Ainda que conhecesse Tomás Duarte desde há muito, foi nos entusiasmos da política autonomista que tive ocasião de conviver com ele e poder admirar mais de perto o seu grande entusiasmo e dinâmica actividade em prol do progresso dos Açores, em geral, e das ilhas do Faial e do Pico, em particular.
Tomás Duarte, na linha de uma velha tradição, encarava as duas ilhas, que considerava a sua pequena pátria, como um todo e tão interligadas que uma sem a outra pouco sentido faziam. É por isso, certamente, que as suas obras, quer no campo das concretizações materiais que os cargos políticos que ocupou lhe proporcionaram desenvolver quer no campo de reflexão intelectual, são, em muito, a concretização desse pressuposto. Para ele, o Faial e o Pico eram um todo ao qual as novas capacidades políticas da Autonomia traziam perspectivas únicas de desenvolvimento desde que os seus patrícios soubessem aproveitar os sinais dos tempos. Foi por isto, também, que abraçou a política partidária do P. S. D. e deu um contributo inestimável numa área em que tinha formação académica e uma longa experiência, a dos transportes, associados quer à circulação interna e externa no arquipélago, quer ao turismo. No turismo foi mesmo um pioneiro para que esta actividade se viesse a transformar num outro pilar da necessária diversificação económica da vida insular. Hoje, isto é doutrina e prática corrente, mas quando Tomás Duarte assumiu responsabilidades governativas nessa área tudo isto não era ainda tão pacífico assim. A conjugação dos transportes marítimos e aéreos e a sua descentralização dentro do arquipélago, como forma de concretizar uma das linhas de força dos programas políticos dos governos regionais do P.S.D., o desenvolvimento harmonioso das ilhas, ficou a dever-lhe um seguro passo em frente com a criação das empresas Transinsular e Transmaçor e com a inclusão do Aeroporto da Horta como porta de entrada dos aviões vindos do exterior da Região.
Mas Tomás Duarte aliava sempre esta sua faceta de executivo, visível até na sua vida privada e no entusiasmo, por exemplo, com que produzia um dos mais extraordinários vinhos verdelho do Pico, a uma preocupação de reflexão histórica em apoio à compreensão do mundo. Homem culto, que aproveitou mesmo o seu tempo disponível para se auto valorizar e para retomar os estudos universitários que abandonara na juventude, Tomás Duarte, já em idade pouco usual, licenciou-se em Administração e Contabilidade (1979) e Organização e Gestão de Empresas (1984), mas nunca abandonou a história.
Não se pode dizer que tenha sido um historiador no sentido rigoroso da palavra, pois faltou-lhe sempre a indispensável componente da investigação arquivística, para a qual, creio, não se sentia vocacionado, mas isso não o coibiu de se servir da história como auxiliar para si próprio e para explicar aos outros as razões que o levaram a estas e não a outras opções. As suas palestras, muitas delas autênticas intervenções cívicas nas muitas sessões solenes e comemorativas a que era chamado a colaborar por que lhe reconheciam o verbo fácil e a elegância da frase, eram sem dúvida um meio privilegiado para comunicar com a sociedade. Lembro-me de o ouvir na sessão solene comemorativa do 125 o aniversário da Sociedade Amor da Pátria divagar com segurança sobre a Horta em meados do século XIX (texto que depois publicou no Boletim do Núcleo Cultural da Horta ) construindo, com as revelações históricas que ia apresentando, uma espécie de desafio aos seus concidadãos para que retomassem, nos tempos actuais, o entusiasmo e a determinação daqueles hortenses do tempo da Regeneração que haviam levado a cidade à glória e fundando o Amor da Pátria se transformaram em luzeiros para os vindouros.
É que aquilo que distinguia Tomás Duarte na sua vida intelectual de um mero curiosos de antiguidades ou divulgador de glórias do passado, como a tantos outros acontece, era precisamente essa ideia de missão e de compromisso cívico que se auto impunha. Para ele, a história era mestra, mas acima de tudo era exemplo e não acreditava que a decadência fosse uma fatalidade. Acreditava que, tal como no passado, uma plêiada de notáveis citadinos havia feito da Horta um centro activo económica e culturalmente, também nos nossos dias, até com condições políticas e financeiras bem melhores, era possível construir uma sociedade dinâmica que voltasse a colocar o velho burgo faialense na linha da frente e o tomasse num pólo de desenvolvimento dos Açores, como uma Região Autónoma da Constituição da República Portuguesa. Quando releio os trabalhos históricos de Tomás Duarte, todos praticamente centrados na análise da problemática do desenvolvimento e do progresso social do Pico e do Faial, em todos eles encontro esta lição. Dúvidas tenho se os seus concidadãos o entenderam e acima de tudo se mostraram disponíveis para o acompanhar na concretização das propostas que lhes fazia, mas isso é outro campo de reflexão.
De entre os seus livros, um marca destaque, porque não se afastando da linha condutora de todos eles, se evidencia como o mais profundo e o mais conseguido. Refiro-me a um dos últimos que publicou e em que condensou a visão que tinha sobre o vinho do Pico, a sua produção, a sua comercialização e sobretudo o complexo mundo social que sempre rodeou a exploração desse importante produto açoriano. Nesse trabalho julgo ser de realçar o cuidado posto pelo autor numa das facetas hoje mais valorizadas dessa produção, ou seja, a paisagem construída numa zona tão característica das nossas ilhas como são as paisagens surgidas das erupções vulcânicas mais recentes.
Tomás Duarte tinha a noção exacta que aquilo que pode salvar uma produção agrícola tão ameaçada como a do vinho insular é precisamente esse complexo de convivência entre a natureza e o homem e que mais do que a quantidade vinícola o que valoriza a produção é a paisagem cultural. Isto é, Tomás Duarte foi pioneiro nos seus trabalhos nesta visão tão moderna da ecologia como lição primordial do nosso tempo e creio que foi capaz de travar as experiências, que então se faziam, de uma produção mais abundante, menos cara mas conseguida pela destruição de uma paisagem humanizada que é uma lição de convivência secular entre o Homem e o mundo que o rodeia. É neste sentido que o livro de Tomás Duarte, O Vinho do Pico , é um livro notável e moderno e não sendo um trabalho de inovação histórica no sentido de apresentar novas investigações, acaba por ser um contributo para o seu grande sonho de transformar o seu Pico numa componente dinâmica de progresso dos Açores integrando-o no circuito turístico como um dos trunfos insulares, ao mesmo tempo que garantia que não é necessário cortar com o passado naquilo que ele tem de bom para se poder usufruir de uma qualidade de vida moderna a que todos aspiramos. Quanto a mim é neste equilíbrio e neste gosto pelo diálogo constante, que Tomás Duarte praticou com entusiasmo, que está a maior lição que este açoriano agora desaparecido nos deixa. Saibamo-la, na saudade da sua ausência, aproveitar.
Angra do Heroísmo, 17 de Novembro de 2003
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