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BOLETIM DO NCH
Nº 14, 2005

Emigração e Regresso
Gilberta Pavão Nunes Rocha

 
A História dos Açores é, em grande parte, a História da sua Emigração. Se a aventura da partida, o desejo de rasgar o horizonte de um mar imenso foi, e porventura ainda é, uma motivação individual, todos sabemos que a justificação fundamental assenta nas grandes desigualdade económicas e clivagens sociais que durante décadas, e até séculos, caracterizaram a sociedade açoriana.

Ao longo dos tempos a emigração propiciou novas condições de vida para muitos açorianos. As estratégias familiares de uma desejada e merecida ascensão económica e social foram normalmente bem sucedidas pois, como bem afirmava Nemésio nos já longínquos anos vinte do século passado:

«... tirado do ambiente um pouco estreito em que vive, o ilhéu desentranha-se em vida e prodigaliza em acção. É inventivo, tenaz, paciente e dispõe de uma reserva de dons que, uma vez desatados, o guindam muitas vezes a notáveis posições […] Assim cumpre o açoriano o seu secular destino. Por tôda a parte se desenvolve e adapta, e - coisa singular! – já não é o mesmo homem aparentemente fatalista, lento de voz e meneios, que parece vergar na sua ilha sob o peso inclemente dum avatar geográfico. A sua adaptação não é cómoda, mas vigorosa e seguida de um rejuvenescimento salutar» . (Vitorino Nemésio, «O Açoriano e os Açores» in Águia, Órgão da Renascença Portuguesa, 4. a Série, n. o 6 – Novembro e Dezembro, Pôrto, 1928: 169-170)

Hoje tudo mudou – o contexto societal e o entendimento da emigração e dos emigrantes – mas sabemos que a emigração moldou comportamentos individuais, familiares e de relacionamento social, em especial quando as alterações técnicas registadas nas comunicações propiciaram um intercâmbio mais efectivo entre os açorianos das duas margens do Atlântico.

Assim, a sociedade açoriana é, em parte, moldada pela emigração, já que ainda hoje são bem visíveis hábitos e comportamentos daquelas paragens interiorizados em manifestações várias do quotidiano vivido nestas ilhas, como também o são o modo de estar e viver das ilhas nas comunidades de além-mar.

As consequências demográficas também perduram, em especial no que respeita ao envelhecimento demográfico, mais acentuado em algumas ilhas.

Contrariamente ao que parece ter acontecido em outras épocas e espaços, como é caso do continente português, e independentemente dos laços criados entre os dois lados do Atlântico, a emigração açoriana para o continente norte-americano ao longo do século XX, apresenta um carácter familiar e definitivo, sendo o regresso uma realidade que cremos ser relativamente recente e que não tem amplitude de outros fluxos migratórios nacionais.

Assim se compreende o carácter pioneiro do estudo realizado por Octávio H. Ribeiro de Medeiros e Artur Boavida Madeira Emigração e Regresso no Concelho do Nordeste, que surge na sequência de um primeiro trabalho, da mesma natureza e âmbito, relativo ao Concelho da Povoação. Abarca, pois, uma vertente da mobilidade até agora negligenciada nos estudos sobre os Açores, particularmente sobre a mobilidade das nossas gentes, o que não podemos deixar de sublinhar e saudar.

Metodologicamente sustentado por entrevista estruturada por inquérito o estudo desenvolve-se em três aspectos fundamentais, sendo precedido por um enquadramento respeitante ao fenómeno emigratório.

O regresso é entendido de uma forma globalizante, que atende à caracterização, não só à chegada, o regresso propriamente dito, como à partida do país de imigração. Neste sentido, o estudo sobre o regresso, a re-adaptação no país de origem, dos próprios e dos familiares, a vida quotidiana e as actividades desenvolvidas pelos regressados, por si só aspectos da maior importância para o conhecimento da problemática migratória e da sociedade açoriana, com um enfoque concelhio, na actualidade, surge ampliado na busca dos motivos, directos e indirectos, conscientes ou inconscientes, que justificaram o retorno à Terra Natal. Para isso os autores desenvolvem o conhecimento de todo um percurso inverso, ou seja, dos emigrantes regressados antes da saída e durante os anos que permaneceram no país de acolhimento. Estas são questões analisadas ao longo do segundo e terceiro capítulos, antes de desenvolverem no quarto e último capítulo o tema determinante do estudo – a caracterização dos regressados.

Relevam ao longo do livro o perfil sócio-demográfico mas também as condições para a inserção em ambos os territórios, como referem os autores: «Apoios recebidos à chegada, convivialidade, dificuldades sentidas na integração, são matéria prima para a caracterização do emigrante no país de acolhimento […] . Principais razões do regresso, contributos recebidos para a re-adaptação [...] grau de participação social e aplicação das economias no desenvolvimento local ».

A análise da mobilidade, qualquer que seja a vertente – entrada, saída ou re-entrada – que configura de um modo especial a vivência da contemporaneidade, tornam da maior importância trabalhos cientificamente sustentados como este de Octávio H. Ribeiro de Medeiros e Artur Boavida Madeira e justificam a sua continuidade, apesar das dificuldades que eles sempre acarretam, principalmente quando se tratar de unidades administrativas de maior dimensão.

 
Gilberta Pavão Nunes Rocha – Universidade dos Açores. Rua da Mãe de Deus. Apartado 1422. 9501-801 Ponta Delgada Codex.