmara ao Jardim Botânico não implicaria a perda, quer do direito de exclusiva propriedade, quer de na sua direcção e orientação apenas intervir pessoal universitário e que o mesmo auxílio não poderia servir de pretexto a qualquer futura ingerência». Por entendimento com o Município, este comprometeu-se a auxiliar o jardim por várias formas, incluindo o fornecimento de guardas e de operários e a Faculdade autorizou a sua reabertura. No entanto, em 1927, como a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa retirasse os guardas destacados para o J ardim Botânico por terem sido considerados incapazes para o serviço, o Director ordenou novamente. o encerramento, facto que chegou a provocar protestos na imprensa diária e os necessários esclarecimentos. O serviço de vigilância contava, em Fevereiro de 1927, apenas 4 guardas pagos pelo Estado. um dos quais dado por incapaz e outro com baixa no hospital. A eficiência deste serviço exigia no entanto um mínimo de 14 guardas. O lugar de jardineiro-chefe, que esteve em risco de ser suprimido, só pôde ser provido em 1926. A proposta para o preenchimento deste cargo fora aprovada no Conselho de 9 de Junho de 1923, porém só em 11 de Agosto de 1926 foi feita a nomeação do proposto, L. J. FERNANDEs. Este jardineiro- chefe manteve-se em exercício até 19 de Outubro de 1944, data em que, a seu pedido, passou à situação de licença ilimitada. Para atenuar os inconvenientes resultantes da insuficiência de dotações oficiais, o Conselho escolar decidiu, em 1925, que se estudasse a melhor forma de promover a venda ao público de plantas e de flores, sendo o respectivo rendimento destinado ao pagamento de despesas a fazer no Jardim Botânico. Desta sorte foi possível fazer reverter em benefícío deste estabelecímento o produto das vendas realizadas, mas, como é óbvio, apenas se poderia atender a gastos de pequeno vulto. Com idêntico objectivo, o Prof. R. T. PALHINHA promoveu no mesmo ano a edificação de uma série de 12 postais ilustrados com fotografias de algumas das espécies de maior interesse botânico existentes no jardim e de aspectos de particular beleza do ponto de vista paisagístico. A impressão destes postais, em heliotipia, foi feita na Alemanha por GUSTAV MAYER-ALBERTI. O Jardim Botânico da Faculdade de Ciências foi escolhido, nesta época, para a materialização da homenagem que a Academia das Ciências decidira consagrar ao distinto cientista português Dr. BERNARDINo ANTÓNIO GOMES, falecido em 13 de J aneiro de 1823. Por altura da passagem do primeiro centenário da morte deste notável médico, constituiu-se uma comissão destinada a angariar fundos, em Portugal e no Brasil, para se erguer um monumento a este cientista a quem se devem valiosas contribuições originais no domínio da Botânica, especialmente no tocante ao conhecimento de diversas plantas medicinais brasileiras. A Comissão organizadora da homenagem, cujo Presidente de Honra era o Prof. PEDRO JOSÉ DA CUNHA, então Reitor da Universidade de Lisboa e Presidente da Academia das Ciências, decidiu mais tarde que a homenagem a prestar se estendesse também ao Dr. B. A. GOMES, filho, cuja actividade científica foi notória e a quem a secção de Botânica da Escola Politécnica ficou devendo assinalados serviços, quer directa quer indirectamente. Em 1926 foi o Conselho da Faculdade informado dos desejos manifestados pelo Prof. VIRGÍLIO MACHADO, Presidente da Comissão organizadora da homenagem, quanto ao local onde se deveria erigir o busto do Dr. B. A. GOMES. A ideia inicial fora a de se colocar o referido monumento numa das principais Avenidas ou Praças de Lisboa e pensou-se mesmo na Avenida da Liberdade. Em consequência de dificuldades surgidas, foi escolhido o Jardim Botânico como local igualmente apropriado ao fim em vista e na sessão do Conselho de 2 de Julho de 1926, o Prof. P. J. DA CUNHA solicitou a indispensável licença que foi imediatamente concedida. Assim se explica a existência dos dois bustos neste jardim. As dificuldades administrativas que, no pós-guerra, perturbaram a vida da Faculdade de Ciências e dos estabelecimentos anexos, foram agravadas com o movimento revolucionário de Fevereiro de 1927. Foram avultados os danos causados, não só no edifício da Faculdade como na estufa do Jardim Botânico, que, em parte, havia sido renovada pouco antes. De facto, em 1923 fora reparada a última secção da estufa e em 1925 foi pedido o conserto do seu penúltimo corpo, que ameaçava ruína. Receava-se, mesmo, que a destruição desta parte provocasse a inutilização da secção contígua. Cerca de um terço da estufa foi completamente destroçado no decurso dos bombardeamentos deste movimento revolucionário de 1927. Na realidade, foi necessário reconstruir o último e penúltimo corpos, mas houve também que reparar os restantes sectores e a cúpula do corpo central foi completamente renovada. Estas obras de restauro, iniciadas em 1927, importaram em 113.120$00 e ficaram concluídas em 1929. Como sucedâneo do vidro foi então utilizada em parte a «windolite» mas, posteriormente, dado o insucesso deste produto, foi preciso voltar a utilizar vidro. No decurso destas obras, foi resolvido proceder à construção de um novo abrigo de plantas no viveiro. Desta sorte tornou-se possível dotar o jardim com mais um abrigo em substituição do que anos antes fora destruído pelas intempéries. O acesso do público ao Jardim Botânico, só em 1 de Novembro de 1932 foi retomado, porém, durante a proibição, a frequência da sua parte inferior foi facilitada durante as horas regulamentares, a certo número de pessoas, mediante um cartão de livre trânsito assinado pelo Director. Esta concessão começou a ser feita em 1929, a número muito reduzido de pessoas e no ano seguinte, ouvido o Conselho Administrativo da Faculdade de Ciências, passou a cobrar-se a importância de 2$50 por cada cartão de entrada permanente. Isto foi decidido com a dupla finalidade de restringir o número dos frequentadores e de angariar um fundo que permitisse a realização de pequenas obras no jardim, porém este segundo objectivo só em muito pequena escala foi conseguido. A reabertura do Jardim Botânico ao público foi deliberada logo na primeira sessão do Conselho escolar do ano lectivo de 1932-1933 e mercê da cedência de alguns guardas dos jardins municipais foi mesmo possível manter este estabelecimento patente ao público aos domingos (7) . Em 1939 voltou a ser determinado novo encerramento por causa das obras, na canalização das águas, determinadas pelo Ministério das Obras Públicas. Nessa altura ficaram inutilizados, simultâneamente. todos os arruamentos. A insuficiência das instalações ocupadas pelo grupo de Botânica e o crescente aumento das colecções de estudo e, também, da frequência escolar foram as principais determinantes da solicitação feita pela Faculdade de Ciências para que fosse construído um edifício, principalmente destinado a alojar os herbários e outras colecções botânicas e a permitir instalação adequada ao Director e ao pessoal técnico do Museu, Laboratório e Jardim Botânico. Como era evidente, a única solução exequível consistia em sacrificar uma parcela da «classe» para este edifício, cuja construção findou antes de o Prof. PALHINHA se ter jubilado em 4 de Janeiro de 1941. Além da construção deste edifício, que, volvidos poucos anos, se mostrou inadequado, dadas as crescentes exigências de espaço, os últimos anos da administração confiada àquele professor caracterizaram-se, no tocante ao jardim, por uma preocupação reformatória. Pretendeu o Prof. PALHINHA transformar a primitiva ordenação sistemática por forma a que as plantas passassem a ficar agrupadas em conjuntos ecológicos. Esta transformação processou-se, como é fácil de compreender, muito lentamente e não chegou a ser completada por virtude de este Director ter cessado as suas funções na data acima referida. No ano de 1941, o jardim sofreu consideráveis danos causados pelo ciclone de Fevereiro. Foram derrubadas muitas árvores e inúmeras plantas sofreram com a violência do vento. Até 27 de Maio de 1944 desempenhou interinamente as funções de Director do Museu, Laboratório e Jardim Botânico o Prof. A. RICARDO JORGE. A partir desta data assumiu este cargo o Prof. FLÁVIO FERREIRA PINTO RESENDE. É ainda cedo para uma referência detalhada ao labor desempenhado por este professor prematuramente falecido, no entanto, pode, desde já, afirmar-se que a sua acção, neste jardim, culminou, por assim dizer, com a substituição da velha e arruinada estufa por uma outra de modelo totalmente diferente, cuja construção, ordenada pelo Ministério das Obras Públicas, ficou praticamente concluída no ano de 1966. O Prof. RESENDE ao tomar posse do seu novo cargo oficial chamou a atenção das instâncias superiores para a escassez do quadro de pessoal jardineiro, para o estado extremamente precário em que se encontrava a estufa e também para a circunstância de certas áreas não disporem de isolamento eficaz. São volvidos mais de vinte anos sobre a data em que foram apresentadas superiormente as justas preocupações sobre o futuro dos serviços que este professor tomara a seu cargo e pode dizer-se que, ainda em 1967, são de ponderar alguns dos pontos focados acima. A construção da estufa nova veio permitir novas possibilidades de carácter técnico no domínio da investigação de problemas de índole fisiológica em que intervém um condicionalismo fotoperiódico. Nesta estufa ocupam espaço importante as colecções de estudo organizadas pelo Prof. RESENDE e é de desejar que se dê o devido desenvolvimento aos conjuntos de vegetais de interesse didáctico e ornamental. Em 1962, o Governo, por intermédio do Ministério das Obras Públicas, fixou a zona de protecção do Jardim Botânico, do próprio edifício da Faculdade e do chafariz da Mãe d'Agua. Ao mesmo tempo foi marcado o limite futuro para este jardim que deverá passar a abranger a quase totalidade da área ocupada pelo parque Mayer e numerosos terrenos confinantes. A morte do Prof. RESENDE, em 1.I.1967, numa altura em que se lhe ofereciam prometedoras perspectivas, causou pesado prejuízo à Botânica em Portugal. Aos seus discípulos e colaboradores mais directos compete agora manter vivo e fecundo o seu exemplo de elevado interesse pela pesquisa científica. Oxalá possam e saibam fazê-lo! NOTAS (1) Deve-se a CAYEUX a criação das cultivares de roseira conhecidos sob as designa- çÕes de «Bela Portuguesa», «Estrela de Portugal», «Lusitânia» e «Palmira Feijão». |