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O itinerário fayalense de Thomas Parkin
– cônsul ao serviço de sua majestade britânica
nas Western Islands (2)

RICARDO MANUEL MADRUGA DA COSTA

Circunstâncias que têm a ver com pesquisa documental orientada para o esclarecimento do papel dos Açores na conjuntura dos derradeiros anos da primeira década do século XIX, designadamente no que respeita às implicações da Guerra Peninsular no Arquipélago dos Açores, levaram-nos a deparar com uma personagem digna de trama novelesca. Em breve iríamos constatar não se tratar de um encontro fortuito; de facto, com o adensar das informações que fomos reunindo, desta feita também na demanda de elementos elucidativos de factos ocorridos em paralelo com as invasões francesas na península e que se ligam com o conflito anglo-americano que haveria de conduzir à Guerra de 1812, a intrigante personagem foi ganhando contornos de maior nitidez a estimular mais aprofundado conhe­cimento. Entre nós e Thomas Parkin – este o nome do mercador-diplomata que o título deste trabalho destaca – criou-se, por isso, uma quase intimidade. Praticamente ausente dos registos que a história dedicou à memória da vida faialense do começo do século XIX, o certo é que este dignitário de Sua Majestade Britânica na ilha do Faial irá envolver-se, não só nos meandros da política local e nas dificuldades inerentes à solução dos problemas de subsistência que preocupavam a edilidade, mas sobretudo nas intrigas e em obscuros episódios que tecem a marginalidade faialense das duas primeiras décadas de Oitocentos. Na verdade, em reduzido espaço de tempo, iremos vê-lo como protagonista destacado de escândalos cuja natureza terá abalado, por certo, a sociedade hortense daquela época até ao mais fundo dos seus alicerces. Quais as origens de Thomas Parkin e quando terá chegado à Horta, não o sabemos. É provável que a sua chegada ao Faial se tenha verificado em data não muito afastada do ano de 1794, quando apresenta carta patente de cônsul da Prússia. Ignoramos igualmente quais os motivos que o levam a fixar-se na vila da Horta. Porém, não é absurdo pensar que as escalas dos navios de Sua Majestade Britânica pela Horta e a exportação do “verdelho” – então alimentando próspero comércio entre o Faial e o Norte da Europa, por um lado, e as West Indies, por outro –, tenham atraído o seu interesse, como é seguro ter acontecido com o seu futuro amigo yankee John Bass Dabney que na vila faialense se terá radicado em 1806. E, aliás, através de Roxana Dabney, – a cronista da família do 1° Cônsul dos Estados Unidos da América nos Açores, e de seus descendentes –, que ficamos a saber um pouco sobre Thomas Parkin na esfera familiar, já que nos revela, através da transcrição de correspondência de seu avô, ter esposa e quatro filhas, três das quais casadas e estando próximo o casamento da última, à data em que Roxana nos relata o detalhe – o ano de 1824, ano em que Mr. Parkin deixaria de pertencer ao número dos vivos.

A dar crédito aos dados constantes de um auto relativo à fuga de religiosas do convento da Glória, o seu falecimento terá ocorrido aos 70 anos de idade. Sobre o modo como viveria, pouco se sabe igualmente. Se é certo que as referências que lhe são feitas nos Annals of the Dahnev Family in Fayal , não nos mostram pormenores reveladores do seu modo de vida e posses, a verdade é que tinha casa de veraneio na Areia Larga, emparelhando assim com os hábitos mundanos dos mais destacados morgados faialenses e com a burguesia mais abastada do seu tempo e a sua prática de agradável vilegiatura na fronteira da vizinha ilha do Pico. Partilhar, ou não, do círculo de sociabilidade que a vindima e tudo o mais que em seu redor ocorria, era condição inerente ao próprio estatuto que permitia identificar a mais próspera elite da vila faialense. A abrir este breve, ainda que aciden tado, itinerário de Thomas Parkin, teríamos desejado registar facto ou episódio edificante que, de algum modo, mitigasse as vicissitudes de um percurso marcado por indesejáveis ocorrências a resvalar para comportamentos aparentemente inadequados por parte de um cônsul de S. M. B. Dese­jaríamos, de facto, num primeiro encontro com Thomas Parkin, tê-lo surpreendido em circunstâncias menos embaraçosas.

Estamos em Outubro de 1806 e é no confronto com um requerimento do próprio cônsul, presumivelmente dirigido ao Governador Militar das Ilhas do Faial e Pico, a reclamar a sua inocência e a pedir clemência perante o desamparo em que ficariam sua mulher e filhas, que travamos o primeiro conhecimento com Mr. Parkin. Preso na ilha do Pico por ordem do Governador, sobre ele recai a suspeita de contrabando e é nessa situação que ficamos a saber que, havia já alguma tempo, fora feita busca em sua casa por idêntico motivo. Mera suspeita, ou facto comprovado, o certo é que Thomas Parkin, como veremos, será reincidente nas voltas do contrabando açoriano, a ver pelas referências que ao mais alto nível da governação do arquipélago lhe são feitas. Nem o estatuto de intérprete das entidades oficiais e o facto de isso o levar a privar com as mesmas, lhe facilitaria a vida. Aliás, este ano de 1806 é extremamente agitado no que respeita a Parkin. De facto, o cônsul-geral em Lisboa, Gambier, nomeou Albert Curry, residente na Madeira, para substituir Thomas Parkin. Esta nomeação iria causar forte conflito justificando intervenções do governador militar do Faial e Pico e do próprio capitão-general, uma vez que Albert Curry se faz representar por seu irmão Daniel Curry o qual, como negociante, permaneceu no Faial alguns anos. Parkin não se daria por vencido, fazendo crer localmente continuar investido no cargo. O certo é que Daniel Curry, por falta de idade bastante e por comportamento impróprio, acabaria por perder o cargo a favor do rival.

Deixando de parte este começo pouco auspicioso, observamo-lo, agora investido no seu estatuto consular em nome da coroa britânica, em sessão da vereação faialense, no ano de 1808, na qual se procura congregar a boa vontade das forças vivas da terra no sentido de obviar à escassez de cereais que muito afligia as populações, sendo ainda no mesmo ano que damos conta da sua presença na Câmara para colocar a edilidade da Horta ao corrente da impossibilidade de obter, para suprir as necessidades de abastecimento da terra, cereais ou farinha carregados a bordo de navios surtos na baía da Horta.

Ainda neste ano de 1808, a pessoa do cônsul inglês no Faial surge citada em carta publicada no jornal londrino General Evening Post de 3 de Março, com origem na Horta, dando conta de que os ingleses dominam o arquipélago, e na qual se inculca a ideia clara de que o cônsul estaria de posse de cartas para as autoridades com instruções sobre a atitude a tomar para com os ingleses e seus inimigos. Tal publicidade, indesejável na perspectiva do Capitão-General, ao qual cabia zelar pela soberania da coroa portuguesa nestas ilhas, suscitará forte reacção junto do Governador das Ilhas do Faial e Pico, instando-o mesmo a provocar um desmentido. Escassos meses decorridos, talvez já esquecida a fugaz prisão que marca, de certo modo, a sua estreia como figurante de primeiro plano num rol de episódios de contornos folhetinescos, cuja divulgação no pacato burgo faialense terá feito vacilar os sentimentos de respeito pelo diligente cônsul-mercador, abalando, por certo, a sua imagem nos círculos da melhor sociedade local, vamos surpreendê-lo de novo nas teias de um enredo que até poderá ter configurado o delito de traição. De facto, em Julho de 1808, na sequência de um embarque de vinho na escuna inglesa Experiment ancorada em águas da baía da Horta, que transportaria igualmente uma partida do precioso “verdelho”, pertença do cônsul John Dabney, Thomas Parkin vai confrontar-se com o embargo que um seu compatriota, no comando da fragata Undaunted, lhe ordenará por considerar o seu envolvimento em transacções de mercadoria inimiga. Importa lembrar a este respeito que as difíceis relações entre a Inglaterra e a chamada América inglesa, haviam determinado da parte daquela, condicionantes ao comércio da jovem república cuja reacção levara a uma séria de medidas legislativas de que resultou a valorização do porto da Horta como escala de baldeação de mercadorias envolvendo embarcações das duas nações em litígio. O imbróglio, para além das implicações pessoais e de apressadas justificações que John Dabney apresenta ao representante do seu governo junto da corte de Londres, daria origem a um aceso conflito a suscitar queixa do Governador Militar das Ilhas do Faial e Pico, Teodoro Pamplona, para o Capitão-General dos Açores. Considerava o governador que a atitude do comandante da fragata punha em causa as autoridades e leis portuguesas, facto que o levara a protestar junto daquele comandante. Esclareceremos apenas que a diligência do patriótico protesto e os queixumes para o Capitão-General, apenas resultou na arrogante resposta do marinheiro de Sua Majestade e, por outro lado, no contido e inconsequente assentimento de D. Miguel Antonio de Mello. Os tempos eram agitados e os interesses do Regente D. João, de par com as necessidades de fundos da corte portuguesa agora fixada em terras do Brasil, aconselhavam uma prudente reserva e o refrear de impulsos que pudessem desagradar aos nossos aliados, sobretudo em vésperas da contracção de um substancial empréstimo junto da corte de Inglaterra cuja amortização – não imaginaria então o Capitão-General! – iria corroer em extremo, ao longo dos anos vindouros, as magras receitas do erário público do arquipélago. Não admira, por isso, que os lamentos do Governador Teodoro Pamplona a propósito do agravo acima referido e também por virtude dos constantes distúrbios que a marinhagem causava ao desembarcar, originando o desassossego das populações, permanecessem letra morta e sem qualquer medida eficaz correspondente.

Decorrido um ano, como se depreende de troca epistolar de Agosto de 1809 entre o Capitão-General e o comandante da fragata britânica Iris , Thomas Parkin é claramente acusado pelo seu compatriota de estar conluiado com um tal Hauq [sic], residente na Terceira, com vista ao contrabando de Urzela. O Capitão-General não se limita a registar a denúncia do militar inglês; corrobora mesmo a afirmação, adiantando ter essa desconfiança a qual torna extensiva ao vice-cônsul americano. Acrescenta, entretanto, algumas considerações em torno do episódio havido com a fragata Undaunted, como reforço do juízo depreciativo que emitia a respeito de Mr. Parkin, opinando que, para cônsules, deveriam ser escolhidas pessoas de reconhecida probidade.

Ainda não decorrera outro ano sobre o caso, para diligências que se prendem de novo com uma conjuntura de dificuldades frumentárias, Thomas Parkin comparece uma vez mais junto dos edis, desta feita em Abril do ano de 18 10, desempenhando-se da desagradável incumbência de reiterar indisponibilidade para aceder às pretensões camarárias, alegando de novo respeitáveis interesses de terceiros os quais, no caso vertente, teriam a ver com a logística inglesa nestas paragens atlânticas. Vivia-se, de facto, numa época em que a produção local de cereais e de gado, e mesmo a das ilhas vizinhas, estava submetida a uma enorme procura provocada pela afluência inusitada de navios ao porto da ilha do Faial. Não bastasse a carência que se abatia ciclicamente sobre as ilhas – tanto devido a maus anos agrícolas como em consequência de deficiente controlo da exportação de grãos – assistia-se agora ao desregrado fornecimento da navegação, a causar as maiores preocupações à Câmara confrontada com os interesses dos comerciantes, nomeadamente estrangeiros, e também com as pressões políticas resultantes da presença da marinha inglesa nas nossas águas e da logística inerente à sua movimentação e ao estacionamento de tropas britânicas na ilha da Madeira em resultado das Invasões Francesas. Curiosamente, é neste contexto que entre a Câmara da Horta e Mr. Parkin, será trocada violenta correspondência, tocando ao cônsul a iniciativa ao dirigir à edilidade uma carta em termos julgados ofensivos, verberando a resistência da Câmara em autorizar o abastecimento de navios britânicos ancorados na baía em Abril de 1810. Estava em jogo a alimentação dos tripulantes de 25 embarcações e Thomas Parkin melhor termo de comparação não encontrou para avaliar do comportamento dos vereadores do que afirmar tratar-se de um acto digno de Bonaparte. E o ano encerraria com nova convocatória aos cônsules sediados no Faial, incluindo Thomas Parkin, para consulta visando estimar as necessidades de gados, designadamente a importar da ilha de São Jorge, não só para o abastecimento local mas também para acorrer às necessidades da navegação escalando o porto da Horta. Todavia, neste ano de 1810, na sequência de importantes averiguações ordenadas pelo capitão-general e levadas a cabo pelo Provedor dos Resíduos, Thomas Parkin vê-se envolvido num dos escândalos mais espantosos que abalaria a vida faialense. Com a cumplicidade oficiais da alfândega e do cônsul inglês, o juiz Almeida Cândido perpetrou uma bem urdida fraude ao embandeirar com pavilhão português navios americanos chegados à Horta com mercadorias destinadas a Inglaterra e que, devido ao embargo vigente, deveriam baldear-se no porto faialense. O ousado expediente do juiz de fora simplificava a morosidade das dispendiosas formalidades e todos ficavam a ganhar, sem esquecer o nosso diplomata. Por estas e por outras, percebe-se o desalentado desabafo do capitão-general D. Miguel António de Melo, ao afirmar que enquanto Alton, Read e Parkin – os cônsules ingleses na Terceira, S. Miguel e Faial - residissem nas ilhas açorianas, não cessariam os ultrajes à soberania portuguesa e os prejuízos para a Fazenda Real. Por esta época, como pode depreender-se dos registos da cobrança da décima dos prédios urbanos, Thomaz Parkin ocupava, como inquilino, a casa n.° 14 da Rua de S. Francisco da vila da Horta, pertencente a António Telles Dutra Machado, então morador na Terceira.

Para encerrar este roteiro do cônsul britânico em várias e atribuladas intervenções com que se ilustra esta primeira década do passado século, referiremos o caso da fuga de religiosas, pacata e ordeiramente recolhidas aos conventos de São João e da Glória. Para além do registo que Silveira Macedo, Marcelino Lima e Ernesto Rebelo dedicam ao escândalo, importa referir que as autoridades locais ordenaram a elaboração dos competentes autos. Da leitura dessa documen­tação que tivemos oportunidade de consultar no arquivo da Capitania-Geral dos Açores, resulta claro o envolvimento de tripulantes de navios ingleses estacionados no ancoradouro faialense, sendo Thomas Parkin colocado sob suspeita de cumplicidade nas diligências que conduziriam à fuga das ditas religiosas. Será mesmo indiciado como tradutor dos amorosos recados trocados no parlatório entre a oficialidade britânica e as religiosas prevaricadoras. Afinal, o espelho de unia situação em que à mentalidade anglicana, insensível à clausura religiosa acolhida pela Igreja de Roma, não repugnaria violar o recato da vida conventual e suas regras, a par com uma prática comum por parte da aristocracia local que no refúgio do convento, ao qual forçava o recolhimento da descendência, encontrava a via adequada para manter a integridade do património.

Chegava ao fim uma época. Expulsos os franceses da Península ficava estabilizada a situação no Atlântico. Não significa isto perda de relevância estratégica para os Açores. A permanência da corte no Brasil, a guerra de 1812 e o corso dos chamados “insurgentes”, são garantia da importância que o arquipélago mantém. O período que se segue, do ponto de vista nacio­nal, não sem consequências para o arquipélago, será dominado pela fermentação política que culminará no pronunciamento de 1820. Os Açores não permanecerão alheios às convulsões da vida nacional. É visível a ausência de iniciativas que contribuam para o progresso dos Açores, sendo notório que a administração se refugia num torvelinho de burocracia inconsequente e rotineira. A agravar um quadro de verdadeira incapacidade governativa, pesará sobre os Açores e sobre as receitas da Junta da Fazenda o ónus da dívida externa portuguesa contraída em Inglaterra em 1809 e que se prolongará até 1815.

No decorrer desta espécie de interregno quase perdemos de vista Thomas Parkin. Apenas damos conta do seu gesto altruísta materializado na dádiva de 20$000 reis para a subscrição aberta em 1811 a favor do resgate dos cativos portugueses de Argel, montante que não desmerece das quantias oferecidas pelos principiais da terra. Decorrerão três anos para que o reen­contremos, desta vez na disputa oficial pela posse dos destroços do navio General Armstrong, afundado em frente ao Castelo de Santa Cruz, reclamados pelo comandante britânico Robert Lloyd. O episódio, uma vez mais, tornou-o merecedor da ira do capitão-general que o admoestaria pela intervenção abusiva e ultrajante para as autoridades locais, ao secundar o acto insólito de Robert Lloyd. Não bastasse o ataque a um navio corsário em águas de um país neutral, o comandante britânico exigiu a posse dos destroços. Dessa diligência, em inusitada manifestação de arrogância que a presença da tropa britânica certamente explicará, encarregou-se Thomas Parkin intimidando e forçando o juiz da alfândega a entregar-lhe os destroços em causa. Ou porque a monotonia desta nova fase da vida faialense, subsequente aos acontecimentos dos anos compreendidos entre 1808 a 1810, se revelasse menos estimulante para um espírito irrequieto como o do nosso cônsul, ou porque o decréscimo na procura do porto reduzisse de todo as oportunidades de um bom negócio ou de uma qualquer iniciativa mais ousada nos circuitos do contrabando, perpetrada nos recôncavos das costas do Faial e do Pico, – o certo é que apenas vamos ter novo encontro com o cônsul britânico em Outubro de 1817.

Desta feita Tomaz Parkin assume-se como intermediário em rija querela envolvendo a autoridade do Governador o qual, com ou sem razão, mandara recolher a calabouço um compatriota do cônsul – o comerciante inglês Diogo Searle – por alegada ofensa ás autoridades marítimas no decurso de um confuso episódio com um capitão de um navio americano que lhe estava consignado. No desfecho do giro das cartas sem resposta que o cônsul envia ao Governador, vamos por fim vê-lo desconsiderado com a seca e definitiva recusa de lhe ser concedida audiência. Estranha forma de acolher alguém investido no estatuto consular de nação amiga o que, porventura, terá justificado o recurso de Thomas Parkin ao Cônsul-Geral para clarificação do caso. Ou talvez não deva estranhar-se, se tivermos em conta carta do Governador, datada de Janeiro de 1818, pronunciando-se de forma crítica quanto ao comportamento abusivo dos diplomatas estrangeiros, solicitando, por isso, instruções sobre a forma de proceder para com eles em caso de desobediência.

Um reencontro turbulento e bem ao estilo desta curiosa figura que acaba por ser verdadeiro ornamento de uma realidade acidentada e pitoresca, cujo aventuroso itinerário em terra faialense terá, por certo, povoado de fantasiosos enredos o imaginário dos jovens da geração seguinte. Tal como a geração nascida nos anos quarenta do nosso século - a nossa geração! – deleitava a imaginação na escuta atenta e perplexa das narrativas das aventuras vividas nessa baía a abarrotar de navios que a 2.° Grande Guerra para aqui fez convergir. Quantos Thomas Parkin não deambularam então pelas ruas da Horta na espreita de negociatas de ocasião ou na espera nervosa de contrabandos atirados borda fora? E quanta marinhagem buliçosa de roldão por essas ruas celebrando tudo e nada, a causar o sobressalto da população, tal como quase século e meio antes acontecera para irritação e angústia de Teodoro Pamplona, ofendido nos seus pergaminhos de Governante impotente?

Após este breve reencontro, até à sua morte em 1824, apenas uma vez mais nos confrontámos com algo respeitante a Mr. Parkin.

Como se o tempo fosse portador de virtudes regeneradoras do carácter, ou gerador de qualidades moderadoras de impulsos incontrolados, a verdade é que, chegados ao final do ano de 1820, o Governador de então oferece-nos um Thomas Parkin devolvido à bondade e a uma exemplar cidadania. Sobre os cônsules credenciados na Horta, sem excluir Thomas Parkin, escreverá o Governador para o Capitão-General que “todos conservão o melhor Caracter, muita probidade, muita religião, e muito boas idêas, que em cousa alguma offendem o systema Politico”. Curiosamente, era quase isto que o cônsul John Bass Dabney escrevia em carta remetida da Horta, uma dúzia de anos antes, a respeito do seu colega britânico, nos tempos em que ambos partilhavam interesses na exportação do excelente “verdelho” amadurecido na laje negra da fronteira.

Chegados a este feliz final, é bem possível que alguns dos presentes se interroguem sobre as razões que nos levaram a dar tal relevo e tratamento a uma personagem menor no contexto em que nos situámos. Diríamos, talvez suscitando alguma perplexidade, que o que é mais interessante relevar não é o perfil de um indivíduo enredado nos acontecimentos de um época e num dado lugar, mesmo admitindo que a escassa elite local lhe concedesse lugar condizente com o seu estatuto de mercador abastado e de cônsul de nação amiga; o que desejamos sublinhar, recorrendo a um figurante que não recusou papel algum nas cenas do quotidiano agitado de um pacato burgo de uma ilha perdida no Atlântico, é a realidade histórica subjacente ao papel que este invulgar actor, que dava pelo nome de Thomas Parkin, voluntariamente ou arrastado pelas circunstâncias, foi desenhando e compondo ao sabor dos seus impulsos e ambições. Preenchidos os espaços vazios que o traçado desse percurso deixa aqui e além, os fragmentos surgem com alguma coerência e nitidez. São o esboço, ainda que grosseiro, de algumas realidades que estruturam aspectos de duas décadas da nossa história local ainda mal conhecida.