Esta colectânea de estudos sobre a emigração açoriana para o Brasil, organizada pela Profª. Vera Lúcia Barroso, tem intenções diversas e confessadas que vão desde fins comemorativos e festivos dos 250 anos do povoamento do Rio Grande, à avaliação do estado de investigação sobre este tema no Brasil, passando por contribuir para o avanço do conhecimento histórico sobre a emigração açoriana e, por isso, torna-se bem difícil uma visão crítica sobre o seu conteúdo.
Ele divide-se em três partes que se pretendem complementares. Uma primeira, intitulada «O Brasil acolhe os açorianos», é um conjunto de estudos sobre os açorianos em vários estados do Brasil (mais propriamente 10 desses estados), ocupando da página 16 à página 176; uma segunda parte é formada por estudos sobre «os açorianos no Rio Grande do Sul, 250 anos» e pode-se considerar o cerne da obra, vai da página 178 à página 501; e a terceira e última parte, «Açorianos, proprietários de terras no Rio Grande do Sul, 1770-1800», é composta pela transcrição de documentos do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, 3 códices de concessão de terras aos casais de número que povoaram o estado sulista.
Fora isto, que é o conteúdo principal, há a assinalar saudações protocolares da Directora Regional das Comunidades, do Presidente do Instituto Cultural Português e do Presidente da Associação dos Amigos dos Açores do Rio Grande do Sul, além de uma mensagem do editor, uma apresentação da organizadora e uma «reflexão» do Prof. da Universidade Federal B. A. Salvador da Bahia, Pedro Agostinho.
As mensagens protocolares não suscitam comentários, mas as outras três merecem algumas palavras.
A mensagem do editor, assinada por Rovílio Costa, destaca a questão da identidade gaúcha e atribui uma das suas raízes à açorianidade, aliás dentro da tradição de uma corrente de historiografia riograndense, sendo de destacar a leitura que faz da «gauchidade» como o resultado das identidades irmanadas, indígena, portuguesa e açoriana (como singularidade portuguesa). Este tema é dos mais salientes da questão da emigração açoriana e tem despertado o interesse dos historiadores e antropólogos culturais em variadas circunstâncias da emigração. Nesses sítios, com destaque para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a açorianidade moldou a identidade regional e é-lhe atribuída a própria consciência identitária, noutros sítios do Brasil, mas também da América do Norte e Canadá tem sido estudada essa açorianidade como meio de preservar a identidade de grupos emigrados, por várias gerações, permitindo-lhes manterem-se diferenciados em ambientes culturais mais dinâmicos e maioritários. É pena que depois nos estudos publicados na colectânea, este tema não seja retomado com maior consistência.
A reflexão do Prof. Pedro Agostinho, publicada nas badanas da obra, vai na mesma linha de interpretação e aflorando a questão teórica da colonização e da emigração, pretende destacar duas linhas de força de açorianidade que marcam os traços distintivos: uma simbólica e outra tecnológica.
A simbólica, a força do Espírito Santo e dos seus ritos como fonte de unidade das comunidades açorianas emigradas no mundo, atribuindo mesmo a essa força o enquadramento do movimento revolucionário do Contestado (1912-1916) em que a multidão dos pobres pretendeu instalar na terra a Nova Jerusalém, destruindo o mundo da pressão capitalista. O tema é aliciante e bem tinha merecido o seu desenvolvimento num dos estudos que compõe a colectânea, o que, infelizmente, não aconteceu.
A técnica é que se apresenta de todo infundada e manifestamente sem apoio documental, prejudicando até a seriedade científica do estudo, pois pretende ligar a construção naval baleeira do Rio Grande a uma pretensa técnica naval de origem nórdica e viking levada para os Açores pelos povoadores flamengos no século XV.
A apresentação da organizadora, que foi aliás escrita nos Açores, na ilha do Pico, durante uma estada da Profª. Vera Lúcia Barroso, enquadra o fim último desta colectânea como sendo um contributo para o avanço do conhecimento da emigração açoriana para o Brasil e, principalmente, com o fim expresso de marcar o papel singular do açoriano na construção do espaço social gaúcho.
Assim, fica realçada a pretendida unidade da obra que, como todas as colectâneas, depois na substância é marcada por desequilíbrios entre os estudos apresentados. Há estudos de historiadores consagrados, de investigadores universitários, de investigadores independentes e de curiosos mais ou menos impressionistas. Os leitores certamente distinguirão as várias componentes com facilidade. É, porém, de acrescentar que esta obra é sem dúvida um importante contributo para o tema da emigração açoriana e o papel dos açorianos na construção do Brasil, mas não fica marcada por uma clara orientação das princípios enunciados pelos seus responsáveis, podendo-se dizer que não houve possibilidade de uma coordenação efectiva que desse maior unidade interna ao seu conteúdo. O que realça é antes uma recolha de temas e estudos surgidos da iniciativa e das preocupações individuais dos investigadores.
Deve-se, ainda, assinalar que a opção de incluir uma tão grande massa documental, que ocupa mais de metade do livro, desequilibra o todo e não contestando o valor e o interesse dos documentos teria, talvez, sido mais acertado publicá-la em volume separado porque a qualidade da transcrição paleográfica, os índices e a bela apresentação científica até lhe davam a consistência necessária. |