Onésimo escreve de viagem
[...] «Se continuo a escrever prosemas é porque acho que nessa escrita sem barreiras me deixo ir tal qual sou e chego a ser mais íntimo do que me permito nas crónicas, onde me acho mais contido e mais tradicional na estrutura formal e não só. Por isso eles são prosemas e não poemas» (p. 13)
Acabo de ler o último livro de Onésimo Teotónio Almeida: ONZE PROSEMAS (e um final merencório). Trata-se de mais uma peregrinação interior deste autor da mundividência literária que, desta vez, se exprime e expressa em «prosemas» (poemas em prosa) – que Eduíno de Jesus considera «um género realmente novo». Para mim, trata-se de um novo género... Estes prosemas são fotogramas a trepidar na fita da memória de Onésimo. Não são crónicas, são poemas narrativos. Não são histórias, são (breves) monólogos pronunciados, pensados e sentidos. E tudo isto num registo de escrita com capacidade descritiva e evocativa.
Aqui se cruzam informações, citações, memórias, revisitações, referências, acontecimentos, intertextualidades. E tudo isto com um q.b. de atenção carinhosa, irónica e por vezes mordente que o autor dedica aos outros. Exemplos: o velhote de S. Jorge (do poema do Carlos Faria) que diz: «Não trabalho mais, porque não quero morrer rico a trabalhar». Ou aquela do corvino a quem Onésimo havia oferecido um livro e que, meses depois, diz que ainda não havia encontrado tempo para o ler... Ou então a Lélia catarinense que, em plena conferência, afirma considerar-se açoriana de 250 anos, ao que o «cegão» do Onésimo responde do fundo da sala: «Olhe que está muito bem conservada» ...
Mais uma vez estamos perante o «prazer do texto» de que falava Barthes. Gostei particularmente do «Prosema a uma Brianda». Mais do que uma homenagem a Dona Ana Rocha Alves, trata-se de uma belíssima declaração de amor à cidade de Angra do Heroísmo.
Novidade neste livro é a ausência de pontuação. De facto, a pontuação não está lá, mas é como se estivesse. (Nestas coisas de falta de pontos e vírgulas pensa-se sempre em José Saramago, mas a verdade é que, antes dele, já Maria Velho da Costa, nos seus primeiros romances, havia recorrido àquele estratagema e, na minha opinião, com melhores resultados do que os verificados no nosso Nobel da Literatura ...).
Uma coisa é certa: a falta de pontuação não dificulta a leitura destes «prosemas» – até a favorece, pois que os espaços gráficos e os itálicos cumprem a função da respiração do texto. De resto é o próprio Onésimo que escreve na introdução ao livro: «A ausência de pontuação não me parece fundamental, mas ela permite a fusão de frases e sentimentos de modo bem mais livre, espontâneo e natural, como acontece na vida» (p. 13).
Em Onésimo há um relacionamento de vaivém entre a ficção narrativa e a vida. Este autor escreve de viagem. E os seus escritos colhem impressões dessa viagem. Porque ninguém escreve a partir do nada. Escrever é dar uma resposta à arte e à vida. Afinal de contas é à vida onde a literatura vai colher a sua natureza e a sua substância.
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