É de louvar a conjugação de esforços partilhados entre o Instituto Açoriano de Cultura e a Direcção Regional de Cultura no lançamento da sétima pedra do projecto de recolha do património imóvel dos Açores. Ao fim de cinco anos de actividade, iniciada no ano de 1997, ambas as instituições prosseguem uma tarefa de imensurável valor, após a inventariação dos patrimónios imóveis de outros seis concelhos açorianos: São Roque, Lajes e Madalena da ilha do Pico; Vila Nova da ilha do Corvo (estes quatro já publicados); Praia da Vitória da ilha Terceira e Vila do Porto da ilha de Santa Maria.
Em 2003, coube ao concelho da Horta da ilha do Faial beneficiar com a publicação de mais um volume dedicado ao seu património imóvel, infelizmente tão danificado após o terramoto que devastou a ilha a 9 de Julho de 1998. Como bem afirma o presidente da edilidade faialense, co-editora do presente trabalho, Rui de Jesus Goulart, a importância deste estudo é ainda mais relevante atendendo às alterações arquitectónicas em marcha na ilha do Faial, resultados directos da recuperação e reedificação dos imóveis arruinados pelo referido sismo, uma vez que se torna um instrumento propício à fixação da memória colectiva de um passado edificado que os cataclismos naturais destroem e o decurso do tempo tende a corroer.
Com uma dimensão que ultrapassa as 320 páginas, a obra, antes de mais, convida o leitor a navegar pelos incontáveis anos que definiram e moldaram o património vegetal da ilha e pelos mais de 500 anos de história faialense, relembrando, pois, que a riqueza patrimonial não se cinge aos bens materiais visíveis, mas que estes são um resultado da centrifugação de forças culturais, naturais e paisagísticas que moldam o comportamento dos homens ao longo dos séculos. Esta vertente é devidamente salvaguardada nas palavras do coordenador do projecto e presidente da direcção do Instituto Açoriano de Cultura, Jorge Augusto Paulus Bruno, quando afirma que o património edificado dos Açores resulta das características naturais de cada ilha, do tipo de ocupação a que cada uma assistiu e das respectivas actividades sociais, económicas e lúdicas.
Deste moroso percurso temporal resultou uma riqueza edificada variada, visível na paulatina urbanização da cidade da Horta, onde se cruzam traços de raiz insular e continental; na rede rural faialense, infelizmente com uma composição arquitectónica mais arruinada nos nossos dias; e nas respectivas produções artesanais, onde a cerâmica (telha, tijolo e louça) empresta um colorido especial que dignifica a especificidade cultural arquipelágica. Na verdade, a singularidade e a raridade de algumas espécies agora inventariadas tornam-se um instrumento de valorização de um património que contribui para a inflação de um corpus edificado, que se insere numa matriz de mais amplas dimensões e que contribui para o enriquecimento de toda a cultura de cariz europeizante.
Neste volume, é ainda de realçar a permanência do rigor técnico, comprovado pela forma como foi formulada a identificação de cada imóvel, obedecendo a rigorosos parâmetros metodológicos e científicos, na qual são apontados a tipologia do imóvel, com uma descrição sumária do mesmo, a sua localização, estado de conservação, fim utilitário e data do respectivo inventário. Aponte-se, ainda, a existência de um breve glossário, que permite a elucidação de termos específicos utilizados na descrição das habitações rurais e urbanas. Obedecendo a estes requisitos, foram registadas 211 espécies, identificadas por fotografias coloridas actualizadas, que espelham o rosto concelhio na sua dimensão mais profunda e diversificada. A inclusão de mapas tipificados, no início do trabalho, permite ao leitor orientar-se no que concerne à localização e quantificação das unidades paisagísticas construídas (7 registos) e dos conjuntos edificados (27); dos legítimos representantes da arquitectura doméstica (84 exemplares), civil (18), religiosa (25), militar (4); e da diversa construção utilitária, designadamente unidades agrárias, piscatórias, artesanais, industriais e ainda pontes, aquedutos, estradas e mirantes (40 inventários).
Entre as 211 espécies inventariadas, predominam as construções recentes, datadas dos séculos XIX e XX (169 exemplares), embora seja possível apreciar alguns edifícios coevos aos primeiros tempos do povoamento insular, como é o caso do portal e da torre sineira da igreja da freguesia dos Cedros ou do castelo de Santa Cruz. Estes e outros registos mais antigos devem servir de motivação para que as entidades responsáveis pela manutenção dos edifícios públicos e privados não se descurem na sua tarefa de “conservadores” da memória, para mais quando a estatística ainda lhes é favo rável: dos 211 imóveis, 66 são classificados como encontrando-se em bom estado de conservação (31,2%); 80 em estado razoável (37,9%); 48 em mau estado (22,7%) e 17 (8%) em ruína.
Em suma, o Inventário do Património Imóvel da Ilha do Faial tem o mérito de utilizar as novas tecnologias, a metodologia e os instrumentos científicos em beneficio da conservação memorial de um passado humanizado. Este esforço é particularmente válido no arquipélago dos Açores, uma vez que as suas características endógenas, onde os cataclismos naturais são ameaças reais e imprevisíveis podem, a qualquer momento, destruir um património secular. Esta contingência deve servir de crescente incentivo para que o Instituto Açoriano de Cultura e a Direcção Regional de Cultura, a par de outras entidades com competências e responsabilidades na área da defesa patrimonial, seja ela imóvel ou móvel, conjuguem esforços para a defesa dos bens comuns, garantindo a sua manutenção e gravando, por escrito ou imagem, a sua existência, de forma a salvaguardar a memória colectiva do todo insular, com as respectivas singularidades e homogeneidades num mundo que cada vez mais se quer globalizante. |