O JARDIM BOTÂNICO DE LISBOA (1) Entre as preocupações que nortearam a actividade do Conselho da Escola Politécnica, nos primeiros anos da sua existência, contam-se o provimento das diferentes cadeiras vagas e o cumprimento de outras disposições legais sobre a criação dos meios de ensino mais adequados. A lei de 11 de J aneiro de 1837 , que instituiu a Escola Politécnica, determinava, além de outros departamentos, a existência de um Jardim Botânico, por se reconhecer a sua indispensabilidade num estabelecimento de ensino eficiente e actualizado. Foi em relação a estes departamentos que, logo no segundo ano de exercício, se ocupou o Prof. F. XAVIER DE ALMEIDA, nomeado interinamente para a regência da 8ª cadeira (Anatomia e Fisiologia Comparadas e Zoologia). Não havia, então, professor da 9ª cadeira ( Botânica e Princípios de Agricultura) . Numa incipiente fase de organização da Escola que, décadas após, daria lugar à actual Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o primeiro concurso destinado à escolha do professor da 9ª cadeira terminara com a exclusão do candidato único. Não será, pois, de estranhar, que, no Conselho de 27 de Outubro de 1838, tenha sido o professor da 8ª cadeira, encarregado provisoriamente do ensino da parte botânica do curso de Introdução à História Natural dos Três Reinos e a cuidar não só do Gabinete de História Natural como do Jardim Botânico. O facto de já existir em Lisboa uma instituição compreendendo estes dois sectores, o Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda (1), que por decreto de 27 de Agosto de 1837 fora confiado à administração da Academia das Ciências, e por se ter presente que a criação de tais departamentos se não pode improvisar, levou o Conselho da Escola, por intermédio de bem estruturada representação do Prof. XAVIER DE ALMEIDA, a solicitar superiormente que os dois estabelecimentos da citada instituição passassem a ser administrados e, portanto, incorporados na Escola Politécnica. Assim se procedeu, efectivamente, em 12 de Novembro de 1838. A utilização do Jardim Botânico da Ajuda, embora afastado da Politécnica e a despeito de vários inconvenientes de ordem técnica, seria de muito auxílio, enquanto não fosse possível criar um outro jardim na cerca anexa ao antigo Colégio dos Nobres. Na altura em que fora confiado à administração da Academia das Ciências, o jardim da Ajuda passava por uma fase de decadência a que não foram estranhas, pelo menos em parte, as perturbações de ordem política ocorridas anteriormente. O último director do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda, antes da transferência para a Academia, fo o Dr. JOSÉ DE SÁ FERREIRA SANTOS DO VALE, lente da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, porém, durante pouco tempo geriu os destinos da que, com propriedade, se deve considerar como a primeira e a mais importante instituição dedicada à cultura da História Natural no país. De facto, o Dr. VALE, nomeado por decreto de D. Pedro IV, em 23 de Maio de 1834, exerceu as suas funções apenas durante dois anos e alguns meses. Em 8 de Junho de 1839, foi o Conselho escolar informado, através do Ministério da Guerra, a que estava legalmente vinculada a Escola, que o Ministro dos Negócios do Reino anuíra a que o Jardim Botânico fosse incorporado à Politécnica, mas discordará da entrega do Museu de História Natural. No mês imediato foi apresentado ao barão da RIBEIRA DA SABROSA, ao tempo Ministro da Guerra, o parecer da Escola sobre as condições em que o jardim deveria ser incorporado e administrado, nelas se incluindo a gratificação de 200$000 réis anuais, a que o lente de Botânica, ou o seu substituto, incumbido da respectiva direcção teria direito. No orçamento de 31 de Julho de 1839 figurava já o Jardim Botânico como fazendo parte da administração da Politécnica e a sua direcção científica era cometida ao lente da 9ª cadeira, com direito à gratificação atrás mencionada. A transferência foi tornada efectiva em 17 de Outubro do mesmo ano perante dois sócios da Academia, o visconde de VILARINHO DE S. ROMÃQ e o Dr. ANTÓNIO ALBINO DA FONSECA BENEVIDES, dois professores da Escola. O Dr. GUILHERME DIAS PEGADO e o Bacharel FRANCCISCO XAVIER DE ALMEIDA e o amanuense, servindo de secretário, MANUEL JOSÉ DE JESUS GONÇALVES. As funções de director do referido jardim foram desempenhadas, na interinidade, pelo Prof. XAVIER DE ALMEIDA, não só nos primeiros tempos da administração por parte da Escola, como durante os impedimentos do primeiro director efectivo, Dr. JOSÉ MARIA GRANDE, que fora aprovado lente da 9ª cadeira, numa segunda votação ordenada pela rainha. As provas de concurso a que se submetera o Dr. GRANDE terminaram em 7 de Dezembro de 1839, mas este professor só tomou assento no Conselho a 17 de Setembro de 1840, depois da votação acima referida. Encontrava-se em Lisboa, desde 13 de Julho de 1839, o Dr. FRIEDRICH WELWITSCH, que se deslocara a Portugal em viagem de estudo com destino às ilhas dos Açores, das Canárias e de Cabo Verde, consoante fora determinado pela Unio Itineraria com sede em Esslingen. Esta viagem não prosseguiu além de Lisboa, e, em 9 de Outubro de 1840, era lido em Conselho um memorial deste botânico austríaco em que pedia fosse favoravelmente considerada uma pretensão que apresentara na Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra para ser nomeado preparador de Botânica na Escola Politécnica. Não pode deixar de se atentar na modéstia da solicitação por parte de quem possuía habilitações muito superiores às exigidas a um preparador ou demonstrador. Sucedia, porém, não estar previsto o cargo de demonstrador para a 9ª cadeira, o que mais de perto correspondia ao solicitado, e dado o falecimento do mestre do jardim da Ajuda foi resolvido, no Conselho de 24 de Outubro de 1840, que se contratasse o Dr. F. WELWITSCH para este lugar, mas com a designação de conservador dos estabelecimentos botânicos da Escola. O vencimento deste cargo foi, portanto, o que correspondia a mestre jardineiro. Na anterior sessão do Conselho de 17 de Outubro, em que foi novamente discutido o memorial acima mencionado, ponderou-se a vantagem que resultaria para o ensino no emprego de um técnico sabedor que estivesse encarregado, sob a direcção do lente de Botânica, do J ardim Botânico e reconheceu-se a urgência de formar um novo jardim na cerca da Escola. Não se realizariam, no entanto, os desejos expressos pelo Conselho, pois a curta permanência de WELWITSCH no exercício das suas novas funções não lhe permitiu obra de vulto e, por outro lado, só muito mais tarde foi possível encetar os trabalhos indispensáveis à criação do novo jardim. A administração do jardim da Ajuda constituía pesado encargo para a Escola dados os deficientes meios com que era possível acudir àquele estabelecimento decadente. As estufas em ruínas e os frequentes roubos ocorridos naquele jardim contavam-se entre as numerosas preocupações que a Escola procurou debelar a despeito dos acanhados recursos postos ao seu alcance. De facto, não seria agradável o ambiente onde o Dr. WELWITSCH foi exercer o seu mister de conservador e não é de admirar que o Conselho da Escola deliberasse fazer na Ajuda só as despesas de absoluta necessidade e que se diligenciasse principiar os trabalhos do novo jardim. Em Abril de 1842, o Dr. J. M. GRANDE deu conta das tarefas preliminares a que seria necessário proceder: nivelamento do terreno, condução de águas e plantação de árvores ou, pelo menos, arranjo de viveiros para as plantações. Para as primeiras despesas com os viveiros foi decidido abonar uma quantia que não execedesse 14.400 réis. Na sessão pública do Conselho destinada ao conferimento dos prémios do ano escolar de 1841-1842 e que teve lugar em 29 de Julho de 1842, o Director da Escola Politécnica chamou a atenção para os serviços já prestados pelo Jardim da Ajuda, sublinhando que «não podia deixar de haver muito inconveniente em não ter reunidos todos os seus estabelecimentos» pelo que urgia se utilizasse a cerca anexa para a fundação do jardim botânico da Escola Politécnica. Em Dezembro do mesmo ano, o Dr. J. M. GRANDE apresentou o projecto de regulamento do Jardim Botânico, cuja discussão foi completada no Conselho de 7 de Janeiro de 1843. Neste regulamento tinham particular relevo as atribuições do conservador e o Art.º 12º determinava que era obrigado a coadjuvar o lente de Botânica na instituição e conservação de qualquer estabelecimento botânico que a Escola viesse a criar . A urgência no estabelecimento do jardim tinha também outras causas. A Escola do Exército pretendia uma parte da cerca para o ensino prático e, por outro lado, a Academia das Ciências preparava a criação de um jardim próprio. O Dr. J. M. GRANDE expôs ao Conselho de 24 de Março de 1843 a necessidade de se iniciarem os trabalhos do jardim, mas insistiu na prévia elaboração do respectivo plano e do orçamento das despesas a fazer com esta obra. Por proposta do Prof. JOSÉ ESTEVÃO foi designada uma Comissão de Obras, de que fazia parte o lente da 9ª cadeira, e foi autorizada a Junta Administrativa da Escola a despender a quantia necessária ao início dos trabalhos. O incêndio que, em 22 de Abril de 1843, destruiu a Politécnica veio provocar o adiamento dos propósitos do Conselho. Por outro lado a passagem do Dr. WELWITSCH pelo jardim da Ajuda não foi duradoura. Em fins de 1844 exercia já as funções de orientador do jardim do Lumiar, anteriormente adquirido pelo duque de Palmela. O estado do jardim da Ajuda, nessa época, deu lugar à seguinte anotação de SCOULER (1845) .professor em Dublin: «The Royal Garden. Menagerie, and Museum of Ajuda, were placed under the superitendance of Brotero, when he was removed from Coimbra. There is now no menagerie, and the garden is also in a neglected condition, although not to the degree of that of Coimbra. Under the care of Brotero it was said to possess 4000 species; now they cannot exceed 1200. The glass is of no great extent, a matter of, however, less importance in Portugal than in England. The Aquarium is very large and well adapted for aquatic productions. Many of the plants have their names attached, which was done by Dr. WELWITSCH when he had charge of the garden». O informe relativo ao número de espécies em cultura na Ajuda. no tempo de BROTERO é manifestamente exagerado, pois o catálogo das plantas em cultura neste jardim, elaborado pelo autor da Flora Lusitanica, regista apenas 1370 aspécies (cfr. F. A. BROTERO, 1836-1837 e 1838). Este número também não se afasta muito do que foi registado por DOMINGOS VANDELLI. Efectivamente, nos finais do século XVIII apenas existiam 1200 espécies em cultura, pois no tempo da inepta administração de J. MATTIAZI perdeu-se elevado número de espécimes (cfr. VITERBO, 1909). Depois da morte de BROTERO, novo período começou para o mal afortunado jardim da Ajuda. É do Dr. J. M. GRANDE ( 1845-1846) o seguinte comentário, condizente em parte com o de SCOULER: «Desapareceram muitas espécies cultivadas; perderam-se muitos exemplares de algumas das mais ricas colecções exóticas e o quadro da classificação empobrecera de dia para dia». Este professor procurou, na medida das reduzidas possibilidades ao seu alcance, melhorar as colecções de vegetais em cultura e em Novembro de 1848 pediu ao Conselho da Escola autorização para entregar, durante alguns dias, o ensino ao seu substituto, o Prof. J. DE ANDRADE CORVO, por ter necessidade de concluir as determinações de plantas que tinha começado no jardim da Ajuda. Em Agosto de 1853, por solicitação do Dr. GRANDE, foi incumbido o Prof. SILVEIRA de obter, em Bruxelas, sementes para o jardim da Ajuda. Em Novembro do ano imediato foi nomeada uma comissão constituída pelos professores de Botânica e pelo Prof. BATISTA para elaboração do plano de aproveitamento do terreno anexo à Escola Politécnica num jardim botânico. Mais tarde, em 1855, o Dr. GRANDE sugeriu ao Conselho o envio de uma representação ao governo focando o interesse e urgência de se instalar um horto botânico na cerca do extinto Colégio dos Nobres e, ao mesmo tempo, pedindo os meios indispensáveis para esta finalidade. Entretanto procurava-se enriquecer em espécies o jardim da Ajuda e, com este objectivo, foram solicitados, em Dezembro de 1856, 200$000 réis para a aquisição de novas plantas. Em 1859 foi declarada urgente a compra de terra vegetal no «sítio das Amoreiras», com destino ao futuro jardim da Politécnica. Dava-se, pois, início à preparação do terreno para cultivo, mas as plantações e sementeiras do plano superior do jardim só começariam alguns anos depois. A organização deste horto só em 1873 seria impulsionada de modo decisivo. Apesar das diligências e do empenho manifestados pelos dois primeiros lentes proprietários da 9ª cadeira, os Profs. J. M. GRANDE e J. DE ANDRADE CORVO, para se fundar um novo jardim botânico nos terrenos anexos à Escola Politécnica, a considerável demora e as dificuldades a superar para se construir o novo edifício deste estabelecimento de ensino, que fora destruído em 1843, provocaram um inevitável e longo protelamento das obras do jardim. O Conselho deliberou que, quando os trabalhos da reedificação o permitissem se daria começo ao novo jardim. Tal ensejo deu-se em 1873 e devem-se ao conde de FICALHO, então lente substituto da 9ª cadeira, as primeiras directrizes para a tarefa que se impunha de há muitos anos. Em 27 de Janeiro de 1873, o professor substituto escrevia ao Director interino da Politécnica por considerar o momento oportuno para se encetar a criação do jardim e propunha a ampliação do empréstimo projectado para acabamento do edifício com a finalidade de se obterem as primeiras quantias necessárias ao pagamento das despesas na cerca. Nesta sua proposta, o conde de FICALHO chamou a atenção para a necessidade de ser coadjuvado por um jardineiro instruído e hábil que fosse, simultâneamente, «um verdadeiro homem de Ciência». Ao mesmo tempo sugeriu o nome de EDMUND GOEZE que, segundo estava informado, se encontrava disposto a assinar um contrato com a Escola. Aos primeiros anos de vida do novo jardim referiu-se o conselheiro J. DE ANDRADE CORVO, num período em que desempenhava as funções de Director interino da Escola. São do seu discurso, pronunciado na sessão pública de distribuição de prémios, em 21 de Dezembro de 1877, as palavras que seguem: «Não tinha o zeloso professor (2) para o ajudar senão em empregado, o segundo jardineiro da Ajuda, ANTÓNIO RICARDO DA CUNHA; da dedicação e boa vontade d'esse jardineiro dá testemunho honroso o sr. conde de FICALHO, mas essas qualidades do empregado apenas attenuam os consideráveis obstáculos que havia a vencer, para implantar num terreno quasi inculto um jardim botânico, com todas as condições scientíficas de uma boa escola. O novo jardim levantou-se como por encanto, e hoje mais de dez mil plantas florescem onde não há ainda quatro annos não vegetava um arbusto» ( 3) . E. GOEZE que, em 1866, havia sido contratado para o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, foi encarregado, no ano de 1873, pelo Prof. J. DE ANDRADE CORVO, que exercia cumulativamente as funções de ministro dos Estrangeiros e da Marinha e Ultramar, de ir a Londres para receber as colecções feitas pelo Dr. F. WELWITSCH em Angola e que este naturalista tinha a seu cuidado. Na verdade, após o falecimento de WELWITSCH, em 20 de Outubro de 1872, o governo português, por intermédio do ministro dos Estrangeiros e lente proprietário da 9ª cadeira, iniciou as indispensáveis diligências para entrar na posse das colecções que foram coligidas em Angola por ordem do Governo, mas que aquele naturalista legara como se fossem sua propriedade exclusiva. A E. GOEZE coube, efectivamente, a delicada missão de coadjuvar o governo português na recuperação das referidas colecções e, ao mesmo tempo, foi incumbido de conseguir os planos para uma estufa no incipiente jardim da Politécnica. Nesta viagem, o futuro jardineiro chefe da Escola visitou os jardins botânicos de várias cidades europeias, onde lhe foi possível obter sementes e plantas para o horto botânico de Lisboa. A escolha de E. GOEZE para o desempenho desta dupla missão filiou-se nas relações que ele tivera com o Dr. F. WELWITSCH, em Londres, no período em que, sob a direcção do Dr. J. O. HOOKER, fez o seu aprendizado de jardineiro em Kew. Interessa mesmo acrescentar que o próprio WELWITSCH teve papel importante, embora mantido em segredo, no contrato de GOEZE para a Universidade conimbricense. A missão diplomática do jardineiro alemão falhou, porque a solução de compromisso, quanto às colecções welwitschianas, proposta pelo Dr. CARRUTHERS não podia ser aceite pelo governo português. Em carta de 13 de Setembro de 1873 escrita ao conde de FICALHO, GOEZE manifestava-se abertamente a favor de CARRUTHERS, testamenteiro designado pelo Dr. WELWITSCH. Havia receio de que as demoras de um pleito judicial dessem azo à destruição das colecções pelos insectos. No tocante à recolha de elementos para a fundação do jardim botânico da Politécnica e, em especial, da futura estufa, pode afirmar-se que o zelo e dedicação de GOEZE deram os melhores resultados. Os primeiros planos para aquela construção foram por ele remetidos de Londres. Em 9 de Outubro de 1873, em carta endereçada da Alemanha ao conde de FICALHO, o jardineiro alemão opinava que a transferência das pequenas árvores e arbustos da Ajuda não podería ser feita antes de fins de Novembro, data em que já se encontraria de regresso a Portugal. O contrato de E. GOEZE, proposto pelo Conselho da Escola e autorízado por despacho de 3 de Dezembro de 1873, foi assinado no dia 5 do mesmo mês e considerado válido desde 1 de Novembro do referido ano. Por este contrato, estabelecido por 3 anos prorrogáveis, a Escola obrigou-se a abonar-lhe um ordenado de 720$000 réis anuais e a dar-lhe casa para habitação ou a quantia de 80$000 réis anuais para a respectiva renda. Nesta altura, já se teria dado início às transplantações, segundo as indicações do conde de FICALHO e com auxílio do pessoal da Ajuda dirigido por A. RICARDO DA CUNHA, que foi encarregado do transporte das plantas seleccionadas para o novo horto. A organização do jardim botânico foi iniciada no plano superior, na imediata vizinhança do edifício da Escola. Só muito lentamente se processou o ajardinamento da parte de baixo da cerca, que constituía, por assim dizer, uma espécie de quinta, cuja exploração facultava à Junta Administrativa da Politécnica rendimentos de certo vulto. Havia olival, vinha, pomar e terreno para cultivo de cevada, milho, fava e batata. A pouco e pouco, esta exploração agrícola foi dando lugar ao que presentemente constitui um arboreto de muito interesse sob vários aspectos. A E. GOEZE (4) deve-se. em grande parte, a organização da parte superior do jardim, geralmente conhecida por «classe». Foi resolvido que aqui ficassem representadas as principais famílias de Dicotiledóneas e algumas Gimnospérmicas. As Monocotiledóneas foram colocadas na parte inferior do jardim, dada a falta de espaço em frente da projectada estufa. Para a disposição daquelas plantas foi escolhida, fundamentalmente, a sequência do Prodromus de DE CANDOLLE, mas atendeu-se, também, à ordem genérica, tal como se encontra no Genera Plantarum de BENTHAM e HOOKER. A escolha foi justificada pelo conde de FICALHO nos seguintes termos: «A ordem adoptada foi a do Prodromus de DE CANDOLLE, não porque esta classificação seja scientíficamente preferível a todas as outras, mas porque é seguida no único Species completo que abrange todas as Dicotiledóneas, e por isso a mais geralmente adoptada». Ainda em nossos dias esta ordenação é evidente, no que se refere, principalmente, às plantas de maior porte, arbustos e árvores. Já em fins de 1873, o conde de FICALHO se preocupava com o estabelecimento de abrigos e com a arborização das avenidas de acesso ao jardim, pelo que solicitou à Direcção das Obras do Mondego e à Direcção das Obras Públicas do Distrito de Coimbra certo número de árvores de diferentes espécies, cuja lista fora elaborada por E. GOEZE. Além de pedidos feitos a várias entidades houve também ofertas espon- tâneas. Luís DE MELo BREYNER, director da Real Associação Central de Agri- cultura Portuguesa, manifestou o desejo de concorrer com uma dádiva de plantas cultivadas no jardim desta colectividade. Para a realização das obras do novo horto botânico foram utilizadas não só as verbas obtidas mediante empréstimos, pelo Banco de Portugal, e sancionados pelo governo, como o rendimento da venda dos produtos agrícolas da cerca e, também, alguns donativos. Em Abril de 1875 foi concedida à Escola, pelo súbdito britânico EMMANUEL D'ALMÊDA (5), através do New London and Brazilian Bank de Lisboa, a avultada soma de 2000 libras para ser aplicada nas obras do jardim. Esta importância, correspondente a 8.948$000 réis de então, foi integralmente consumida até Abril de 1884, consoante consta da conta da receita e despesa relativa a este capital e respectivos juros remetida ao Ministério do Reino a 30 do mesmo mês. Em Agosto de 1874, o referido Ministério autorizava a Escola a aceitar a dádiva que o Barão de CASTELO DE PAIVA resolvera fazer para cultivo de plantas medicinais no novo jardim. Após a morte deste antigo professor da Academia Politécnica do Porto, ocorrida em 4 de Junho de 1879, começaram a ser recebidos os juros da inscrição nº 87.293, no valor nominal de 1.000$000 réis, mas em data posterior surgiram dificuldades quanto à utilização do rendimento daquele título. Enquanto se prosseguia na disposição metódica dos canteiros no plano superior, preparava-se o ajardinamento da parte de baixo da cerca e, para este fim, foi levantada a planta do terreno do jardim, na segunda metade de 1875. Em 18 de Janeiro de 1876, foi esta planta remetida à Escola pelo Ministério das Obras Públicas. A primeira construção empreendida no jardim foi a de uma pequena estufa de madeira, destinada provisoriamente à multiplicação e abrigo de plantas que exigem condições especiais de temperatura. Situava-se no plano superior, junto ao canto noroeste, e deu lugar muito mais tarde a um corpo de estufa que, até 1962, continuou a servir precariamente. Ainda no tempo de E. GOEZE se decidiu erguer uma ampla estufa constituída por um corpo central, de base quadrada e 10 metros de lado, e por duas asas laterais de base rectangular, com 14 metros de comprimento e 7 de largura. O corpo médio, de maior altura, destinava-se ao cultivo de plantas de maior porte. Segundo o conselho do Dr. J. D. HOOKER, foi resolvido adjudicar a construção da estrutura metálica, aparelhagem de aquecimento e também do envidraçado às fábricas de H. ORMSON.,em Chelsea, próximo de Londres. As fundações e restantes obras de alvenaria ficariam a cargo de operários portugueses. Em 1875, a direcção da Escola Politécnica deliberou aproveitar a estadia em Londres do Dr. BERNARDINO ANTÓNIO GOMES para ultimar os preparativos do contrato relativo à estufa e para fazer a respectiva assinatura. Esta viagem, a segunda que fazia a Londres por causa do pleito relativo às colecções angolanas de WELWITSCH, fora determinada pelo governo português em 15 de Outubro de 1875. A presença do Dr. B. A. GOMES naquela cidade tornava-se realmente indispensável para facilitar as últimas disposições judiciais. O julgamento foi concluído em 17 de Novembro de 1875 e a 23 do referido mês o delegado português iniciou a viagem de regresso. A carta do Director da Escola. Prof. L. A. ALBUQUERQUE, solicitando os bons ofícios do Dr. B. A. GOMES para a assinatura do contrato da estufa não chegou a tempo à capital britânica e só no ano imediato foram tomadas as providências para que aquele contrato fosse assinado. Os serviços prestados por E. GOEZE ao jardim da Politécnica terminariam nos fins de 1876, ano em que foi novamente encarregado de ir a Londres para receber dos executores do testamento do Dr. WELWITSCH as colecções de plantas e animais e os livros pertencentes ao governo português. Não foi possível averiguar quando teve lugar esta viagem, mas é fora de dúvida que em Março de 1876 GOEZE se encontrava na capital da Grã-Bretanha. Na verdade, a 14 desse mês e ano, perante o cônsul geral de Portugal, visconde de DUPRAT, GOEZE assinava, em nome da Escola Politécnica, o contrato para a construção da estufa. Nessa altura, após prévia anuência do conde de FICALHO e do Dr. J. D. HOOKER, foi designado JOHN SMITH, conservador dos jardins de Kew, para superintender na execução das obras. A importância exigida por H. ORMSON foi de 3982 libras e o pagamento respectivo deveria ser feito em quatro prestações. No cômputo das despesas foram incluídas as do transporte de toda a instalação e as correspondentes à estadia em Portugal dos operários ingleses a quem competia a montagem da estufa. E. GOEZE regressou a Portugal e, em Maio de 1876, solicitou uma licença de 75 dias, que lhe foi concedida, para se deslocar à Alemanha. A 10 de J ulho deste ano escreveu ao conde de FICALHO informando-o acerca das plantas que tínha obtido nos jardins botânicos de Berlim e de Hamburgo para a estufa em construção e sobre a possibilidade de aquisição dos volumes do Botanical Magazine correspondentes aos anos de 1787 a 1873. Segundo cremos, E. GOEZE voltou novamente a Portugal (6) e em 5 de Dezembro de 1876 partia definitivamente para a Alemanha, onde foi exercer as suas funções de jardineiro principal no jardim botânico de Greifswald. O conde de FICALHO (1878) referíu-se aos serviços desempenhados por GOEZE no seguinte passo do relatório apresentado ao Director interino da Politécnica, ANDRADE CORVO: «Este empregado, de cujo serviço tive sempre a louvar-me, retirou-se para a Alemanha findo o tempo do seu contrato» (2). Importa, no entanto, esclarecer que o serviço em questão foi também prestado no herbário e no Museu Botânico, em organização. Sabedor da próxima retirada de E. GOEZE, o conde de FICALHO procurou, por intermédio do Prof. J. DECAISNE, director do Jardim Botânico de Paris, indicação de pessoa competente para jardineiro na Politécnica. Aquele professor designou JULES DAVEAU, acerca de quem escreveu: «En un mot, je réponds de Mr. DAVEAU comme de moi-même». O contrato com este novo jardineiro foi assinado a contar de 16 de Dezembro de 1876. Foi firmado por dois anos, com o ordenado de 720$000 réis anuais, 90$000 para despesas de viagem e casa para habitação. A acção exercida por J. DAVEAU, de 1876 até 1892, foi das mais benéficas para o jardim e é inteiramente justa a afirmação feita pelo Prof. R. T. PALHINHA (1945) a seu respeito: «Foi o mais dedicado, o mais prestante, o mais zeloso de todos os jardineiros que por ele têm passado». NOTAS (1) Inicialmente denominado Real Jardim Botânico, Laboratório Químico, Museu e Casa do Risco.
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